Pular para o conteúdo principal

Metafísica: Que é? Qual o seu objeto?

Padre Elílio de Faria Matos Júnior

O termo metafísica (tá metá tá fisiká) designa o que está além ou o que vem depois da física, isto é, dos entes naturais, materiais ou sensíveis. O objeto da metafísica, segundo a filosofia clássica, é o ser como tal e em seu todo, o ser separado de determinações que o limitem.

Com efeito, podemos estudar o ser sob determinações diversas: o ser enquanto sensível móvel (objeto da física), o ser enquanto sensível vivente (objeto da biologia), o ser enquanto quantitativo (objeto da matemática), etc. A única ciência, entretanto, que se propõe a estudar o ser como tal e em seu todo é a metafísica. Por isso, a metafísica procura oferecer uma cosmovisão ou uma visão omniabrangente do real.

O domínio da metafísica está para além das coisas físicas ou sensíveis porque o ser como tal não é nem pode ser objeto de nossos sentidos. Pode ser reconhecido pelo intelecto, mas nunca tocado pelos sentidos. A metafísica vem depois da física porque só podemos chegar ao ser como tal após entrarmos em contado com os entes físicos, uma vez que nosso conhecimento se desperta pelo contato com as coisas do mundo material.

O estudo do ser implica: procurar esclarecer, na medida do possível, o sentido do ser; procurar descobrir a causa ou as causas do ser, se é que existem. Cremos, como quer que seja, que a melhor introdução à metafísica seja o estudo dos autores que se aprofundaram na investigação do ser, a começar de Parmênides, na Grécia antiga (séc. VI a.C.). Alguns grandes nomes - Platão, Aristóteles, Plotino, Tomás de Aquino – devem guiar-nos no caminho. Este último chega a uma concepção inovadora do ser, algo verdadeiramente revolucionário no campo da metafísica: o ser como ato de existir.

Com a filosofia moderna, o interesse da metafísica deixa de se concentrar no ser, deslocando-se para o sujeito do conhecimento. As condições de possibilidade do conhecimento do ser (identificadas na subjetividade do sujeito pensante) adquirem uma importância capital, e isso desde Descartes (séc. XVII), a ponto de o ser extramental ficar em segundo plano, às vezes concebido até como  criação do Eu ou como expressão do Espírito (Idealismo Alemão). A metafísica tende a se transformar em teoria do conhecimento. Ou o problema do conhecimento tende a absorver o problema do ser.

Na contemporaneidade, o antigo lugar ocupado pelo ser, depois pelo sujeito, passa para a linguagem. A linguagem, para muitos, parece ser a fonte originária de toda inteligibilidade das coisas. A linguagem criaria o ser; a linguagem seria a “morada do ser” (Heidegger). Os grandes autores do atual momento do pensamento filosófico (Wittgenstein, Heidegger, Gadamer, Habermas, Apel), cada qual a seu modo, dão uma importância fundamental à linguagem. Com a prevalência da linguagem no establishment filosófico atual, a velha metafísica caiu em certo descrédito, sendo que muitos falam de “morte da metafísica” e mesmo de "morte do sujeito", já que o sujeito nada mais seria que um fruto de nosso hábito linguageiro.

Sustentamos, como quer que seja, que o ser humano tem uma inegável dimensão metafísica, e questões autenticamente metafísicas sobre o ser em seu todo serão sempre colocadas pelo animal metaphysicum que é o homem. O nosso espírito é constitutivamente aberto à universalidade do ser, e, por assim dizer, ao infinito. A própria negação da universalidade ou infinitude do ser supõe que o espírito pense no ser, e, assim, mostre sua relação estrutural com ele e com sua transcendência infinita.

Comentários

  1. Senhor: A Igreja Católica tem a metafísica como uma forma de explicar a crença na vida além do corpo? Se sim, como a Igreja defende esse termo filosófico?

    ResponderExcluir
  2. A relação do ser com o infinito coloca o sujeito como agente da infinitude. tirei essa lição dessa lição aí de cima. obrigado Pe. Elílio.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Física e metafísica. Päs e Tomás de Aquino

Heinrich Päs, físico teórico alemão, propõe uma reinterpretação radical da realidade à luz da física quântica contemporânea. Seu ponto de partida é a constatação de que, quando a mecânica quântica é aplicada não apenas a sistemas particulares, mas ao universo como um todo, ela conduz a uma concepção de realidade que coincide com uma das ideias filosóficas mais antigas da humanidade: tudo é um. Essa tese, tradicionalmente chamada de monismo, é retomada por Päs não como um misticismo ou uma crença espiritual, mas como uma hipótese cientificamente sustentada pela física de ponta, sobretudo pela cosmologia quântica e pela teoria do entrelaçamento. A realidade, segundo essa concepção, não é composta por partes isoladas que interagem entre si, mas por uma totalidade indivisa. A multiplicidade que percebemos no mundo – os objetos, os corpos, os eventos, o tempo e o espaço – é uma aparência derivada. O fundamento último de tudo o que existe não está nos átomos, nas partículas ou nas forças que...

Escritura e Tradição

A Revelação divina não coincide com a Escritura nem pode coincidir. A Revelação é uma atividade (viva) da parte de Deus, que é sua fonte, e da parte da Igreja, que é seu receptáculo. Sem a ação de Deus e sem a fé da Igreja não há Revelação. Um simples texto não pode substituir essa atividade ou essa vida.  No entanto, a Escritura é a cristalização canônica dessa atividade em sua fase fundacional; é o seu testemunho autorizado. Ela é o fruto do processo da Revelação em sua fase constitutiva, que podemos chamar Tradição (já que Deus age e o povo de Deus escuta e transmite, gerando a Tradição), e é o critério de desenvolvimento da desse processo que prossegue a sua vida, já que a Tradição, que começa no tempo fundacional ou constitutivo com os Patriarcas e Profetas para o AT e com Jesus e os Apóstolos para o NT, deve continuar viva e mostrar-se como o horizonte no qual a Igreja transmite e recebe a fé. Sem a ação do Espírito, que atualiza a autocomunicação de Deus em todo o tempo e lu...

O homem, o pecado e a redenção

  1. O homem: criado à imagem de Deus 1.1. A Dignidade da Pessoa Humana O ser humano ocupa um lugar absolutamente singular na criação. Ele foi criado “à imagem de Deus” (Gn 1,27), o que indica não apenas uma semelhança exterior, mas uma profundidade de ser: o homem é capaz de conhecer e amar livremente. Nenhuma outra criatura visível possui essa dignidade. Ele é dotado de razão e liberdade, sendo chamado a participar da vida de Deus. Esse chamado constitui a raiz de sua dignidade inalienável. “Foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes um ser capaz de apreciar o vosso bem eterno” (Catecismo da Igreja Católica 356) [1] . Contudo, com o desenvolvimento das ciências da natureza (a partir do século XVII) e das ciências do homem (a partir do século XVIII), muitos estudiosos passaram a considerar impossível a formulação de uma ideia unitária do homem. O saber fragmentou-se em disciplinas como a biologia, a sociologia, a antropologia cultural, a psicologia etc., tornando dif...