Pular para o conteúdo principal

Oração de petição segundo Rahner


Abaixo segue um texto estruturado com base na obra Acudir a Dios en la angustia. El sentido de la oración de petición, de Karl Rahner, sobre o sentido de rezar, de fazer uma oração de petição. 

O Sentido da Oração de Petição segundo Karl Rahner

1. Introdução: A Oração de Petição em Crise

Na experiência moderna, muitos crentes e não crentes questionam a utilidade da oração de petição. “Rezei e não fui ouvido” — esse lamento ressoa através dos séculos, especialmente em contextos de sofrimento, guerra ou abandono. A oração de petição parece ineficaz, silenciosa, ignorada por Deus. Por isso, torna-se objeto de crítica, de escárnio ou de desilusão religiosa.

Karl Rahner, a partir do contexto dramático do pós-guerra, enfrenta essa acusação não com respostas fáceis, mas com uma honestidade radical, que reconhece tanto a profundidade da dor humana quanto o mistério do silêncio de Deus.

2. O Acusado: Deus ou a Oração?

Segundo Rahner, a crítica à oração de petição é, em última instância, uma crítica a Deus. Acusam-se a oração de ser ilusória, infantil ou egoísta, mas por trás dessa acusação está a angústia de um mundo que se sente abandonado pelo Criador. A história da dor humana — o grito dos inocentes, das mães aflitas, dos famintos, dos violentados — parece contradizer a promessa de um Deus justo e bom.

Nesse tribunal interior, a oração de petição se vê cercada de objeções: ou Deus não existe, ou não intervém, ou é indiferente. E mesmo os que mantêm a fé muitas vezes reduzem a petição a uma súplica meramente interior, por força e resignação, excluindo pedidos concretos de ajuda material, cura ou livramento.

3. A Resposta Cristã: Jesus como Oração Encarnada

A resposta decisiva de Rahner a essas objeções não é uma tese racional, mas uma Pessoa: Jesus Cristo. A oração de petição cristã só se compreende a partir de Cristo, que foi Ele mesmo o grande suplicante. Em sua paixão, Jesus orou com lágrimas e sangue: “Pai, afasta de mim este cálice”. Ele conheceu o abandono, o silêncio do Pai, e mesmo assim não deixou de rezar. Por isso, a oração de petição encontra sua justificação não na eficácia visível, mas na fidelidade do Filho ao Pai.

“A Palavra eterna do júbilo divino se fez grito temporal da necessidade humana.”

4. O Estranho Mistério da Oração: Tensão e Unidade

A oração de petição cristã carrega em si uma tensão essencial:

 • De um lado, é radicalmente humana: clama por vida, saúde, paz, pão. Não espiritualiza o sofrimento, nem o disfarça.

 • De outro lado, é totalmente divina: reconhece que a última palavra é de Deus, e que a Sua vontade é santa mesmo quando incompreensível.

Essa oração não é uma exigência diante de Deus, nem um cálculo espiritual. É um ato de entrega confiada, no qual o homem suplica com toda sua miséria, mas se submete com amor à sabedoria divina.

“É verdadeiramente grito de necessidade, e verdadeira capitulação ante o Deus dos juízos e dos mistérios.”

5. A Oração como Caminho da Fé

A oração de petição não é um caminho para obter garantias, mas para entrar no mistério de Deus. Rahner insiste: não explicamos o sentido da petição — reencontramos, nela, o mistério de todo o cristianismo. A oração não elimina o sofrimento, mas o ilumina com a presença de um Deus que também sofreu, chorou e esperou.

“Se queres entendê-la, ora, pede, chora.”

6. Conclusão: Rezar como Filhos

O verdadeiro sentido da oração de petição não está em ser atendido conforme nossos planos, mas em nos tornarmos filhos confiantes diante de um Pai invisível. Rahner propõe, com linguagem profunda, que o orante se torne como uma criança: sem presunção, mas com esperança.

“Enquanto as mãos permanecerem juntas em oração, mesmo na ruína mais espantosa, nos envolverão a vida e a benevolência de Deus — invisíveis e misteriosas, mas verdadeiras.”

Síntese Final

Rezar, para Karl Rahner, é gritar com fé no silêncio, é esperar contra toda esperança, é falar a um Deus que muitas vezes cala, mas que já respondeu em Cristo. Orar é entrar na verdade da condição cristã: mendigos diante do Mistério, filhos diante do Pai.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Convite ao eclesiocentrismo

O Cardeal Giacomo Biffi, arcebispo emérito de Bologna, faz um convite quase insuportável aos ouvidos que se consideram avançados e atualizados em matéria teológica: trata-se de um convite ao eclesiocentrismo. O quê? Isso mesmo. Um convite ao eclesiocentrismo. É o que podemos ler, estudar e meditar em seu livro sobre eclesiologia - La Sposa chiacchierata: invito all’ecclesiocentrismo -, que ganhou uma tradução portuguesa sob o título Para amar a Igreja . Belo Horizonte: Centro de Cultura e Formação Cristã da Arquidiocese de Belém do Pará / Editora O Lutador, 2009. . O motivo que leva o arcebispo e cardeal da Igreja Giacomo Biffi a fazer um convite assim tão «desatual» é o seu amor pela verdade revelada em Cristo. A teologia para Biffi não se deve ocupar com discursos divagantes sobre hipóteses humanas, não deve fazer o jogo do «politicamente correto», mas deve, isto sim, contemplar a « res », isto é, a realidade que corresponde ao desígnio do Pai, a sua verdade. E com relação à ver...

Combater o crime organizado

O combate ao crime organizado no Brasil é, ao mesmo tempo, complexo e simples. Complexo porque envolve múltiplas dimensões — políticas, econômicas, sociais, culturais — e simples porque exige o óbvio: inteligência, coordenação e vontade real de agir. Não há saída fácil, mas há caminhos claros. Um passo irrenunciável é o combate imediato, direto, às ações criminosas. É dever do Estado executar mandados de prisão, desmontar quadrilhas, apreender armas e drogas, e garantir que a lei se cumpra com firmeza e eficiência. Dentro da mesma linha de ação, criar leis mais rigorosas e eficazes, aumentar os presídios, fortalecer a polícia e punir os policiais que se deixam corromper. Mas isso, por si só, não basta. O crime organizado é um sistema, e todo sistema se sustenta por uma estrutura financeira. Desmontar o crime é também seguir o dinheiro: rastrear transações, investigar laranjas, identificar quem lucra com o crime. Certamente, há empresários e políticos que se beneficiam desse esquema, e ...

Memória de Santo Tomás de Aquino

. Homilia proferida por mim na festa de Santo Tomás de Aquino em Missa celebrada no Instituto Cultural Santo Tomás de Aquino, de Juiz de Fora, MG, do qual sou membro. Pe. Elílio de Faria Matos Júnior Prezados irmãos e irmãs na santa fé católica, Ao celebrarmos a memória de Santo Tomás de Aquino, patrono de nosso instituto, desejo reportar-me às palavras que o santo doutor, tomando-as emprestadas de Santo Hilário, escreveu logo no início de uma de suas mais importantes obras, a Summa contra gentes , e que bem representam a profunda espiritualidade do Aquinate e a vida mística que envolvia sua alma. Sim, Santo Tomás, além de filósofo e teólogo, homem das especulações profundas e áridas, era também um santo e um místico, homem da união com Deus. São estas as palavras: “Ego hoc vel praecipuum vitae meae officium debere me Deo conscius sum, ut eum omnis sermo meus et sensus loquatur” , isto é, “Estou consciente de que o principal ofício de minha vida está relacionado a Deus, a quem me ...