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Mostrando postagens de março, 2025

Fim último do homem

 Deus deve ser o fim último do homem por três razões principais, conforme a teologia moral tomista: 1. O Fim Último Deve Ser o Bem Supremo e Infinito O fim último é aquilo que pode satisfazer plenamente a vontade humana. Mas a vontade humana deseja o bem universal, ou seja, não um bem particular e limitado, mas o Bem Infinito, que abrange toda a perfeição. Nenhum bem finito pode saciar completamente o desejo humano de felicidade, pois qualquer bem criado é limitado e deixa um espaço para desejar mais. • O dinheiro, o poder, os prazeres e a sabedoria humana são insuficientes, pois são finitos e passageiros. • Somente Deus, que é o Ser Infinito e a Bondade Suprema, pode preencher esse anseio sem deixar espaço para mais desejo. Como diz Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti” ( Confissões , I,1). 2. O Fim Último Deve Ser o Bem Perfeito O fim último do homem é aquilo que lhe dá a felicidade plena e definitiva, ou seja, ...

Que é a metafísica?

 A metafísica é o suprassumo da filosofia. A filosofia tem diversos ramos, como a filosofia do conhecimento, a filosofia da linguagem, a filosofia da mente, a cosmologia filosófica, a antropologia filosófica, a ética etc. Em todos esses campos, a filosofia procura ir às raízes últimas das questões, já que a atitude filosofia é precisamente a de ir às últimas causas. Deve-se dizer que a metafísica é a filosofia par excellance , pois que procura ir às raízes últimas, não deste ou daquele campo, mas da realidade universal de todos os entes.  Que é comum a toda a realidade dos entes? É o ato de ser ( actus essendi ). É por ele que tudo tem tudo o que tem e é tudo o que é. É pelo ato de ser que as coisas existem. Esse ato está presente em toda a realidade dos entes em seu conjunto como o que há de mais profundo nela. Se não fosse o ato de ser não haveria entes existentes e, assim, não haveria nenhuma perfeição efetiva. Nem mesmo os entes de razão teriam lugar, pois que só podem se...

S. Tomás contra o naturalismo e o materialismo

Santo Tomás tem um texto em  De potentia, q. 3 a. 5   em que procura fazer ver que a matéria não pode ser o ser originário. Este só pode ser uno e único. Eis o texto: “Deve-se dizer que os antigos progrediram na consideração da natureza das coisas de acordo com a ordem da cognição humana. Assim, como o conhecimento humano, começando pelos sentidos, chega ao intelecto, os primeiros filósofos ocuparam-se primeiramente com as coisas sensíveis e, a partir delas, aos poucos, alcançaram as inteligíveis. E como as formas acidentais são sensíveis por si mesmas, enquanto as formas substanciais não o são, os primeiros filósofos afirmaram que todas as formas eram acidentes e que somente a matéria era substância . E, porque a substância é suficiente para ser a causa dos acidentes, que são causados pelos princípios da substância, segue-se que esses primeiros filósofos não postularam nenhuma outra causa além da matéria; ao contrário, afirmavam que tudo o que aparece nas coisas sensíveis pro...

Bontadini e a demonstração de Deus, o Ser que tira a contradição do devir

Gustavo Bontadini foi um dos grandes metafísicos italianos do século XX. No seu texto  Per una teoria del fundamento  (que aparece como o primeiro capítulo do livro  Metafisica e deelenizzazione , Milano: Vita e Pensiero, 1995), o filósofo propõe uma demonstração da existência de Deus a partir da necessidade de rejeitar a contradição do mundo em devir. Se o mundo em devir fosse o absoluto, o ser seria contraditório. Mas como o ser não pode ser contraditório, deve haver o imutável, para além de todo devir. O mundo em devir, por sua vez, deve ser visto como posto ou criado pelo imutável, que é o Ser originário, livre de qualquer contradição.  ______ Resumo O texto Per una teoria del fondamento elabora uma investigação sobre o conceito de fundamento dentro de uma estrutura metafísica e lógica, centrando-se no princípio de não-contradição ( p.d.n.c .) e na experiência do devir. A abordagem do autor segue um percurso dialético e visa conciliar a necessidade lógica de um...

