Padre Elílio de Faria Matos Júnior
O cristão católico sabe que Deus existe e que se revelou na história dos Homens em Jesus Cristo. Sabe que Deus existe por si mesmo (a se), como causa incausada, que criou livremente o universo e o governa. Esta fé num Deus único, causa transcendente do mundo, é, aliás, compartilhada pelas outras duas grandes religiões monoteístas: o judaísmo e o islamismo. Mas a convicção do cristão de que Deus existe não pode se apresentar como uma convicção sem mais, como uma fé cega. O fideísmo foi repetidamente rejeitado pela Igreja . É preciso que o cristão saiba, conforme o convite da Escritura , dar razão de sua esperança a todo aquele que lha pede. É preciso apresentar os motivos de credibilidade da fé cristã. Essa, aliás, é a tarefa básica da teologia, que se define, para falar com a tradição clássica, como fides quaerens intellectum. Mormente no contexto histórico atual, marcado por um acentuado pluralismo de idéias, faz-se necessário refletir sobre as razões da fé se se quer promover um diálogo sério e responsável entre o Evangelho e a cultura.
Comecemos, pois, com a questão elementar: Deus existe? Deus seria o criador de todas as coisas, causa transcendente do mundo, ou, ao contrário, seria criatura do Homem, um produto de sua imaginação? Ou ainda: Deus seria tão somente a série dos diversos seres tomado como um todo, série essa que, por encerrar tudo o que existe, receberia predicados divinos?
Sabe-se que a inflexão moderna da concepção de razão levou o pensamento e a cultura a um antropocentrismo por vezes radical, a tal ponto que assistimos a afirmações de que Deus é que seria criatura do homem em vez de ser seu criador. As expressões da negação de Deus encontramo-la sobretudo na pena dos "mestres da suspeita": para Nietzsche, Deus é uma espécie de muleta dos fracos; para Karl Marx, uma ideia alienante provinda de relações sociais alienadas; Freud, o pai da psicanálise, vê na religião e na ideia de Deus o fruto de uma neurose coletiva. Claud Lévi-Strauss detectou magistralmente a diferença essencial entre a interpretação da filosofia clássica e da religião a respeito da existência e a interpretação baseada na inflexão moderna: "Um dos dois: ou o homem está na significação, ou a significação está no homem; no primeiro caso, a interpretação religiosa; no segundo, tudo se resolve no interior da estrutura humana". A escola estruturalista preferiu a segunda alternativa, e, como consequência da negação de Deus, acabou por negar o próprio Homem. Sem Deus, com efeito, o Homem deixa de ser um valor absoluto em si mesmo, isto é, deixa de ser pessoa para reduzir-se a um conjunto de estruturas no mesmo plano dos demais seres. Assim, a falta de sentido e de beleza instaura-se entre nós. À morte de Deus segue-se inevitavelmente a morte do próprio Homem.
Entretanto, muitos grupos religiosos contemporâneos, a título de fazer frente à crise de sentido que castiga o Homem moderno, professam uma ideia de divindade muito afim da religiosidade oriental. Daí falar-se tanto de "mística oriental", que pulula entre nós. A divindade seria a única substância real na qual tudo existe (panteísmo). O panteísmo pode assumir a forma de monismo emanatista (a divindade seria a fonte suprema donde emanam por degradação todos os seres até atingir a matéria) ou de monismo evolucionista (a divindade seria o conjunto de tudo posto em evolução). Para tal modo de ver, o Homem é, em linhas gerais, concebido como uma centelha divina que deve unir-se ao cosmo divino.
Estamos, pois, de um lado, diante do ateísmo, que nega o Espírito Absoluto, reduzindo-o a um epifenômeno da cultura. De outro, temos diante de nós o panteísmo, que nega a liberdade da criação e a distinção entre criador e criatura. São duas perspectivas distintas da concepção cristã de Deus, que, a um só tempo, professa o Espírito Absoluto e a distinção entre Deus e o universo criado livremente por ele.
Ainda mais: a fé católica sustenta que o Homem foi criado por Deus e para Deus, de modo a encontrar no criador a razão e a beleza de seu ser. Segundo tal afirmação, é de se esperar que o Homem esteja, pela própria constituição natural, direcionado, ainda que atematicamente, para Deus.
O Homem é, na verdade, responsável diante de Deus. Se a fé, pois, não quiser apresentar-se como mera ficção, o Homem, sobre cuja constituição íntima a fé emite um juízo, deverá poder refletir de modo plausível no sentido de um conhecimento natural de Deus, tal como a fé mesma o apresenta: um Deus pessoal, livre e criador do universo. Não podemos, assim, dispensar as reflexões sobre as conhecidas provas da existência de Deus. Escreve Hansjürgen Verweyen:
Se todo homem é responsável diante de Deus, a razão humana, por força da própria substancial predisposição, deve ter um acesso ao conhecimento de Deus. O objetivo específico das "provas da existência de Deus", é o de desenvolver de modo filosófico-reflexo este conhecimento natural de Deus.
Aliás, a própria doutrina da Igreja, seguindo o apóstolo Paulo e a tradição sapiencial do Antigo Testamento, afirma que podemos chegar a um certo conhecimento natural de Deus. O Concílio Vaticano I declarou que Deus pode ser reconhecido, com certeza, pela razão natural.
Excelente texto expositivo Pe. Elilio. Parabéns! Continue a nos abastecer de doutrina e ensinamentos, pertinentes à Santa e Sã Igreja Católica Apostólica Romana.
ResponderExcluirTodos os padres deveriam escrever e pensar. O senhor é um bom exemplo de sacerdote, neste mundo moderno niilista.
Obrigado, Leandro, pelo incentivo. Continuemos a lutar pela fé!
ResponderExcluirMuito bom o texto! Mais cristãos deveriam ler isso. Se os próprios cristãos desconhecem tanto os verdadeiros fundamentos de sua fé, não se pode exigir tanto dos demais. Você poderia explicar melhor o que seria "um certo conhecimento natural de Deus"? Ou o que seria o uso da razão natural? Seria a razão pura?
ResponderExcluirChristiano,
ResponderExcluirA expressão "um certo conhecimento natural de Deus" refere-se àquilo que a razão pura - sem a fé - pode conhecer de Deus. É muito pouco, já que Deus é infinitamente imenso, mas é um conhecimento certo e muito proveitoso para quem o cultiva. Em suma, a razão pura ou natural reconhece que Deus é o "Ipsum Esse Subsistens" - o próprio Ser subsistente, causa do ser de todos os entes.