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Bento XVI fala sobre o amor - Encíclica "Deus caritas est"

Introdução 

Na Solenidade do Natal do Senhor de 2005, o Santo Padre Bento XVI assinou sua primeira carta encíclica, endereçada a todo orbe católico. O documento veio a lume no dia 25 de janeiro, festa da conversão do apóstolo Paulo, e traz o título Deus Caritas est (Deus é Amor). O tema escolhido foi o amor cristão, como já indica o título da encíclica. Tema de capital importância para a vida cristã, já que "Deus é Amor" (1Jo 14,6). Quem quiser se aprofundar no conhecimento do verdadeiro Deus que se nos revelou no evento Jesus Cristo e no conhecimento de quem nós mesmos somos, não deve descurar da reflexão sobre o amor. 

O multiforme uso da palavra amor 

Muita preocupação causava ao Santo Padre o fato de a palavra amor já não se apresentar com a plenitude de seu mais legítimo significado entre nós. Muitas vezes se abusa da palavra, fazendo-a até mesmo dizer aquilo que, em última análise, contraria seu significado profundo. Diz Bento XVI: "O termo 'amor' tornou-se, hoje, uma das palavras mais usadas e mesmo abusadas, à qual associamos significados completamente diferentes" (n. 2, o grifo é nosso). Além do abuso, há evidentemente um problema de caráter linguístico, o do uso, pois o termo, legitimamente, serve para expressar diversas intenções ou realidades: "fala-se de amor da pátria, amor à profissão, amor entre amigos, amor ao trabalho, amor entre pais e filhos, entre irmãos e familiares, amor ao próximo e amor a Deus" (n. 2). A questão que se coloca, então, é a seguinte: diante desse vasto campo semântico em que a palavra amor é usada, o seu significado, no fim das contas, é um só, ou diverso, sem nenhuma relação de um com o outro. Em linguagem filosófica: o amor é um termo equívoco, unívoco ou análogo? A equivocidade apresenta uma mesma palavra, mas cujo sentido é vário, aplicando-se a seres totalmente diversos; ex.: manga serve tanto para expressar uma fruta quanto uma parte da camisa, coisas absolutamente dessemelhantes; manga, portanto, é um termo equívoco. Já a univocidade se dá quando um mesmo termo apresenta uma mesma essência que se realiza identicamente em muitos seres individuais, que, por isso mesmo, são essencialmente idênticos; ex.: o termo homem realiza-se perfeitamente em Pedro, João, Maria... Assim, homem é um termo unívoco. A analogia, por sua vez, ocorre quando um termo apresenta um significado, uma essência, que se realiza também em muitos seres, mas não do mesmo modo, de tal maneira que esses seres, não sendo idênticos entre si, tenham certa afinidade. Assim, por exemplo, o termo vida expressa um conceito que se realiza na planta, no homem, no anjo, em Deus. Entretanto, a essência do termo vida não se realiza do mesmo modo ou com a mesma intensidade na planta, no homem, no anjo e em Deus. O homem vive, mas diversamente da planta. Entre ambos há certamente afinidade (semelhança e dessemelhança), pois, ainda que de modo diverso, vivem. Quando, pois, o Papa coloca-se a pergunta sobre a unidade ou diferença das formas do amor - "todas essas formas de amor, no final das contas unificam-se, sendo o amor, apesar de toda a diversidade das suas manifestações, em última instância, um só, ou, ao contrário, utilizamos a mesma palavra para indicar realidades totalmente diferentes?" (n. 2) -, na verdade ele está colocando a questão da analogia ou equivocidade do conceito de amor. Unívoco certamente o amor não é, pois as diversas expressões - amor à pátria, ao homem, a Deus etc - exprimem realidades diversas ou diversas dimensões do amor. O amor seria equívoco então? A Encíclica sabiamente responde dizendo que o amor é um termo análogo: "o 'amor' é uma única realidade, embora com distintas dimensões" (n. 8, grifo nosso). Se o amor fosse equívoco, o amor divino, apresentado pelo Cristianismo com a célebre afirmação segundo a qual Deus é amor, não teria nenhuma afinidade com o amor humano; o Cristianismo, assim, negaria o mundo humano para afirmar o divino, "a essência do Cristianismo terminaria desarticulada das relações básicas e vitais da existência humana e constituiria um mundo independente, considerado admirável talvez, mas decididamente separado do conjunto da existência humana" (n. 7), o que não pode ser sustentado. Deus, ao tratar com o homem, não o anula, não aniquila nem desconsidera o ser que ele mesmo lhe deu, mas o liberta de suas imperfeições e o eleva. Vale aqui o princípio escolástico, tão defendido por Santo Tomás: a graça supõe a natureza e a aperfeiçoa e eleva

Que é mesmo o amor? 

