Pular para o conteúdo principal

Relato do nosso encontro de padres com o Papa Bento XVI (14/02/2013) - Parte VI

Padre Elílio de Faria Matos Júnior

O primeiro documento aprovado pelos Padres conciliares, recordou-nos Bento XVI, foi a constituição sobre a liturgia, a Sacrosanctum Concilium. Aos que dizem que o concílio não falou de Deus, Bento XVI mostrou que a liturgia é a grande obra de Deus e, portanto, tendo começado pela liturgia, o Vaticano II começava sob o primado de Deus, segundo a Regra de São Bento: “Nihil operi Dei praeponatur”.

O Papa disse-nos que a liturgia, entendida como fonte de espiritualidade, estava um pouco distante da vida dos fiéis em geral. Os estudos histórico-teológicos, de recente, haviam mostrado as riquezas da liturgia, e havia, por assim dizer, um grande desejo, por parte de muitos, de que essas riquezas fossem comunicadas ao povo. Os missais que traziam para os fiéis uma tradução em língua vernácula dos textos latinos não eram suficientes para introduzir uma maior participação no ato litúrgico, que não podia reduzir-se à forma em que, muitas vezes, apenas o acólito respondia por toda a assembleia.

O concílio introduziu, disse-nos o Santo Padre, o conceito de participação. No entanto, o real objetivo dos Padres foi obnubilado pelo que Bento XVI chamou de “concílio da mídia”. O Concílio Vaticano II real e verdadeiro, em não poucos casos, chegou às bases pela mediação de uma mídia sensacionalista e, portanto, a sua real imagem em muitos aspectos foi distorcida. Daí compreendemos porque se tenha chegado, nos anos pós-conciliares, a banalizações por vezes graves do ato litúrgico, com introduções de elementos que lhe são estranhos. Para o Papa, a verdadeira participação não combina com a banalização da liturgia.

Bento XVI mostrou-se convicto de que o senso do sacro pertence à natureza mais íntima da liturgia e, por isso, ela não pode reduzir-se a uma obra meramente humana, saída da nossa criatividade. Não pode ser banalizada e despoliada do mistério da salvação. Diante da tese segundo a qual o “sacrum” seria uma noção pagã, Bento XVI reafirmou que tal noção, ao invés, pertence à nossa relação com o mistério insondável de Deus.

Assim, ele esclareceu que, ainda que os textos litúrgicos hoje, depois da reforma pedida pelo concílio, possam ser rezados em língua materna, isso, de modo algum, tira o véu do mistério contido na liturgia. Ninguém pode dizer, por exemplo, que “compreende” a missa só porque ele vem rezada em vernáculo. Nesse sentido, será sempre necessária uma catequese mistagógica que nos faça penetrar cada vez mais no mistério de Deus, ensinou.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Do mundo do devir ao Ser absolutamente absoluto: um itinerário do pensamento

A filosofia ocidental nasce da exigência de compreender o ser. Platão, diante do mundo sensível, marcado pelo devir, pela transformação incessante e pela imperfeição, percebeu os limites da realidade material. Para ele, o mundo visível não pode explicar-se por si mesmo: sua contingência só se torna inteligível à luz de um mundo superior, estável e perfeito — o mundo das Ideias. Assim, o imperfeito remete necessariamente ao perfeito. Aristóteles, discípulo de Platão, volta-se de modo mais atencioso para o mundo sensível. Não nega sua inteligibilidade, mas a fundamenta em princípios racionais: a substância, a forma, a matéria, as causas. O cosmos é compreensível porque é ordenado. Contudo, esse movimento ordenado exige um fundamento último que não se move: o motor imóvel. Aristóteles não o descreve como criador, mas como ato puro, causa final de toda realidade em movimento. Com o cristianismo, a intuição filosófica do Princípio se eleva a um plano novo. Antes de tudo, o cristianismo não ...

A parábola do pobre Lázaro e do rico epulão: um chamado à mudança de vida

O Evangelho deste domingo nos apresenta uma cena dramática e profundamente atual: à porta de um homem rico, que todos os dias se vestia de púrpura e linho e banqueteava esplendidamente, jazia um pobre chamado Lázaro, coberto de feridas, que desejava apenas as migalhas que caíam da mesa. Quando a morte chega para ambos, os papéis se invertem: o pobre é consolado no seio de Abraão, enquanto o rico se vê em tormento. Esta parábola pode ser contemplada a partir de dois pontos fundamentais para nossa vida cristã e comunitária. ⸻ 1. Relativizar sucessos e insucessos deste mundo A primeira lição do Evangelho é clara: nada neste mundo é definitivo. Os sucessos humanos — saúde, riqueza, fama, reconhecimento — são passageiros. Da mesma forma, os insucessos — pobreza, doença, sofrimento, abandono — não têm a última palavra. O rico epulão parecia vitorioso: rodeado de bens, de abundância e conforto. O pobre Lázaro, por sua vez, parecia derrotado: relegado à miséria, sem consolo humano. Mas a morte...

Teologia da libertação como parte, não como o todo da teologia

A teologia da libertação, surgida em solo latino-americano e desenvolvida em diálogo com a realidade concreta de nossos povos, apresenta diferentes correntes e matizes. Não se trata de um bloco único, mas de uma pluralidade de vozes que buscam responder à mesma interrogação: como anunciar o Evangelho em contextos marcados por graves injustiças sociais? Em linha de princípio, uma reflexão teológica voltada para a libertação é não apenas legítima, mas necessária e oportuna. Em países como os da América Latina, onde a desigualdade social é gritante, a fé cristã não pode se manter indiferente diante do sofrimento dos pobres e da exclusão das maiorias. A teologia da libertação, nesse sentido, cumpre uma função crítica: questiona as causas estruturais da injustiça, examina os mecanismos de opressão, avalia os meios adequados para a superação dessas situações e defende o direito dos povos a uma libertação não apenas espiritual, mas também econômica, social e política. Nessa linha, o Papa S. J...