Pular para o conteúdo principal

Agressividade de alguns evangélicos contra a S. Igreja

Padre Elílio de Faria Matos Júnior

Sabemos que o Concílio Vaticano II nos pede um espírito ecumênico e o cultivo de boas relações com os cristãos separados de Roma, a fim de que a atuação da graça possa encontrar em nossas boas disposições o terreno em que trabalhar para a união efetiva de todos aqueles que creem no Senhor Jesus como Deus e homem e Salvador do gênero humano, ele que nos revelou o rosto de Deus e o dinamismo que caracteriza a essência divina, o circuito de amor entre o Pai e o Filho, cuja expressão é o Espírito Santo. Santo Agostinho falava do Amante, do Amado e do Amor.

O ecumenismo é de todo justificado, desde que não caia num falso irenismo. Devemos procurar corrigir muitos preconceitos e fazer um esforço para entender as razões da outra parte, sem que isso implique renunciar ao que deve ser mantido como fundamental. No plano das ações concretas, o ecumenismo encontra uma via bem mais larga e promissora, se bem que não possa faltar o diálogo em nível doutrinal, uma vez que reconhecemos a importância, não só da ortopraxis, mas também da ortodoxia.

Incomoda-me, no entanto, a agressividade, principalmente na América Latina, de modo especial no Brasil, com que certos evangélicos se investem contra a Igreja católica. O plano de atuação de que partem é muitas vezes o fundamentalismo. Tomam o texto bíblico, sem nenhuma preocupação de mediação exegética ou hermenêutica, e, com raciocínios delirantes, acusam a Santa Igreja de estar contra a Bíblia! Logo a Igreja católica, que desde o século IV reconheceu o cânon bíblico e conservou o Livro Sagrado ao longo dos séculos, sobretudo através dos copistas (em geral monges)! A Igreja católica, que tem teólogos de nomeada e tantas instituições de ensino que se dedicam à Bíblia! É verdade, que, no período que vai do Concílio de Trento ao Vaticano II, por razões prudenciais, a Igreja houve por bem limitar a leitura da Bíblia entre os fiéis não devidamente preparados por receio de más interpretações. Talvez tenha sido um excesso de zelo. Entretanto, nunca faltou ao povo o essencial da doutrina bíblica, traduzida na viva Tradição da Igreja, nos catecismos e nas pregações. Hoje, depois de décadas da renovação dos estudos bíblicos, a Igreja, como nunca, incentiva o estudo das Escrituras em todos os níveis: catequético, popular, médio, universitário...

Noto que a agressividade descabida de alguns evangélicos contra a Mãe Igreja se deve ao fato de que confundem duas coisas: 1) Aquilo que não está explicitamente na Bíblia; 2) Aquilo que é contra a Bíblia. Essas duas coisas não podem ser identificadas. É certo que a Igreja católica ensina algumas verdades fé que não se encontram explicitamente na Bíblia, até porque a Bíblia, tomada em seu aspecto material, não é o único locus donde a Igreja tira a suas certezas. A Igreja nunca se entendeu como a “religião do livro”. A fonte da fé é a Palavra de Deus, que é bem mais ampla do que a Bíblia - é o evento Jesus -  e se explicita sempre na vida eclesial através da íntima conexão entre Bíblia, Tradição e Magistério eclesial, a quem Cristo confiou, especialmente, a tarefa de interpretar e propor a Palavra. Agora, dizer que verdades que não estão explicitamente na Bíblia são contra a Bíblia é, no mínimo, um erro lógico. A verdade é que todo o ensinamento da Igreja tem um fundamento, ainda que indireto, na Sagrada Escritura.

