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Irmão Lourenço de Nossa Senhora

Irmão Lourenço de Nossa Senhora, 
o eremita do Caraça 

 O Irmão Lourenço de Nossa Senhora é a figura central e fundadora da história do Caraça. Sua vida, envolta em misticismo, silêncio e lenda, marca profundamente a espiritualidade do lugar. Abaixo, apresento uma exposição aprofundada sobre ele, baseada na obra Caraça: Peregrinação, Cultura e Turismo, de Pe. José Tobias Zico C.M., com dados históricos e tradições transmitidas no entorno do Santuário.

I. Identidade e Origem

1. Nome e profissão religiosa

Assinava-se apenas “Irmão Lourenço de Nossa Senhora”, indicando profunda consagração mariana.

Professo da Ordem Terceira de São Francisco, viveu como eremita e penitente.

2. Origem portuguesa

No testamento de 1806, afirma ser natural de Nagozelo, na diocese de Lamego, filho de Antônio Pereira e Ana de Figueiredo.

II. As lendas e o mistério

1. A lenda dos Távoras

Diz-se que seria na verdade Carlos Mendonça Távora, membro da nobre família dos Távoras, perseguida por Marquês de Pombal após o atentado contra D. José I (1758).

Teria sido condenado à morte “em efígie”, escapado e vindo ao Brasil escondido numa pipa de vinho, assumindo identidade religiosa.

2. Lenda da Inconfidência

Outra tradição afirma que ele teria sido o personagem misterioso que, em 1789, teria avisado os inconfidentes de que haviam sido descobertos:

“Fujam! Fujam! Fomos descobertos.”

III. Vida no Brasil e fundação do Caraça

1. Primeiros registros

Em 1763, já aparece em Diamantina, como membro da Ordem Terceira.

Em 1770, faz doação de bens à Ordem da Penitência e logo se dirige à Serra do Caraça, onde inicia a fundação do hospício.

2. Fundação do Santuário

Constrói a ermida de Nossa Senhora Mãe dos Homens e os edifícios anexos com recursos próprios (oito mil cruzados) e esmolas dos fiéis.

Forma pequena comunidade de eremitas e inicia a tradição de acolhimento a peregrinos, pobres e estudantes.

“Mais velho que o Império, coevo de Tiradentes… o Caraça nasceu com a consciência da Nação Brasileira.” (Juarez Caldeira Brant)

IV. Personalidade espiritual

Viveu em profundo recolhimento, penitência e caridade.

Era conhecido pela pobreza radical, simplicidade de vida e zelo missionário, apesar de não ser sacerdote.

Conseguiu inspirar muitos pela força do exemplo, pela palavra e pelo testemunho silencioso.

Não pensava em si, mas no futuro da obra: queria que após sua morte o local se tornasse hospício de missionários e casa de formação.

V. Últimos anos e morte (1819)

1. Idade avançada e sofrimento

Segundo Saint-Hilaire, teria 92 anos em 1816.

Segundo Von Martius, teria mais de 100 anos.

Outros dão-lhe cerca de 70 anos apenas, mas não há dados definitivos.

2. Testamento

Em 1806, declara:

“Edifiquei a capela com o título de Nossa Senhora Mãe dos Homens e São Francisco das Chagas… de que faço oferta a Sua Alteza Real para que nela se estabeleça um hospício de missionários…”

3. Morte e sepultura

Morre em 27 de outubro de 1819, pobre, cego e quase abandonado, sem ver a chagada dos padres vicentino s portugueses, que fariam de sua obra uma grande árvore frutífera. 

Tradicionalmente, acredita-se que Nossa Senhora lhe apareceu pouco antes da morte, prometendo que sua obra não seria abandonada.

Foi sepultado dentro da igreja do Santuário, “entre a janela da credência e a que dá para o saguão”, segundo o Pe. Viçoso.

VI. Legado

É lembrado como patriarca espiritual do Caraça.

Sua figura une o ideal franciscano, o espírito missionário e o zelo mariano.

Toda a história posterior do Caraça — missões, colégio, santuário — se funda sobre seu gesto radical de fé e doação.

“O Irmão Lourenço viveu como sombra nos corredores que ele povoara com luz… Era um dos benfeitores anônimos da humanidade.” (Saint-Hilaire)

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