Adorar a Trindade: contemplação teológica segundo o "Compendium Theologiae" de Santo Tomás de Aquino
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I. Deus: Mistério abissal de Ser, Luz e Amor
Antes de tudo, somos conduzidos ao silêncio adorante diante de Deus, cuja essência é ato puríssimo, sem qualquer mistura de potência ou composição. “Deus est actus purus absque potentialitatis permixtione” (Compendium theologiae, c. 28). Ele é a fonte e plenitude de todas as perfeições. E a mais alta dessas perfeições, segundo Tomás, é o inteligir: “Intelligere praecellere videtur, cum res intellectuales sint omnibus aliis potiores” (ibid.). Deus é, pois, luz infinita, inteligência plena.
Mas este inteligir não é acidental, nem sucessivo, nem discursivo: é eterno, simultâneo, simples e perfeitíssimo. “Intelligentia Dei absque omni successione est” (c. 29), e seu modo de conhecer é por sua própria essência: “Non per aliam speciem, sed per essentiam suam intelligit” (c. 30). Deus é sua inteligência, e seu inteligir é sua própria vida: “Ipse Deus est suum intelligere” (c. 31).
Ó Luz eterna, em Ti não há sombra, nem alternância, nem busca — pois és plenitude luminosa que tudo contém em si mesma!
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II. O Pai, Princípio sem princípio
Ao elevar o espírito à contemplação do mistério trinitário, encontramos no Pai o princípio absoluto. Ele é a fonte do conhecer e do querer em Deus. Ele conhece-se perfeitamente — e este conhecimento não permanece mudo, mas gera, de modo inteligível, um Verbo. Como escreve Tomás: “Verbum… quod est in Deo… comparatur ad Deum sicut filius ad patrem” (c. 39). Eis o Filho eterno.
Este Verbo não é criatura, nem produto exterior, mas expressão subsistente, gerada no seio da eternidade. “Verbum Dei… est eiusdem essentiae et naturae cum ipso” (c. 41). Por isso, a Igreja professa com firmeza: “Deum verum de Deo vero, consubstantialem Patri” (cf. c. 44).
Ó Pai, princípio sem princípio, fonte eterna de luz, em Ti brota o Verbo como esplendor da Tua própria glória.
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III. O Filho, Verbo do conhecer: Luz da Luz
O Filho é o “Verbo” que Deus pronuncia eternamente de Si mesmo: “Conceptio intellectus dicitur verbum… quod est similitudo rei intellectae, quaedam proles ipsius” (cc. 38–39). E porque Deus se conhece a Si mesmo, com perfeição infinita, o Verbo que dele procede possui a plenitude da divindade: “Deus se ipsum non minus intelligit quam sit” (c. 43).
Este Verbo é gerado, não feito. Não é posterior, mas coeterno. “Semper ergo et verbum eius fuit” (ibid.). Nele se manifesta a inteligibilidade perfeita de Deus: “Id cuius est verbum, perfecte intelligitur” (ibid.). Ele é a imagem perfeita do Pai, esplendor da Sua substância, “lumen de lumine”. O Verbo ou Filho é a expressão perfeita da atividade de conhecer em Deus.
Ó Filho eterno, Verbo consubstancial, Tu és a Luz que jorra da Luz, esplendor do conhecimento do Pai, imagem viva do Infinito!
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IV. O Espírito Santo, Amor subsistente
Mas Deus não apenas se conhece. Ele também se ama. E o amor com que Deus ama a Si mesmo não é um afeto passageiro, mas um Amor subsistente — o Espírito Santo.
Como ensina Tomás: “Deus in seipso amat seipsum: bonum enim intellectum secundum se amabile est” (c. 45). O Espírito Santo é, pois, Deus presente em Deus como “amatum in amante” (ibid.), e é chamado Espírito porque exprime o modo como Deus está em Deus pelo amor: “Modum quo Deus est in Deo sicut amatum in amante exprimimus per hoc quod ponimus ibi spiritum, qui est amor Dei” (c. 46).
O Espírito Santo ou Amor subsistente é a expressão perfeita da atividade de amar ou de querer bem em Deus.
Mas este Amor não é mero símbolo, nem acidente — é Pessoa: “Spiritus… non est aliquid accidentale in Deo, sed est res subsistens in essentia divina, sicut Pater et Filius” (c. 48). Ele é “o Amor” em Deus, o dom que procede do Pai e do Filho: “Procedit… ex principio amativo, et ex intelligibili apprehenso, quod est verbum” (c. 49).
Ó Espírito Santo, amor substancial, vínculo eterno entre o Pai e o Filho, és suavidade infinita e dom inefável — Tu és o abraço eterno de Deus em Si mesmo!
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V. Três Pessoas, uma Essência
A Trindade não contradiz a unidade de Deus, pois a distinção das Pessoas é relacional, não substancial: “In divinis distinctio est per relationes quae non accidunt, sed sunt subsistentes” (c. 55). Estas relações são reais e fundadas no ser: “Relationes praedictae sunt relationes reales, non rationis tantum” (c. 53), e como subsistem em natureza intelectual, constituem verdadeiras Pessoas: “Pater igitur et Filius et Spiritus Sanctus sunt tres personae” (ibid.).
Mas não são três deuses. “In divinitate quendam trinarium ponimus, qui tamen unitati et simplicitati essentiae non repugnat” (c. 50). O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito é Deus — e os três não são três deuses, mas um único Deus: trino nas pessoas, uno na essência.
Deus é um mistério uno e único de Ser, Inteligência e Amor. O Ser pleno não pode não se conhecer nem não se amar. O Ser pleno só pode ser trindade de subsistências relacionais: como Princípio absoluto do conhecer e do querer (Pai), como Expressão do conhecer (Verbo ou Filho) e como Expressão do querer por meio do conhecer (Espírito Santo ou Amor).
Ó Trindade Santa, eternamente una, eternamente trina, Tu és luz, amor e plenitude! Nós Te adoramos, ó Pai fonte do Ser, ó Filho esplendor da Luz, ó Espírito do eterno Amor!
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VI. Conclusão: Louvor da Beatitude Trinitária
Como termina São Tomás:
“Deus est unus, simplex, perfectus, infinitus, intelligens et volens… omnia haec in symbolo fidei brevi articulo comprehenduntur” (c. 35).
E mais: há uma Trindade beatíssima, eternamente feliz em Si mesma — porque Deus se conhece e se ama perfeitamente. Se Deus não se conhecesse, não seria Deus, pois não seria luz. Se não se amasse, não seria Deus, pois não seria bem-aventurado. Mas Ele se conhece — no Filho. E se ama — no Espírito pelo Filho.
Ó Trindade Santíssima, Tu és o oceano sem fundo do ser, a luz sem ocaso do conhecer, a doçura sem termo do amar. Recebe, pois, nosso louvor, nossa adoração, nosso silêncio.
A Ti, glória eterna, ó Pai, por meio do Filho, na caridade do Espírito Santo. Amém.

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