A Igreja sempre defendeu que Deus revelou-se positivamente na história dos homens, ao contrário do deísmo, que vê na Divindade algo um tanto quanto impessoal. Não se revelaria pessoalmente o Criador das pessoas? O Amor-Doação não se doaria ao homem? A Igreja sustenta que a Beleza infinita quer que participemos de seu esplendor, e, para tanto, manifestou-se na história para além daquilo que chamaríamos de revelação natural.
A finalidade da Revelação de Deus na história é a elevação do homem à vida divina1, elevação essa que, ultrapassando as possibilidades meramente humanas, leva o ser humano a participar da felicidade absoluta no seio da Trindade eterna, que é o único Deus verdadeiro. Deus revela-se a si mesmo e o plano de sua vontade salvífica; ele, "levado por seu grande amor, fala aos homens como a amigos, e com eles se entretém para os convidar à comunhão consigo e nela os receber"2. A Revelação divina é histórica e progressiva, de modo que, tendo começado com os patriarcas do Antigo Testamento, atinge seu zênite em Jesus Cristo, o "exegeta do Pai"3.
A Revelação, pois, de que a Igreja é depositária, é algo que nos vem de fora. Não é produto da cultura ou mera invenção do espírito humano. Essa Revelação é histórica e se dá através de "acontecimentos e palavras intimamente conexos entre si, de modo que as obras realizadas por Deus na História da Salvação manifestam e corroboram os ensinamentos e as realidades significadas pelas palavras"4.
A Revelação, ainda, é dita sobrenatural porque tem como fim levar o homem à visão de Deus face-a-face. Ora, ver a Deus face-a-face ultrapassa as possibilidades da natureza humana. O caráter sobrenatural da Revelação não faz dela algo estranho ao homem, mas simplesmente quer realçar que autocomunicação de Deus na história não é algo que possa ser deduzido pela reflexão filosófica ou algo que seja simplesmente exigido pela natureza humana. Pela sua autocomunicação, Deus apresenta ao homem verdades que ultrapassam as capacidades da mente humana, como a Triunidade de Deus, e o convida a participar de sua vida divina. Deve-se dizer, contudo, que a Revelação vem calhar com as mais lídimas aspirações do coração humano, tendo como fim levá-lo ao Absoluto do Ser, Verdade, Bondade e Beleza. Entretanto, é uma iniciativa livre de Deus, que deve ser vista como graça, uma vez que o homem, por si só, não pode atingir o que a Revelação propõe.
A estrutura sacramental é outra característica básica da Revelação. Por estrutura sacramental, entendemos o modo pelo qual Deus, o Invisível, se dá a conhecer mediante sinais sensíveis, pertencentes ao âmbito histórico. O Vaticano II fala de acontecimentos e palavras (verba et gesta). A estrutura sacramental está em harmonia com a condição do homem, a quem se destina a Revelação. Com efeito, o homem não é puro espírito, mas é um complexo noo-psico-somático. Todo conhecimento humano começa pelos sentidos. A encarnação do Verbo segue esta estrutura sacramental disposta pelo sábio plano de Deus: pela visibilidade da humanidade de Cristo, tocamos o próprio Deus invisível.
Deve-se dizer aqui que à Revelação de Deus deve corresponder a obediência de nossa fé. A fé é o ato pelo qual o homem se entrega a Deus com absoluta confiança e aceita como verdadeiro tudo aquilo que Deus revelou. É um ato da inteligência movida pela vontade, ato esse tornado possível pela graça de Deus que a ninguém falta. De fato, a fé não é um ato cego. Envolve a inteligência, ainda que a inteligência não possa abarcar todo o Objeto da fé, que, sendo em última análise o próprio Deus, ultrapassa-a infinitamente. Não é pela evidência intrínseca das verdades de fé que a inteligência as abraça, mas pela autoridade de Deus que as revela. A inteligência, assim, é movida pela vontade que, fortalecida pela graça, adere à Revelação em virtude da autoridade de Deus, que não se engana nem pode enganar ninguém.
Aqui tocamos um problema: como certificar que Deus realmente se revelou. A Igreja, nesse tocante, sempre rejeitou o fideísmo, admitindo que a Revelação de Deus oferece credenciais que, bem ponderadas, são suficientes para garantir a responsabilidade do ato de fé, apresentando as motivações racionais que se têm quando alguém entrega-se à Revelação. Tais credenciais são, em síntese, o próprio fato de Israel e a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo5. Com efeito, a história mesma do povo bíblico constitui um desafio ao historiador: "Toda pessoa que reflete não passa indiferente diante de Israel"6. Israel é um pequeno povo, culturalmente medíocre em comparação com outros povos antigos, sempre atribulado por invasões, deportações, dominações estrangeiras, mas com duas características fenomenais: a de não desaparecer nem perder sua consciência nacional e a de ter estruturada sua identidade sobre as bases de uma extraordinária convicção religiosa. O significado e a obra de Jesus também não se explicam satisfatoriamente sem recorrer ao poder do Alto que nele operava e do qual ele mesmo tinha consciência. A própria ressurreição, que em si mesma não é controlável pela ciência histórica, sai vitoriosa pelos efeitos históricos e sociais que provocou, sendo impossível atribuí-la a uma invenção ou sonho dos primeiros discípulos. Os milagres, atestados em toda a história da salvação, são também credenciais da Revelação, milagres que têm acompanhado a Igreja ao longo de sua trajetória de 2000 anos. Entretanto, em última instância, o ato de fé na Revelação positiva de Deus na história está entregue à responsabilidade da liberdade humana, que, mesmo tendo o abono das credenciais, pode decidir contra Deus.
A Revelação de Deus, que atinge seu cume em Jesus, está encerrada na Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição, e é interpretada autenticamente pelo Magistério da Igreja, que tem a missão de conservá-la sempre íntegra e transmiti-la a todas as gerações7.
.
Padre Elílio de Faria Matos Júnior
*****
1 "Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tornar conhecido o mistério de sua vontade (cf. Ef 1,9), pelo qual os homens, por intermédio do Cristo, Verbo feito carne, e no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina (cf. Ef 2,18; 2Pd 1,4)" (Constituição Dei Verbum do Vaticano II (DV), n. 2).
2 DV, n. 2.
3 Cf. Jo 1,18.
4 DV, n. 2.
5 Desenvolveremos o argumento adiante, ainda que de modo limitado.
6 Renckens, H. A religião de Israel.
7 Cf. DV, n. 7-10.
Saudações. Como vão as aulas na convalidação? Grande abraço e feliz 2009!
ResponderExcluirOlá! As aulas vão bem. A você também um muito feliz 2009! Obrigado!
ResponderExcluir