Pular para o conteúdo principal

A Fonte transcendente do bem que realizamos


O Natal faz parte do nosso calendário e das nossas festas, independentemente da profissão de fé religiosa de cada um. Embora seja explorada pelo mercado e pela ideologia consumista, a data apresenta-se como ocasião para que se manifestem os melhores pensamentos e sentimentos humanos — a reconciliação, a pausa para um novo começo, a solidariedade, a fraternidade, a paz…

Foi no século IV que a Igreja passou a celebrar na sua liturgia o nascimento de Jesus aos 25 de dezembro. Não importa se Jesus nasceu mesmo nesta data; o importante é celebrar o evento.

De que evento se trata? O Cristianismo primitivo passou a olhar para o nascimento de Jesus a partir do significado de sua inteira vida, morte e, sobretudo, a experiência da ressurreição. Foi porque chegaram à convicção de que aquele homem que pregara a Boa Notícia e morrera na cruz continuava a viver em Deus que os discípulos consideraram o peso de sua origem: o nascimento de um homem tão importante, que inaugurou um modo novo de conceber a relação com Deus e com os homens, deve ser naturalmente lembrado, narrado e celebrado. Assim, Mateus e Lucas interessaram-se em mostrar como Jesus nascera em seus evangelhos.

No entanto, a sua origem humana, a partir de Maria, não explicava tudo. A sua sabedoria singular, o seu novo jeito de apresentar o rosto de Deus, a sua maneira de se aproximar dos pequenos e de amar a todos revelava que a sua origem última estava no Mistério de Luz e de Amor que funda toda a realidade: Jesus vem de Deus! Em Jesus vemos Deus mesmo se valendo de uma natureza humana para expressar a abundância da sua graça. O evangelista João, com o seu voo de águia, penetrou no mais alto mistério: Jesus é o Pensamento de Deus que se manifesta na carne humana: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).

Se no Natal apresenta-se a ocasião para os mais nobres pensamentos e sentimentos humanos, não podemos razoavelmente pensar que existe uma Fonte transcendente para o que de mais puro o ser humano pode conceber e realizar? Quando nos entregamos de coração ao bem, experimentamos algo que, embora íntimo, nos ultrapassa e nos envolve no senso de transcendência. Desse modo, ver em Jesus, em sua pureza de coração, em suas atitudes misericordiosas e em sua sede de justiça e de paz, a atuação do próprio Deus numa natureza humana não é algo absurdo.

Que o Natal desperte em nós o senso do bem; e que também nos possa ajudar a tocar, de algum modo, no Bem transcendente que funda todo bem que concebemos e realizamos! Do Bem que nos ultrapassa e do bem que realizamos nos venha a paz! Paz no coração e nas relações! 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Primeira Via de Sato Tomás

A primeira via de São Tomás de Aquino para provar a existência de Deus é a chamada prova do motor imóvel, que parte do movimento observado no mundo para concluir a existência de um Primeiro Motor imóvel, identificado como Deus. Ela é formulada assim: 1. Há movimento no mundo. 2. Tudo o que se move é movido por outro. 3. Não se pode seguir ao infinito na série de motores (causas de movimento). 4. Logo, é necessário chegar a um Primeiro Motor imóvel, que move sem ser movido. 5. Esse Primeiro Motor é o que todos chamam de Deus. Essa prova se fundamenta em princípios metafísicos clássicos, especialmente da tradição aristotélica, como: • A distinção entre ato e potência. • O princípio de que o que está em potência só passa ao ato por algo que já está em ato. • A impossibilidade de regressão ao infinito em causas atuais e simultâneas. Agora, sobre a validade perene dessa via, podemos considerar a questão sob dois ângulos: 1. Validade ontológica e metafísica: sim, perene A estrutura m...

Bíblia: inspiração, pedagogia e revelação

Inspiração bíblica: Deus fala na história e não por ditado Durante muito tempo, imaginou-se a inspiração bíblica segundo um modelo simplificado, quase mecânico: Deus “ditaria” e o ser humano apenas escreveria. Ou, de modo mais sofisticado, Deus inspiraria o autor humano a escolher cada palavra disponível na sua cultura para expressar ideias, que seriam queridas diretamente por Deus, o que chega a quase equivaler a um ditado. Essa compreensão, embora bem-intencionada, não faz justiça nem à riqueza dos textos bíblicos nem ao modo concreto como Deus age na história. Hoje, a teologia bíblica e o Magistério da Igreja ajudam-nos a entender a inspiração não como um ditado celeste, mas como um processo vivo, histórico e espiritual, no qual Deus conduz um povo inteiro e, dentro dele, suscita testemunhas e intérpretes. A Bíblia não caiu do céu pronta. Ela nasceu na vida concreta de um povo que caminhava, sofria, lutava, errava, crescia, esperava e rezava. Por isso, antes de falar de livros inspi...

Criação "ex nihilo"

Padre Elílio de Faria Matos Júnior Em Deus, e somente em Deus, essência e existência identificam-se. Deus é o puro ato de existir ( Ipsum Esse ), sem sombra alguma de potencialidade. Ele é a plenitude do ser. Nele, todas as perfeições que convém ao ser, como a unidade, a verdade, a bondade, a beleza, a inteligência, a vontade, identificam-se com sua essência, de tal modo que podemos dizer: Deus é a Unidade mesma, a Verdade mesma, a Bondade mesma, a Beleza mesma... Tudo isso leva-nos a dizer que, fora de Deus, não há existência necessária. Não podemos dizer que fora de Deus exista um ser tal que sua essência coincida com sua existência, pois, assim, estaríamos afirmando um outro absoluto, o que é logicamente impossível. Pela reflexão, pois, podemos afirmar que em tudo que não é Deus há composição real de essência (o que alguma coisa é) e existência (aquilo pelo qual alguma coisa é). A essência do universo criado não implica sua existência, já que, se assim fosse, o universo, contingen...