O Santo Padre toma o amor existente entre o homem e a mulher como um primeiro paradigma para entender o que é o amor, já que esta forma de amor é a mais notável entre nós, "sobressai como arquétipo de amor por excelência" (n. 2). Tal amor impõe-se de certa maneira ao homem com uma força quase irresistível. Leva-o, como que através de arrebatamento, a desejar e unir-se ao outro num eufórico ato de inebriamento; o amor, com efeito, tira o homem das condições habituais da vida para elevá-lo ao mundo do divino. Nesse sentido, os gregos, que usaram o termo eros para expressá-lo, celebraram-no como uma força divina que parece arrancar o homem de suas limitações, fazendo-lhe uma promessa de felicidade. Eros, assim, é desejo. O homem deseja porque é incompleto em si mesmo. Anela o outro e, em última análise, anela o grande Outro, Deus. Sabemos que a celebração do eros na antiguidade degenerou-se nas expressões cúlticas da fertilidade, em que as prostitutas, privadas de sua dignidade pessoal, eram usadas como instrumentos de prazer, meios para suscitar aquela "loucura divina". Desse modo, o eros pode enveredar-se por um caminho inadequado e, ao invés de realizar a promessa de felicidade, escravizar o homem e reduzi-lo a mero objeto. Por isso, então, que o eros precisa de purificação e ascese. O homem é um ser unidual (uma substância única composta de corpo material e alma espiritual); portanto nele a sensibilidade não pode estar dissociada da razão, do espírito; nem a razão pode deixar de lado totalmente a sensibilidade sob o preço de truncar o homem na sua própria essência. Nietzsche censurou o Cristianismo de ter sufocado a sensibilidade humana e de ter tirado a beleza dionisíaca do eros; se, por um lado, houve na história da Igreja tendências que tentaram sufocar a sensibilidade humana, por outro, no fundo, tal crítica não procede, pois se o homem, dotado de sensibilidade e de razão, não educa os seus sentimentos e o seu desejo, pode tornar-se deles escravo. Na sociedade contemporânea, essa escravização tem ocorrido frequentemente pela redução do sexo ao seu aspecto meramente material ou biológico: "O eros degradado a puro 'sexo' torna-se mercadoria, torna-se, simplesmente, uma 'coisa' que se pode comprar e vender; antes, o próprio ser humano torna-se mercadoria" (n. 5). A purificação e ascese do amor são possíveis e, segundo Bento XVI, estão na linha mesma do seu desenvolvimento legítimo. O amor, ao levar o homem a sair de si mesmo, promove o encontro com o outro e, aí, então, é capaz de se tornar cuidado do outro e pelo outro. Se primeiramente prevalecia um o caráter egoísta, a partir do encontro passa a prevalecer a preocupação com o bem do amado: o amor, então, "torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes procura-o" (n. 6). Deve-se, contudo, notar ainda que a Revelação judaico-cristã apresenta uma novidade com relação à compreensão do amor. Sabe-se que os hagiógrafos do Novo Testamento foram buscar uma palavra pouco usada entre os gregos para expressar o conceito cristão de amor: agape. Tal atitude expressa por si só a consciência que tinham da novidade trazida sobretudo pelo mistério de Jesus Cristo. Agape designa primordialmente o amor divino. O Deus da fé cristã é o verdadeiro Deus, o criador de todas as coisas. Sendo a plenitude do ser, o Ipsum Esse Subsistens, como diria Santo Tomás, Deus nada pode receber, não pode desejar nada que lhe complete, já que é em si mesmo a Plenitude subsistente, Aquele que é (cf. Ex III, 14). A fé bíblica afirma decididamente que este Deus criou do nada o universo, isto é, comunicou o seu ser a entes que não existiam. Assim, "encontramo-nos diante de uma imagem estritamente metafísica de Deus: Deus é, absolutamente, a fonte originária