Pular para o conteúdo principal

Wittgenstein e a questão de Deus

A questão de Deus em Wittgenstein é complexa, pois atravessa suas duas fases filosóficas (Tractatus Logico-Philosophicus e Investigações Filosóficas), e pode ser abordada a partir de três perspectivas principais: 


1. Deus e o Inefável no Tractatus

No Tractatus Logico-Philosophicus (1921), Wittgenstein estabelece que os limites da linguagem são os limites do mundo. A linguagem só pode expressar fatos do mundo, e tudo que ultrapassa isso pertence ao inefável.

• Deus, a metafísica, a ética e a estética pertencem a esse “espaço do inefável”, pois não são fatos que podem ser descritos logicamente.

• Ele afirma no famoso parágrafo 6.432:

“Como o mundo é, é algo que é completamente indiferente para o que é superior. Deus não se revela no mundo.”

• E, no fim do Tractatus, conclui:

“Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.” (7)

Ou seja, Deus não pode ser expressado pela linguagem lógica, mas sua existência pode ser sugerida através do que não pode ser dito.

Deus e o Místico

Embora rejeite a metafísica tradicional, Wittgenstein deixa espaço para uma experiência do místico:

• O que é mais fundamental não pode ser dito, mas apenas mostrado.

• A existência do mundo, o fato de que algo existe ao invés de nada, já é uma experiência do mistério. 


2. Deus e a Prática Linguística nas Investigações Filosóficas

Na segunda fase de seu pensamento (Investigações Filosóficas), Wittgenstein abandona a ideia de que a linguagem representa a realidade e passa a vê-la como um conjunto de jogos de linguagem.

• A questão de Deus, então, não é mais sobre “se Ele existe” como um fato verificável, mas sobre como a crença em Deus funciona dentro de um jogo de linguagem específico.

• A religião, nesse sentido, não pode ser julgada pelos critérios da ciência ou da lógica, pois opera dentro de seu próprio jogo de linguagem.

Fé como uma Forma de Vida

Em seus escritos tardios (Observações sobre a Filosofia da Religião), Wittgenstein sugere que:

• A fé religiosa não é uma hipótese científica, mas uma forma de vida.

• Perguntar “Deus existe?” é irrelevante fora do contexto religioso; para um crente, Deus é uma realidade vivida, não um conceito filosófico.

Isso significa que a crença em Deus não depende de provas, mas de uma prática concreta de vida e linguagem.


3. Wittgenstein e o Silêncio sobre Deus

Apesar de não negar Deus, Wittgenstein se recusa a tratá-Lo como um conceito filosófico. Sua postura se assemelha a uma via negativa (como no misticismo de Eckhart ou João da Cruz), onde Deus está além da linguagem e da razão.

• Sua abordagem não é nem ateísta nem teísta no sentido clássico.

• Ele vê a religião como uma experiência, não como um problema lógico a ser resolvido.


Conclusão

Wittgenstein nos deixa com três abordagens sobre Deus:

1. No Tractatus, Deus é o inefável, algo que só pode ser mostrado, não dito.

2. Nas Investigações, Deus é parte de um jogo de linguagem, vivido na prática religiosa e não na especulação metafísica.

3. No final, a questão de Deus não pode ser respondida pela filosofia, apenas vivida.

Para Wittgenstein, Deus não é uma proposição a ser provada, mas um mistério que se manifesta na experiência e no silêncio.

Observação: Estou de acordo com Wittgenstein na medida em que ele diz que Deus transcende a mera linguagem lógica, racional ou empírica, mas não posso concordar com ele quando diz que a linguagem racional nada teria a dizer sobre Deus. A razão chega a Deus, ainda que de esguio. A razão humana finita esbarra-se em Deus, Razão infinita. Deus não pode ser demonstrado por uma dedução da razão humana (argumentação propter quid), pois é anterior aos primeiros princípios racionais e é o fundamento transcendente deles. Mas Deus pode ser reconhecido como Causa transcendente, seja dos princípios lógico-racionais, seja do mundo físico das criaturas finitas (argumentação quia).

Elílio Júnior 
 

Texto elaborado com a ajuda da IA


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Convite ao eclesiocentrismo

O Cardeal Giacomo Biffi, arcebispo emérito de Bologna, faz um convite quase insuportável aos ouvidos que se consideram avançados e atualizados em matéria teológica: trata-se de um convite ao eclesiocentrismo. O quê? Isso mesmo. Um convite ao eclesiocentrismo. É o que podemos ler, estudar e meditar em seu livro sobre eclesiologia - La Sposa chiacchierata: invito all’ecclesiocentrismo -, que ganhou uma tradução portuguesa sob o título Para amar a Igreja . Belo Horizonte: Centro de Cultura e Formação Cristã da Arquidiocese de Belém do Pará / Editora O Lutador, 2009. . O motivo que leva o arcebispo e cardeal da Igreja Giacomo Biffi a fazer um convite assim tão «desatual» é o seu amor pela verdade revelada em Cristo. A teologia para Biffi não se deve ocupar com discursos divagantes sobre hipóteses humanas, não deve fazer o jogo do «politicamente correto», mas deve, isto sim, contemplar a « res », isto é, a realidade que corresponde ao desígnio do Pai, a sua verdade. E com relação à ver...

Combater o crime organizado

O combate ao crime organizado no Brasil é, ao mesmo tempo, complexo e simples. Complexo porque envolve múltiplas dimensões — políticas, econômicas, sociais, culturais — e simples porque exige o óbvio: inteligência, coordenação e vontade real de agir. Não há saída fácil, mas há caminhos claros. Um passo irrenunciável é o combate imediato, direto, às ações criminosas. É dever do Estado executar mandados de prisão, desmontar quadrilhas, apreender armas e drogas, e garantir que a lei se cumpra com firmeza e eficiência. Dentro da mesma linha de ação, criar leis mais rigorosas e eficazes, aumentar os presídios, fortalecer a polícia e punir os policiais que se deixam corromper. Mas isso, por si só, não basta. O crime organizado é um sistema, e todo sistema se sustenta por uma estrutura financeira. Desmontar o crime é também seguir o dinheiro: rastrear transações, investigar laranjas, identificar quem lucra com o crime. Certamente, há empresários e políticos que se beneficiam desse esquema, e ...

Memória de Santo Tomás de Aquino

. Homilia proferida por mim na festa de Santo Tomás de Aquino em Missa celebrada no Instituto Cultural Santo Tomás de Aquino, de Juiz de Fora, MG, do qual sou membro. Pe. Elílio de Faria Matos Júnior Prezados irmãos e irmãs na santa fé católica, Ao celebrarmos a memória de Santo Tomás de Aquino, patrono de nosso instituto, desejo reportar-me às palavras que o santo doutor, tomando-as emprestadas de Santo Hilário, escreveu logo no início de uma de suas mais importantes obras, a Summa contra gentes , e que bem representam a profunda espiritualidade do Aquinate e a vida mística que envolvia sua alma. Sim, Santo Tomás, além de filósofo e teólogo, homem das especulações profundas e áridas, era também um santo e um místico, homem da união com Deus. São estas as palavras: “Ego hoc vel praecipuum vitae meae officium debere me Deo conscius sum, ut eum omnis sermo meus et sensus loquatur” , isto é, “Estou consciente de que o principal ofício de minha vida está relacionado a Deus, a quem me ...