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Mostrando postagens de abril, 2025

É o Espírito Santo que escolhe o Papa?

Eu diria que a pergunta está mal posta, pois é uma pergunta simples, que induz a uma resposta de tipo “sim” ou “não”, ao passo que a realidade em questão é complexa, pois envolve a ação de Deus e a ação dos homens, que se dão em níveis distintos e não se limitam necessariamente, mas coexistem, cada qual no seu nível próprio.  No nível imediato ou fenomenológico, quem escolhe o Papa são os cardeais. No nível transcendental, Deus está sempre agindo, pois ele é o Bem que sempre faz apelos à consciência, para que, na humildade, deixe-se guiar pelo amor da honestidade e da retidão, isto é, no caso concreto do conclave, Deus está fazendo apelos aos cardeais para que formem a sua consciência sobre as necessidades da Igreja e escolham o candidato que julgarem mais adequado. Deus ordinariamente age por causas segundas, que são mais ou menos limitadas.  Caberá aos cardeais ter a boa disposição para se deixarem iluminar pela luz do Bem.  Pode acontecer que a consciência de algum car...

Papa Francisco

A Igreja despediu-se do Papa Francisco, figura que marcou indelevelmente a história contemporânea da fé cristã. Com sua partida, fica a marca de uma etapa em que a Igreja Católica assumiu, com vigor renovado, o desafio de dialogar com o mundo, permanecendo fiel ao Evangelho e, ao mesmo tempo, aberta às interrogações do tempo presente. Um dos traços mais característicos do pontificado de Francisco foi sua concepção dinâmica da interpretação da revelação. Longe de considerar a revelação como um depósito rígido de afirmações imutáveis, Francisco evidenciou que a palavra de Deus, imersa na história humana, exige sempre uma escuta viva, atenta às novas circunstâncias e necessidades. A revelação permanece a mesma em seu núcleo de verdade, mas sua compreensão se aprofunda continuamente, num processo que a tradição da Igreja chama de desenvolvimento orgânico da compreensão da fé. Assim, com ele, o Magistério da Igreja mostrou-se consciente de seu papel não apenas de guardião da fé recebida, ma...

Irmão Lourenço de Nossa Senhora

Irmão Lourenço de Nossa Senhora,  o eremita do Caraça   O Irmão Lourenço de Nossa Senhora é a figura central e fundadora da história do Caraça. Sua vida, envolta em misticismo, silêncio e lenda, marca profundamente a espiritualidade do lugar. Abaixo, apresento uma exposição aprofundada sobre ele, baseada na obra Caraça: Peregrinação, Cultura e Turismo, de Pe. José Tobias Zico C.M., com dados históricos e tradições transmitidas no entorno do Santuário. ⸻ I. Identidade e Origem 1. Nome e profissão religiosa • Assinava-se apenas “Irmão Lourenço de Nossa Senhora”, indicando profunda consagração mariana. • Professo da Ordem Terceira de São Francisco, viveu como eremita e penitente. 2. Origem portuguesa • No testamento de 1806, afirma ser natural de Nagozelo, na diocese de Lamego, filho de Antônio Pereira e Ana de Figueiredo. ⸻ II. As lendas e o mistério 1. A lenda dos Távoras • Diz-se que seria na verdade Carlos Mendonça Távora, membro da nobre família dos Távo...

A morte de Jesus. Visão de Raymond Brown

  A visão de Raymond E. Brown sobre a morte de Jesus é uma das mais respeitadas no campo da exegese católica contemporânea. Brown foi um dos maiores especialistas em literatura joanina e autor da monumental obra The Death of the Messiah (1994, 2 vols.), que analisa de maneira técnico-teológica os relatos da Paixão nos quatro evangelhos. Seu trabalho é uma síntese rigorosa de crítica histórica, análise literária e teologia bíblica, sustentada por fidelidade à fé católica e abertura ao método científico. Abaixo, apresento um resumo estruturado da sua interpretação da morte de Jesus: ⸻ 1. A morte de Jesus como fato histórico e evento teológico Para Brown, a morte de Jesus deve ser compreendida em duplo registro:  • Histórico: Jesus foi condenado e crucificado por decisão de Pôncio Pilatos, sob a acusação de reivindicar uma realeza messiânica que ameaçava a ordem romana.  • Teológico: desde o início, os evangelistas narram a Paixão à luz da fé pascal, como o momento culminant...

Luc Ferry, imanência e transcendência

  Segundo Luc Ferry, as religiões em geral sofrem um processo de imanentização. Ele diz que a grande conquista do pensamento laico foi a de superar todo tipo de autoridade externa. O poder não é mais do rei, mas do povo. A verdade não mais desce do céu, mas é tarefa da consciência. O indivíduo não é mais uma mera função do todo orgânico, mas é autônomo.  Nesse sentido, segundo Ferry, o discurso religioso tem procurado humanizar-se. Já que o paradigma da verdade exterior foi seriamente abalado pela modernidade, a verdade só pode ser encontrada no homem. Para não se tornar totalmente inexpressiva, a mentalidade religiosa tem procurado apoiar-se no humanismo do pensamento moderno, mas, ao fazer isso, reduz-se a mero enfeite da mentalidade laica. O que a religião acrescentaria ao humanismo imanentista? Apenas um sentimento, um elã espiritual marcado pela fé numa transcendência vaga.  Assim, as religiões ocidentais hoje falam muito mais de direitos humanos do que de direitos d...