A mentalidade estreita desses nossos irmãos não reconhece que a Bíblia não pode ser tomada sem a mediação exegética e hermenêutica. Não reconhece que na Bíblia não há resposta pra tudo, pois a Bíblia não é um receituário ou um vade-mecum, mas o registro inspirado de experiências, de testemunhos e de revelações, em que Palavra de Deus e palavra do homem se entrecruzam. Não reconhece que a Bíblia sem a Tradição e o Magistério vivo da Igreja é um livro sujeito a interpretações pessoais, às vezes muito aberrantes. Não reconhece, por fim, o que a própria Bíblia diz: “Existem ainda muitas outras coisas realizadas por Jesus, que, se fossem escritas uma a uma, penso que o mundo não bastaria para conter os livros que se deveriam escrever” (Jo 21,25).

Apesar de tudo, acredito, com a Igreja católica, no diálogo ecumênico. Mas, convenhamos, este requer um mínimo de honestidade, de estudo e de abertura ao outro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Nota Mater Populi Fidelis: equilíbrio doutrinal e abertura teológica

A recente Nota doutrinal Mater Populi Fidelis , publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, representa um exemplo luminoso do equilíbrio eclesial característico do magistério autêntico. Ela não é nem maximalista nem minimalista: não pretende exaltar Maria acima do que a Revelação permite, nem reduzir sua missão à de uma simples discípula entre os fiéis. O documento reafirma com clareza a doutrina tradicional da Igreja: Maria cooperou de modo singular e insubstituível (por conveniência da graça) na obra da redenção realizada por Cristo. 1. A reafirmação da doutrina tradicional O texto recorda que a Virgem Santíssima participou de maneira única no mistério redentor — não como causa autônoma, mas como colaboradora totalmente dependente da graça. Sua participação é real e ativa, ainda que subordinada à mediação única de Cristo. Assim, a doutrina da cooperação singular de Maria na redenção e a doutrina da sua intercessão na comunhão dos santos permanecem plenamente válidas e reconhecid...

Maria: tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe

Resumo do texto “Maria, tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe” – Pe. Elílio de Faria Matos Júnior ⸻ 1. Introdução O artigo propõe refletir sobre o mistério de Maria à luz do capítulo VIII da Lumen Gentium , mostrando-a como tipo (figura, exemplar) da Igreja, fundamentada em sua fé e caridade como resposta à graça divina. Nessa condição, Maria é colaboradora singular da salvação e mãe dos discípulos de Cristo e da humanidade. ⸻ 2. Maria, figura da Igreja No Concílio Vaticano II, havia duas tendências:  • Cristotípica: via Maria como figura de Cristo, acima da Igreja.  • Eclesiotípica: via Maria como figura da própria Igreja. Por pequena maioria, o Concílio optou por tratar Maria dentro da constituição sobre a Igreja, mostrando que ela deve ser compreendida a partir da comunidade dos redimidos. Assim, Maria pertence à Igreja como seu membro mais eminente, e não se coloca fora ou acima dela. Antes do Concílio, a mariologia frequentemente fazia paralelos ...

O título de Corredentora. Por que evitá-lo?

Dizer que o título de Corredentora aplicado a Maria não é tradicional, é ambíguo e deve ser evitado não significa diminuir nem obscurecer o singular papel da Mãe de Deus na história da salvação.  Maria foi ativa na obra da salvação, e o foi de maneira única e no tempo único da encarnação do Verbo, de sua paixão, morte e ressurreição. No entanto, a sua atividade é sempre uma resposta — uma resposta ativa — à graça e à absoluta iniciativa de Deus. O único autor da salvação é Deus mesmo. É o Pai, que envia o Filho e o Espírito. É o Filho, que, enviado do Pai, encarna-se por obra do Espírito e se doa até a morte de cruz, ressuscitando em seguida. É o Espírito do Pai e do Filho, que, enviado por ambos, age na Igreja e em cada coração aberto, humilde e sincero. Isso sempre foi claro para todo católico bem formado.  A disputa sobre a conveniência ou não do título Corredentora gira mais em torno de questões semânticas ou linguísticas do que sobre a importância e o lugar inquestionável...