A teologia da libertação, surgida em solo latino-americano e desenvolvida em diálogo com a realidade concreta de nossos povos, apresenta diferentes correntes e matizes. Não se trata de um bloco único, mas de uma pluralidade de vozes que buscam responder à mesma interrogação: como anunciar o Evangelho em contextos marcados por graves injustiças sociais?
Em linha de princípio, uma reflexão teológica voltada para a libertação é não apenas legítima, mas necessária e oportuna. Em países como os da América Latina, onde a desigualdade social é gritante, a fé cristã não pode se manter indiferente diante do sofrimento dos pobres e da exclusão das maiorias. A teologia da libertação, nesse sentido, cumpre uma função crítica: questiona as causas estruturais da injustiça, examina os mecanismos de opressão, avalia os meios adequados para a superação dessas situações e defende o direito dos povos a uma libertação não apenas espiritual, mas também econômica, social e política.
Entretanto, é preciso reconhecer que, ao longo de sua história, algumas expressões da teologia da libertação acabaram por se distanciar da tradição da Igreja, sobretudo quando privilegiaram análises unicamente políticas ou sociológicas em detrimento do caráter sobrenatural da fé e do último fim transcendente da existência humana. Por essa razão, a Santa Sé, na década de 1980, julgou oportuno oferecer orientações, especialmente por meio do documento Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação. O objetivo não foi negar a legitimidade da teologia da libertação, mas corrigir desvios e indicar caminhos seguros para que essa reflexão se mantenha em fidelidade ao Evangelho e à comunhão eclesial.
Outro ponto fundamental é não confundir teologia da libertação com a Doutrina Social da Igreja. A Doutrina Social é o ensinamento oficial do Magistério e se expressa em princípios, critérios e diretrizes que iluminam a ação social dos cristãos. Já a teologia da libertação é obra dos teólogos, que procuram desenvolver um pensamento crítico a respeito da opressão e da libertação dos povos em diálogo com as ciências humanas, como a sociologia e a política. Trata-se de uma elaboração teológica que procura analisar a realidade e oferecer caminhos concretos, mas não tem o viés normativo do Magistério da Igreja, embora possa aprofundar a reflexão sobre a concretude da realidade e suas exigências, inclusive proporcionando ao Magistério novos horizontes de compreensão.
Essa distinção ajuda a compreender que a teologia da libertação é uma contribuição valiosa. Mas não se pode cair na tentação de que a teologia da libertação esgote o cristianismo ou a própria teologia. O cristianismo é muito mais amplo: abrange a espiritualidade, a liturgia, a pastoral e, de modo especial, a mística. A teologia em geral não se restringe à questão da libertação temporal.
A mística ocupa um lugar singular na vida e na reflexão cristã, pois representa o ponto mais alto da experiência religiosa. Se, por um lado, a fé se expressa como libertação sociopolítica e socioeconômica, por outro, ela conduz também à união íntima e inefável com Deus. A experiência religiosa encontra o seu ápice na contemplação e na comunhão com o mistério divino. Essa dimensão não elimina nem relativiza o compromisso social, mas recorda que a libertação plena não se esgota em horizontes históricos.
Assim, a teologia da libertação tem o seu lugar legítimo na tradição da Igreja, desde que exercida em fidelidade ao Evangelho e em sintonia com o magistério. Ela é uma parte necessária, mas não o todo da reflexão teológica. A mensagem cristã é mais ampla: é boa nova para toda a existência humana, iluminando a luta por justiça, a vida comunitária, o cultivo da espiritualidade e, sobretudo, a abertura ao mistério de Deus.
Manter esse equilíbrio é um desafio permanente. A Igreja é chamada a não se fechar nem ao clamor dos pobres, nem ao anseio do coração humano por Deus. Libertação e mística não são opostos, mas dimensões complementares da mesma fé que se faz vida.
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