"Não é evidente que Deus existe... é preciso prová-lo", de Serge-Thomas Bonino

O texto de Serge-Thomas Bonino ( Il n’est pas évident que Dieu existe… encore faut-il le prouver ,  leia-o aqui ) analisa a questão da evidência da existência de Deus e a necessidade de provas para demonstrá-la, adotando a perspectiva aristotélico-tomista. Ele discute a distinção entre proposições evidentes e demonstráveis, refuta argumentos que defendem a evidência imediata de Deus e explora as implicações filosóficas, antropológicas e teológicas desse debate. 1. Proposições Evidentes e Proposições Demonstráveis A epistemologia aristotélica distingue dois tipos de proposições: Proposições evidentes por si mesmas ( per se notae ) : São aquelas cuja verdade é imediatamente reconhecida assim que se compreende o significado de seus termos. Exemplo clássico: “O todo é maior que a parte”. Elas podem ser: Evidentes em si e para nós ( per se nota quoad nos ) – acessíveis a qualquer inteligência normal. Evidentes em si, mas não para nós ( per se nota per se, sed non quoad nos ) –...

Se Deus existe, por que o mal?

O artigo ( leia-o aqui ) Si Dieu existe, pourquoi le mal ?,  de Ghislain-Marie Grange, analisa o problema do mal a partir da teologia cristã, com ênfase na abordagem de santo Tomás de Aquino. O autor explora as diversas tentativas de responder à questão do mal, contrastando as explicações filosóficas e teológicas ao longo da história e destacando a visão tomista, que considera o mal uma privação de bem, permitido por Deus dentro da ordem da criação. ⸻ 1. A questão do mal na tradição cristã A presença do mal no mundo é frequentemente usada como argumento contra a existência de um Deus onipotente e benevolente. A tradição cristã tem abordado essa questão de diferentes formas, tentando reconciliar a realidade do mal com a bondade e a onipotência divinas. 1.1. A tentativa de justificar Deus Desde a Escritura, a teologia cristã busca explicar que Deus não é o autor do mal, mas que ele é uma consequência da liberdade das criaturas. No relato da queda do homem (Gn 3), o pecado de Adão e E...

Inteligência artificial e monopsiquismo

O artigo ( L'Intelligence Artificielle et le monopsychisme : Michel Serres, Averroès et Thomas d'Aquin ) de Fr. David Perrin, O.P. ( leia-o aqui ) examina as semelhanças entre a Inteligência Artificial (IA) e a concepção averroísta de um intelecto único e separado, destacando a questão central: o homem ainda pensa, ou apenas acessa um conhecimento externo, como se conectando a um princípio separado? 1. A metáfora da “cabeça decapitada” e a externalização do pensamento Michel Serres, no ensaio Petite Poucette, sugere que a revolução digital transformou a relação do homem com o saber. Ele compara essa mudança à lenda de São Denis, bispo de Paris, que, após ser decapitado, teria carregado sua própria cabeça. Para Serres, a informatização do conhecimento representa uma decapitação simbólica: o pensamento humano foi deslocado da mente para dispositivos externos (computadores, IA). Esses dispositivos armazenam e processam memória, imaginação e razão de maneira amplificada, criando um...

