Pular para o conteúdo principal

Pingos de filosofia - Quem é niilista?

Niilismo é um termo que vem do latim nihil (= nada). A ideia que traz tem a ver com o nada, o vazio, a ausência. Segundo Nietzsche, o niilismo acontece quando falta a finalidade, quando é ausente o porquê e quando os valores supremos se desvalorizam.

Nossa cultura atual tem sido vista como niilista porque já não acredita que a realidade tenha sentido dado. Quem acredita em Deus afirma necessariamente que a realidade foi pensada por Deus e que o mundo tem um sentido, um porquê e um valor. Para o niilismo, não existe nenhum sentido pré-dado. Por isso o niilista não aceita um Deus que tenha pensado o mundo. Nietzsche, o grande proclamador do niilismo, foi também o proclamador da “morte de Deus”. Para o niilista não há outro mundo - Deus, ideias eternas ou valores supremos - que dê sentido ao nosso mundo.

João Paulo II lamentava a condição da presente hora quando via em correntes da pós-modernidade os traços do niilismo: "Uma coisa, todavia, é certa: as correntes de pensamento que fazem referência à pós-modernidade merecem adequada atenção. Segundo algumas delas, de fato, o tempo das certezas teria irremediavelmente passado, o homem deveria finalmente aprender a viver num horizonte de ausência total de sentido, sob o signo do provisório e do efêmero. Muitos autores, na sua crítica demolidora de toda a certeza e ignorando as devidas distinções, contestam inclusivamente as certezas da fé" (Encíclica Fides et Ratio, n. 91).

Nietzsche pensava que o substrato do nosso mundo é caótico e sem sentido. Os valores que existem são todos inventados pelo homem, já que as coisas não trazem nenhuma racionalidade consigo. Para Nietzsche, quem acredita em valores supremos, como o cristão ou o comunista, acredita, na verdade, em nada.  Nesse sentido, é niilista. Na realidade, segundo Nietzsche, pode ser chamado niilista quem acredita que valores eternos existam como pensava Platão. O que existe é o sem sentido das forças caóticas que regem o mundo e ao qual o homem quer sempre atribuir um significado. O grande erro para Nietzsche é negar este mundo, trágico e sem sentido como é, em nome de outros mundos que estão somente na cabeça de quem os concebe. Platão é o niilista por excelência porque inventou um outro mundo, o mundo das ideias eternas, que nada é.

Vê-se, então, que niilismo assume significados contrapostos. Nietzsche usa o termo em diversos sentidos. Niilista pode ser quem nega os valores supremos e diz que o outro mundo nada é, ou, por outro lado, pode ser quem nega este mundo em nome de valores supremos que, na realidade, nada seriam segundo Nietzsche. Quem é niilista? A resposta depende do ponto de vista. 

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Do mundo do devir ao Ser absolutamente absoluto: um itinerário do pensamento

A filosofia ocidental nasce da exigência de compreender o ser. Platão, diante do mundo sensível, marcado pelo devir, pela transformação incessante e pela imperfeição, percebeu os limites da realidade material. Para ele, o mundo visível não pode explicar-se por si mesmo: sua contingência só se torna inteligível à luz de um mundo superior, estável e perfeito — o mundo das Ideias. Assim, o imperfeito remete necessariamente ao perfeito. Aristóteles, discípulo de Platão, volta-se de modo mais atencioso para o mundo sensível. Não nega sua inteligibilidade, mas a fundamenta em princípios racionais: a substância, a forma, a matéria, as causas. O cosmos é compreensível porque é ordenado. Contudo, esse movimento ordenado exige um fundamento último que não se move: o motor imóvel. Aristóteles não o descreve como criador, mas como ato puro, causa final de toda realidade em movimento. Com o cristianismo, a intuição filosófica do Princípio se eleva a um plano novo. Antes de tudo, o cristianismo não ...

A parábola do pobre Lázaro e do rico epulão: um chamado à mudança de vida

O Evangelho deste domingo nos apresenta uma cena dramática e profundamente atual: à porta de um homem rico, que todos os dias se vestia de púrpura e linho e banqueteava esplendidamente, jazia um pobre chamado Lázaro, coberto de feridas, que desejava apenas as migalhas que caíam da mesa. Quando a morte chega para ambos, os papéis se invertem: o pobre é consolado no seio de Abraão, enquanto o rico se vê em tormento. Esta parábola pode ser contemplada a partir de dois pontos fundamentais para nossa vida cristã e comunitária. ⸻ 1. Relativizar sucessos e insucessos deste mundo A primeira lição do Evangelho é clara: nada neste mundo é definitivo. Os sucessos humanos — saúde, riqueza, fama, reconhecimento — são passageiros. Da mesma forma, os insucessos — pobreza, doença, sofrimento, abandono — não têm a última palavra. O rico epulão parecia vitorioso: rodeado de bens, de abundância e conforto. O pobre Lázaro, por sua vez, parecia derrotado: relegado à miséria, sem consolo humano. Mas a morte...

Teologia da libertação como parte, não como o todo da teologia

A teologia da libertação, surgida em solo latino-americano e desenvolvida em diálogo com a realidade concreta de nossos povos, apresenta diferentes correntes e matizes. Não se trata de um bloco único, mas de uma pluralidade de vozes que buscam responder à mesma interrogação: como anunciar o Evangelho em contextos marcados por graves injustiças sociais? Em linha de princípio, uma reflexão teológica voltada para a libertação é não apenas legítima, mas necessária e oportuna. Em países como os da América Latina, onde a desigualdade social é gritante, a fé cristã não pode se manter indiferente diante do sofrimento dos pobres e da exclusão das maiorias. A teologia da libertação, nesse sentido, cumpre uma função crítica: questiona as causas estruturais da injustiça, examina os mecanismos de opressão, avalia os meios adequados para a superação dessas situações e defende o direito dos povos a uma libertação não apenas espiritual, mas também econômica, social e política. Nessa linha, o Papa S. J...