de todo ser" (n. 10). O desejo de Deus, então, não se dá do mesmo modo do desejo humano. Enquanto o homem sai de si (deseja) porque se sente incompleto em si mesmo, sai a procura do outro, Deus sai de si (deseja) porque é a plenitude da perfeição, sai para comunicar-se ao outro, à criatura. Com efeito, já diziam os antigos: bonum diffusivum sui (o bem é difusivo de si). Deus, uma vez que é o Sumo Bem, é, por isso, sumamente difusivo de si. A noção de criação, noção essa que revolucionou até a própria filosofia, foi apresentada claramente pela fé bíblica e, com ela, uma novidade na compreensão de amor: Deus é agape, é amor-doação, é difusivo de sua plenitude. Assim, se o eros pode ser aplicado a Deus porque denota a "paixão", o "arroubo" de Deus pela criatura, faz-se necessário corrigi-lo naquilo que ele tem de essencialmente humano: o desejo da completude. Deus sendo já completo em si mesmo, seu eros (sua "paixão") é tão purificado que é totalmente agape, totalmente doação. "O eros de Deus pelo ser humano - como dissemos - é, ao mesmo tempo, totalmente agape. E não só porque é dado de maneira totalmente gratuita, sem mérito algum precedente, mas também porque é amor que perdoa" (n. 10). Mostra gratuidade não só na criação, mas também no mistério da Redenção, perdoando o pecador e elevando-o à vida divina. Jesus Cristo, Deus que se fez homem, num evento de extraordinário realismo, dá carne e sangue ao conceito do amor divino. Jesus é o Pastor que sai à procura da ovelha perdida. Na cruz ele dá o supremo testemunho de amor, satisfazendo a justiça de Deus como homem que também é Deus e entregando-se ao homem como Deus que também é homem. "Na sua morte de cruz, cumpre-se aquele virar-se de Deus contra si mesmo, com o qual ele se entrega para levantar o homem e salvá-lo" (n. 12). Foi, sem dúvida, olhando para o rosto desfigurado do crucificado que a I Carta de João pôde dizer "Deus é amor" (4,8). O supremo testemunho do amor de Deus em seu Filho Jesus Cristo tem um sacramento que o visibiliza e nos permite entrar em comunhão com o Amor ao longo dos séculos: a Eucaristia. Na Eucaristia podemos nos alimentar do mesmo amor que animou o Filho de Deus a entregar-se totalmente ao Pai e, por amor do Pai, aos homens. O amor divino torna-se nossa comida e nossa bebida. Afirma o Santo Padre que o homem sempre desejou viver segundo o Logos, segundo a Sabedoria Eterna, o que se mostrou muito patente entre os filósofos gregos. Na Eucaristia esse desejo do homem é atendido, e, ainda mais, recebe um suplemento inesperado: pelo sacramento do altar não só pode o homem viver de acordo com o Logos eterno, mas ainda pode alimentar-se dele, viver a mesma vida dele. "A 'mística' do sacramento, que se funda no abaixamento de Deus até nós, é de um alcance muito diverso e conduz muito mais alto do que qualquer mística da elevação do ser humano poderia fazer" (n. 13). Os católicos deveriam valer-se com mais propriedade dessa riqueza. Diz ainda S. S. Bento XVI que na Eucaristia entendida como convém não há, de modo algum, aquela dicotomia tão alardeada por certos "profetas" do nosso tempo entre culto e ética (rechaçam o culto em favor da ética). Antes, há estreitíssima ligação entre ambos. O culto eucarístico é a verdadeira fonte do amor do próximo, e este, por sua vez, é o desdobramento legítimo do culto. Na Eucaristia recebemos a graça sobrenatural do amor divino, sem a qual não amaríamos como Deus ama, não poderíamos cumprir o mandamento do amor. Na Eucaristia o amor nos é dado: "o 'mandamento' do amor só se torna possível porque não é mera exigência: o amor pode ser 'mandado', porque, antes, nos é dado" (n. 14). O culto, assim, é indispensável para o pleno florescimento da vida cristã e do serviço aos homens. 

