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O finito apela ao Infinito

 

O ponto que trago remete a uma via metafísica negativa, onde a crítica da finitude do ente nos conduz, não apenas à constatação de sua limitação, mas à impossibilidade de que o limite tenha a última palavra sobre o ser. O nada não pode ser o “além do limite”, pois o nada não é. Assim, a própria noção de limite exige um ser sem limite – um ser que seja ser puro, que exclua toda não-existência.

Vamos então desenvolver o argumento na forma de um discurso ontológico contínuo, com base nessa intuição:

A finitude como apelo ao ser ilimitado

Começamos pela constatação mais imediata: há seres, mas os seres que encontramos são finitos. Eles não são tudo o que poderiam ser. São marcados pela limitação, pela mutabilidade, pela dependência. São entes que possuem o ser, mas não o são em sua plenitude.

Essa constatação, longe de ser trivial, contém uma exigência profunda: se tudo o que existe fosse finito, então o ser mesmo estaria limitado. Haveria uma fronteira que o ser não ultrapassa. O horizonte do real seria cercado por um limite insuperável – e além desse limite não haveria nada.

Mas o que significa afirmar que, “além do ser finito, há o nada”? Significa reconhecer que o não-ser estaria como que circundando o ser, como seu “ambiente”. O ser finito, neste caso, seria como uma ilha de realidade cercada por um oceano de não-ser.

Mas aqui surge a contradição fundamental: o nada não é. O nada não pode cercar o ser, porque o nada não pode ser nem pensado positivamente, nem agir, nem conter, nem limitar. O nada não se impõe, não tem estatuto metafísico. Ele não tem força real de determinação.

Portanto, o limite do ser finito não pode abrir-se ao nada, porque o nada é a pura ausência, a pura impossibilidade. O limite só pode abrir-se a algo real.

Ora, se o finito é limitado, mas o além do limite não pode ser o nada, então é necessário que esse limite do finito seja tocado ou transpassado pelo ilimitado. A própria estrutura da finitude exige que aquilo que limita seja compreensível à luz de algo que não é limitado.

Dito de outro modo: o finito só pode ser compreendido se houver o infinito. O finito é compreensível como o que “não é tudo”, como aquilo que “tem um mais além”. Mas esse “mais além” não pode ser o nada – porque o nada não funda, não explica, não determina.

Logo, o finito exige o infinito como sua condição de inteligibilidade e de existência.

Este ser infinito, contudo, não é infinito por extensão, mas por intensidade:

 • Ele é infinitamente ser.

 • Ele é ser pleno, ser sem lacuna, ser sem mistura de não-ser.

 • Ele expulsa o nada, não o deixa entrar, porque nele não há limitação, nem contingência, nem falta.

O finito, então, não pode ser o todo do real. E se o finito não é o todo, é necessário que haja o que não é finito. Mas o que não é finito não pode ser outro finito. Deve ser o ser em sua plenitude, o ser em ato puro, o ser mesmo (ipsum esse subsistens).

Este ser, que exclui o nada e funda todos os entes finitos sem estar limitado por eles, é aquilo que se designa como Deus. Não é um ente entre outros, mas o fundamento do ser de tudo o que é, e cuja infinitude não é um excesso, mas a plenitude absoluta que torna o nada impossível.

Conclusão do argumento (em forma condensada)

 • O ente finito é limitado.

 • Se tudo fosse finito, o ser estaria limitado.

 • O limite do ser não pode abrir-se ao nada, pois o nada não é.

 • Logo, o limite do ser finito exige um ser sem limite, que expulse o nada por sua própria plenitude.

 • Este ser ilimitado, que exclui o nada e funda o ser finito, é Deus.

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