Meister Eckhart

Meister Eckhart (c. 1260–1328) foi um teólogo, filósofo e místico alemão da Ordem dos Pregadores (dominicanos). Sua doutrina se concentra na relação entre Deus e a alma humana, enfatizando um caminho de desapego e união direta com o divino. Suas ideias foram influentes, mas também controversas, levando-o a ser julgado por heresia no final da vida. 1. Princípios Fundamentais da Doutrina de Eckart 1.1. Deus como Ser Puro e Além do Ser Eckhart descreve Deus como uma realidade suprema, sem forma ou limitação. Ele distingue entre: • Deus como Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), a manifestação de Deus no mundo. Note-se que a fé da Igreja sustenta que Deus é um si mesmo Trindade.  • O Deus Absoluto ( Gottheit ), uma realidade suprema além da compreensão humana, sem distinções. Essa visão lembra a teologia negativa (via negativa), pois Eckhart afirma que Deus não pode ser descrito por conceitos humanos. 1.2. O Nascimento de Deus na Alma Para Eckhart, a alma humana contém uma “c...

Cinzas: na testa ou na cabeça?

Dom Jerônimo Pereira, osb       Ontem à noite recebi a ligação de um amigo com o qual partilhei que, depois de 18 anos de ordenado presbítero, por causa da minha condição de monge, presidiria o rito das cinzas, nessa quarta-feira, pela segunda vez. Imediatamente ele me lançou a pergunta: “Dom, o sinal das cinzas é colocado na fronte ou na cabeça?” De fato, uma pesquisa rápida no Google, nos mostra ambas as formas. Mas, para se evitar qualquer distorção “ideológica” ou “romântica”, pergunta-se, não ao liturgista, mas ao rito, que tem autoridade máxima em matéria, como ensina a Igreja (cf. SC 48). Um pouco, mas muito pouco, de história      O uso das cinzas para indicar penitência não é puramente cristão. Era muito usado na Antiguidade por pagãos e judeus. Na cultura bíblica ele aparece com uma multiplicidade de significados. As primeiras comunidades cristãs acolheram esse gesto como símbolo da transitoriedade da vida humana e tomaram-no indicador de um ...

Verdade e objetividade em Nietzsche

  Resumo do capítulo  Truth and Objectivity , do livro  Nietzsche’s Ontology , de Laird Addis (Ontos Verlag, 2012).  O autor argumenta que Nietzsche não rejeitava a verdade e a objetividade, como muitos intérpretes sugerem, mas sim reformulava sua compreensão de ambos. O texto desenvolve essa tese ao longo de três eixos principais: (1) a concepção de verdade em Nietzsche, (2) sua visão sobre objetividade e método, e (3) as implicações disso para sua ontologia. 1. Verdade como Correspondência O autor critica a ideia de que Nietzsche era um opositor da verdade e sustenta que, ao contrário, Nietzsche aderia a uma concepção de verdade como correspondência. A verdade, nesse sentido, consiste na adequação entre um pensamento ou enunciado e a realidade objetiva. O autor argumenta que essa é a concepção comum de verdade em qualquer linguagem natural e que até mesmo Nietzsche, em sua prática filosófica, opera dentro desse entendimento. Entretanto, Nietzsche problematiza ...

“A última palavra”, de Thomas Nagel

Eis aqui um resumo do livro de Thomas Nagel — A última palavra —, publicado no Brasil pela Editora Unesp (São Paulo, 2001).  Nagel defende a objetividade de base da razão e das operações do espírito humano, contestando com bons argumentos toda tendência que queira reduzi-los ao relativismo, ao subjetivismo e ao naturalismo. A razão só pode ser criticada pela própria razão, o que mostra que ela sempre tem a última palavra. Nagel faz ver o que os bons tomistas já sabem há muito: o espírito é constituído por uma relação estrutural com o ser, a verdade e o bem em seu alcance ilimitado, de modo que toda tentativa de negar essa estrutura, pressupõe-na.    1. Introdução  O texto introdutório de A última palavra , de Thomas Nagel, discute a questão da objetividade da razão em oposição ao relativismo e subjetivismo. Nagel argumenta que a razão, se existe, deve ser universal e não depender de perspectivas individuais ou sociais. Ele defende uma posição racionalista contra a...