Pular para o conteúdo principal

Metafísica e seu "subjectum"

Elílio de Faria Matos Júnior

A metafísica tem como subjectum ou tema de estudo o ser enquanto ser. Mas o que significa a expressão ser enquanto ser? Ser significa aquilo que é. Ser enquanto ser significa exatamente aquilo que é, numa perspectiva de totalidade. Só a metafísica estuda o ser em perspectiva de totalidade, isto é, o ser sem restrição alguma.

Senão vejamos: todas as ciências, afora a metafísica, sempre estudam o ser segundo alguma restrição, nunca o ser sem restrição alguma. Um grande exemplo que se pode tomar é a física moderna: ela estuda o ser, mas se restringe ao aspecto móvel, experimentável e mensurável do ser, isto é, o ser natural. E se existir um âmbito do ser que não pertença àquilo que é móvel, experimentável e mensurável? Um âmbito do ser que não entre na categoria de ser natural? A física como tal jamais poderá responder se existe este âmbito de ser ou se tudo o que existe se restringe ao natural, que é móvel, experimentável e mensurável. O principio metodológico da física é este: explicar o natural pelo natural, sem se perguntar se para além do ser natural exista qualquer outra realidade.

Compete à metafisica colocar a questão da totalidade do ser: é somente o móvel, o experimentável e o mensurável que existe? Ou o ser na sua totalidade implica uma realidade diversa, que talvez não se mova, não seja experimentável pelos sentidos nem possa ser medida? O princípio metodológico da metafísica não a restringe a explicar o natural somente pelo natural, como é o caso da física, mas é um princípio que a libera de toda restrição. A única restrição da metafísica é a incongruência do pensamento na sua relação com aquilo que é. Onde o pensamento lógico e bem fundado na realidade pode chegar, esse é o campo da metafísica. Isso quer dizer que a metafísica trata da totalidade do que pode ser pensado e expresso. Ela tem como única fronteira o nada, que não existe. O seu campo de pesquisa não é precisamente um campo, mas é o todo do real. No âmbito do todo, não há muito sentido falar de campo, pois um campo é delimitado, mas o todo é a condição suprema de tudo o que é, que pode ser pensado e dito. É a condição incondicionada, e por isso mesmo, a condição de toda e qualquer condição ou de todo e qualquer campo de investigação.

A metafísica é a única ciência que se depara de frente com a condição suprema do real. O pensamento também é real. Por isso, só a metafísica encara frente a frente a condição incondicionada do pensamento, aquele fogo originário e primeiríssimo com o qual se acende qualquer raciocínio humano, seja que este se faça no plano do senso comum, seja no plano das ciências. Só à metafísica cabe, se é possível, justificar, diante da razão raciocinante, a realidade e a pensabilidade. Sem a metafísica somos como cegos, ainda que sejamos capazes de ver muitas coisas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Metafísica essencial

Cornelio Fabro foi quem realçou a centralidade do ser como ato intensivo na metafísica de S. Tomás  Metafísica essencial:  1. Ipsum Esse É a perfeição máxima formal e real. Ato puro. Intensidade máxima. É participável pelas criaturas através de essências limitadas e da doação de ser como ato a tais essências.  • O ipsum Esse subsistens é a plenitude formal e atual do ser. Não é apenas a perfeição máxima “formal” no sentido lógico, mas o ato mesmo da atualidade infinita.  • Fabro enfatiza que o Esse divino é incomunicável em si mesmo (ninguém nem nada pode possuir ou receber a infinitude divina), mas é participável secundum quid , na medida em que Deus doa o ser finito às essências criadas.  • Aqui está a raiz da analogia entis : há continuidade (participação) e descontinuidade (infinitude divina versus finitude criada). ⸻ 2. Essência ( esse ut participabile ) É o ser enquanto participável, receptivo, em potência. Em si não é atual, mas uma capacidade de atuali...

Metafísica hoje? Saturnino Muratore SJ

  Saturnino Muratore SJ Resumo  — “Senso e limiti di un pensare metafisico nell’attuale contesto culturale. In dialogo con Saturnino Muratore S.J.” (Entrevista de Antonio Trupiano). Publicado em: TURPIANO, Antonio (ed.). Metafisica come orizzonte : In dialogo con Saturnino Muratore SJ . Trapani: Pozzo di Giacobbe, 2014.  Formato e objetivo. A entrevista foi organizada em dez questões estratégicas para apresentar o percurso intelectual de Saturnino Muratore (SJ) e, ao mesmo tempo, discutir o papel formativo da metafísica — sobretudo no contexto das faculdades eclesiásticas.   O que é “metafísica” para Muratore. Em vez de uma doutrina estática do “fundamento”, Muratore define metafísica como a capacidade do filósofo de “dizer o todo” — um discurso de totalidade que mantém uma instância crítica constante. Falar do todo implica dialogar com as especializações (que tratam fragmentos) e preservar a crítica para não absolutizar partes.   Relações com Jaspers e Nietzsc...

Se Deus existe, por que o mal?

O artigo ( leia-o aqui ) Si Dieu existe, pourquoi le mal ?,  de Ghislain-Marie Grange, analisa o problema do mal a partir da teologia cristã, com ênfase na abordagem de santo Tomás de Aquino. O autor explora as diversas tentativas de responder à questão do mal, contrastando as explicações filosóficas e teológicas ao longo da história e destacando a visão tomista, que considera o mal uma privação de bem, permitido por Deus dentro da ordem da criação. ⸻ 1. A questão do mal na tradição cristã A presença do mal no mundo é frequentemente usada como argumento contra a existência de um Deus onipotente e benevolente. A tradição cristã tem abordado essa questão de diferentes formas, tentando reconciliar a realidade do mal com a bondade e a onipotência divinas. 1.1. A tentativa de justificar Deus Desde a Escritura, a teologia cristã busca explicar que Deus não é o autor do mal, mas que ele é uma consequência da liberdade das criaturas. No relato da queda do homem (Gn 3), o pecado de Adão e E...