A filosofia grega, em seu ápice com Platão e Aristóteles, deu um passo decisivo na história do pensamento: descobriu que a realidade sensível não se explica por si mesma, que o mundo sensível e contingente remete a um princípio, a uma origem real inteligível. Mas esse princípio, tal como concebido por esses filósofos, ainda não era o Deus absoluto que a razão filosófica cristã posteriormente procuraria demonstrar.
Em Platão, o princípio supremo é a ideia do Bem: fonte da forma inteligível dos entes, da sua inteligibilidade, mas que não é em si um ser pessoal, nem tampouco um criador no sentido próprio. O mundo sensível depende do Bem como a luz depende do Sol, mas este Bem não causa o mundo por liberdade, e sim como que por emanação ou participação necessária. A estrutura do cosmos é hierárquica e inteligível, mas o próprio cosmos é eterno: não há, portanto, um abismo ontológico entre o princípio e o mundo.
Em Aristóteles, a filosofia dá um passo decisivo ao distinguir ato e potência, substância e acidente, matéria e forma. O princípio do mundo é agora o motor imóvel, causa final e exemplar do movimento, que move como objeto de desejo ou de amor, mas que permanece alheio ao mundo: não conhece senão a si mesmo, na pura autocontemplação. Também aqui não há criação no tempo, nem uma relação de liberdade entre o princípio e o principiado: o mundo, como o motor, é eterno.
Ambos os filósofos, portanto, chegaram a um princípio real, necessário e inteligível, mas ainda vinculado de algum modo ao mundo que dele depende. O absoluto pensado pela razão grega ainda não é plenamente distinto do relativo: há entre eles uma necessidade estrutural, uma mútua implicação eterna. Não se trata ainda do Deus criador ex nihilo, que, por liberdade, dá o ser ao que não é, sem necessidade alguma de fazê-lo.
A filosofia cristã, herdeira e crítica da tradição grega, assumiu esse movimento e o elevou à sua culminância. Em Tomás de Aquino, especialmente, a razão é levada a conceber um esse subsistens (Ser subsistente), um ser que é ipsum esse per se subsistens, ou seja, que é o próprio Ser em ato puro, sem composição, sem limite, sem dependência alguma. E todos os entes criados são entes precisamente porque participam do ser, sem ser o Ser. A distinção entre essência e existência nos entes finitos abre caminho para compreender que só Deus tem a existência por essência, enquanto todas as criaturas a recebem como dom.
Dessa forma, a razão filosófica pode atingir, na tradição cristã, mas por um movimento exclusivamente filosófico no que se refere à sua justificação, a concepção de um princípio absoluto, verdadeiramente transcendente ao mundo, mas plenamente presente a ele como sua causa livre e criadora. Já não se trata de um princípio coexistente com o mundo, mas de um Deus que é antes de tudo e de todos, e de quem tudo procede sem necessidade, mas por livre eleição e amor.
Assim, se é verdade que Platão e Aristóteles não chegaram ao Deus absoluto, é igualmente verdade que sua filosofia preparou o caminho: ao romper com o mito, ao buscar o princípio inteligível da realidade, ao postular um único fundamento necessário para o contingente, a filosofia grega foi uma etapa decisiva no itinerário da razão rumo à descoberta do Deus verdadeiro — princípio absoluto de tudo o que é, plenitude do ser, e causa livre de toda a realidade finita.
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