Podemos amar Deus e o próximo? 

 Estas são questões que o Papa coloca: será que sem o ver, podemos amar Deus? Não se ama só o que, de algum modo, se pode ver ou conhecer? E o mandamento do amor do próximo? O amor pode ser, assim, mandado? Não é ele um sentimento espontâneo? Estas questões já têm os princípios de sua solução pela reflexão precedente. Não obstante convém tratá-las de per si. À primeira questão o Papa responde dizendo que Deus, embora nunca alguém o tenta visto como ele é em si mesmo, não ficou, contudo, totalmente invisível a nós. Habitando em luz inacessível, não ficou, todavia, completamente inacessível a nós. Ele, na verdade, nos amou por primeiro. Certamente Deus nos amou criando-nos, arrancando-nos do nada. A obra da criação já é um reflexo do mistério de Deus, e pelas criaturas podemos conhecer por analogia o Criador: "sua realidade invisível - seu eterno poder e sua divindade - tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas... (Rm I, 20). Esta é a revelação natural de Deus, a revelação pelo espelho das criaturas. Mas há uma outra. Há a revelação especial, que também é dita sobrenatural, uma vez que tem como fim nossa elevação até a vida de Deus, isto é, acima de toda ordem natural criada. Esta se deu pela Antiga e pela Nova Aliança. Jesus, o consumador da Nova Aliança, é a expressão mais perfeita do Pai. "Deus fez-se visível: em Jesus, podemos ver o Pai (cf. Jo 14,9)" (n.17). Toda a história da revelação especial de Deus é a apresentação de uma múltipla visibilidade de Deus (patriarcas, reis, profetas, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus, os apóstolos, a Igreja). Na história da Igreja subsequente aos apóstolos, Deus continua a se visibilizar pela liturgia, pelos sacramentos, especialmente pela Eucaristia, pela Palavra anunciada, pelo pobre que clama socorro, pela sucessão hierárquica dos bispos, pelos santos e santas etc. Enfim, nós podemos amar a Deus porque ele nos amou primeiro e, de algum modo, se revelou a nós. O seu imenso amor faz nascer em nós o amor, porque amor com amor se paga. O amor do próximo, diante de tudo isso, torna-se não um mandamento puramente externo, mas uma exigência interna que nasce da vida em Deus. Em Deus e com Deus, eu posso amar a todos, até aquele que não me agrada e me aborrece. O amor do próximo passa a ser em mim uma necessidade interna, pois a vida em Deus aproxima a minha vontade da dele, de modo que eu queira o que Deus quer e que, de igual modo, não queira o que Deus não quer (idem velle atque idem nolle). Tenho condições, assim, de amar o próximo porque a fonte do amor passou a habitar em mim. A caridade de Cristo me impele. "Amor a Deus e amor aos próximo são inseparáveis, constituem um único mandamento. Mas ambos vivem do amor preveniente com que Deus nos amou primeiro. Desse modo, já não se trata de um 'mandamento' que do exterior nos impõe o impossível, mas de uma experiência do amor proporcionada do interior, um amor que, por sua natureza, deve ser ulteriormente comunicado aos outros. O amor cresce através do amor. O amor é 'divino', porque vem de Deus e nos une a Deus, e, através deste processo unificador, transforma-nos em um nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só, até que, no fim, Deus seja tudo em todos" (n. 18). Conclusão Restringimos nossas considerações sobre a Carta Encíclica Deus caritas est justamente à sua parte teórica. Não é o escopo deste breve artigo comentar a parte prática, que contém também preciosidades. Deus recompense a S. S. o Papa Bento XVI por sua tão importante Carta. Que a consideração sobre o amor, que é divino porque vem de Deus e nos leva a Deus, seja constante em nossas vidas.
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Comentários

  1. Padre Elílio, boa tarde.

    Estava tentando escrever para minha esposa sobre o amor. Fazemos 11 anos de casados dia 07/12. Sabia da existência da carta papal Deus caritas est. Pesquisei sobre o amor e encontrei seu texto. Muito elegante, diga-se.

    Minha mulher acredita num amor eterno e no casamento eterno. Ela segue as palavras, "na saúde e na doença, na pobreza e na riqueza..." Eu também acredito nisto. Mas também penso que o amor e o casamento são como plantinhas, que devem ser regadas, adubadas, cuidadas, podadas.

    Nosso casamento é pleno de felicidade, temos 3 filhos maravilhosos, conforto e passamos bem por algumas turbulências que a vida profissional nos trouxe. Mas sinto que estamos no ponto certo de tomar decisões para tornar nosso relacionamento ainda melhor.

    Não somos pessoas religiosas.

    Eu não acredito nas coisas eternas, senão Deus, mas acredito que as coisas podem ir se tornando perenes, de acordo com o cuidado que temos com elas.

    Não gosto de contar integralmente com as pessoas para nada, nem com ela mesma, pois acredito que todo mundo pode falhar. Mas desfruto da companhia de todos, dela, dos filhos, da família, dos amigos. Procuro ser verdadeiro com todos, com posições e valores claros, ao mesmo tempo busco ser tolerante com as falhas de cada um, inclusive com minhas próprias. Até o momento que decido não mais conviver com aquilo. Então posso ou não tomar uma decisão de partir, ou de excluir alguém de meu convívio. Mas, não desisto fácil, sou pouco volúvel e valorizo o que tenho. Isto para dizer que não sou de enfrentar desconforto extremado desnecessáriamente.

    Respeito a crença de todos, sobre a existência do carma, sobre reencarnação, mas nada disso me seduz, pois acredito que temos o HOJE para viver plenamente. E respeito as leis da física, da ação e reação. Sobre a existência de uma outra vida, não estou bem certo. Sou um pouco cético em relação a esta questão da continuidade. Vamos dizer, será um bonus, caso exista e caso eu seja merecedor de uma boa vida eterna. Isto para dizer que a fé religiosa não me impele a nada.

    Os fundamentalistas muçulmanos, li, acreditam que ao se tornarem homens bomba ao explodir os inimigos de Alá, irão para o céu e serão recebidos por 40 virgens no paraíso. Acho que a fé religiosa é assim, meio louca ao olhos de um outro mais cético.

    E o Senhor que é padre e que já deve ter casado muitas pessoas. O Senhor acredita no amor do casal como algo eterno per si, ou seja, que quando a pessoa casa o amor deixa de ser eros e torna-se meio ágape, ou que ele pode tornar-se perene dependendo de como cuidamos da relação?

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