Ruptura ou transformação? Paradigmas hermenêuticos da modernidade segundo Henrique Cláudio de Lima Vaz

  Resumo Este artigo propõe uma análise sistemática da concepção de modernidade em Henrique Cláudio de Lima Vaz, com base na obra Raízes da Modernidade. O autor situa-se entre duas interpretações hermenêuticas predominantes: a modernidade como ruptura e a modernidade como transformação da tradição medieval. A partir dessa tensão, Lima Vaz articula uma leitura genética da modernidade, que reconhece sua originalidade simbólica sem ignorar suas raízes intelectuais na crise do século XIII. Para isso, o artigo explora as interpretações de Carl Schmitt, Karl Löwith, Eric Voegelin, Marcel Gauchet e Hans Blumenberg, conforme analisadas por Lima Vaz. 1. Introdução A modernidade, em seu surgimento e estrutura simbólica, constitui um dos temas mais debatidos da filosofia contemporânea. Henrique C. de Lima Vaz, em Raízes da Modernidade, propõe uma leitura filosófica da modernidade a partir de sua gênese intelectual na Idade Média, particularmente no século XIII. Longe de reduzir a modernidade ...

Confissões de um metafísico em tempos de niilismo

Não comecei pela dúvida, mas pela admiração. Não fui lançado à existência como quem acorda em um mundo estranho, mas como quem, ainda sem saber nomear, intui que há algo — e que esse algo brilha. Comecei pela confiança de que o ser tem sentido. E o primeiro a me dar palavras para esse pressentimento foi um frade medieval, Tomás, cuja inteligência parecia ajoelhar-se diante do real. A princípio, maravilhou-me a harmonia entre fé e razão: Deus não era o adversário do pensamento, mas sua origem e fim. Na Suma Teológica, encontrei não apenas respostas, mas um método de humildade intelectual, onde pensar é um ato de justiça ao ser. A filosofia, assim, se tornava oração: buscar o sentido do ente como quem busca o rosto do Pai. ⸻ Mas à medida que crescia em mim a luz da metafísica do esse, aumentava também a consciência das sombras que a modernidade lançou sobre o ser. O mundo que me cercava — um mundo de técnica, de cálculo, de vontades cegas — parecia ter perdido a capacidade de se pergunta...

O finito apela ao Infinito

  O ponto que trago remete a uma via metafísica negativa, onde a crítica da finitude do ente nos conduz, não apenas à constatação de sua limitação, mas à impossibilidade de que o limite tenha a última palavra sobre o ser. O nada não pode ser o “além do limite”, pois o nada não é. Assim, a própria noção de limite exige um ser sem limite – um ser que seja ser puro, que exclua toda não-existência. Vamos então desenvolver o argumento na forma de um discurso ontológico contínuo, com base nessa intuição: ⸻ A finitude como apelo ao ser ilimitado Começamos pela constatação mais imediata: há seres, mas os seres que encontramos são finitos. Eles não são tudo o que poderiam ser. São marcados pela limitação, pela mutabilidade, pela dependência. São entes que possuem o ser, mas não o são em sua plenitude. Essa constatação, longe de ser trivial, contém uma exigência profunda: se tudo o que existe fosse finito, então o ser mesmo estaria limitado. Haveria uma fronteira que o ser não ultrapassa. O ...

Lima Vaz lê Teilhard de Chardin

 O artigo “Teilhard de Chardin e a Questão de Deus”, de Henrique Cláudio de Lima Vaz, publicado na Revista Portuguesa de Filosofia, é uma profunda análise filosófico-teológica da obra de Pierre Teilhard de Chardin. A seguir, um resumo detalhado: ⸻ 1. Objetivo do artigo Lima Vaz pretende demonstrar a atualidade e o valor permanente do pensamento de Teilhard de Chardin. A chave de leitura é a centralidade da questão de Deus, que constitui o eixo estruturador de toda a sua obra. Para Teilhard, trata-se de responder à pergunta fundamental: é possível crer e agir à luz de Deus num mundo pós-teísta? ⸻ 2. Contexto histórico Teilhard, jesuíta, paleontólogo e filósofo, viveu as tensões entre fé e ciência no século XX. Apesar de suas intuições filosófico-teológicas audaciosas, foi marginalizado institucionalmente: não pôde publicar suas principais obras (O Fenômeno Humano, O Meio Divino) em vida. Seu pensamento ganhou grande repercussão no pós-guerra, tornando-se fenômeno editorial mundial. ...