Pular para o conteúdo principal

Papado, princípio e fundamento da unidade da Igreja

Padre Elílio de Faria Matos Júnior

O Papado é a grande referência visível da Igreja de Cristo. Sua origem é divina e decorre da vontade de Jesus, tal como se expressou no testemunho da Escritura (cf. Mt 16,16-19; Lc 22, 31s.; Jo 21,15-17) e da Tradição, desde os primórdios da existência cristã. Ao longo da história da Igreja, o primado efetivo do Bispo de Roma, Sucessor do Apóstolo Pedro, foi conhecendo ocasiões para se manifestar como o "perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade quer dos Bispos quer da multidão dos fiéis" (Concílio Vaticano II, Lumen gentium, 23).

Como princípio e fundamento da unidade da Igreja, o Papado é, em última análise, o antídoto, deixado por Jesus, contra a divisão dos fiéis, divisão que, por causa do pecado, sempre está a ameaçar a Igreja, sem, contudo, jamais conseguir destruir a unidade com que Cristo dotou a sua Esposa. O protestantismo, por carecer de um ponto de referência visível, tem como destino dividir-se e subdividir-se ao infinito. O "livre exame" da Escritura, um dos pilares do protestantismo, permite que cada grupo de crentes ou cada crente em particular tire suas próprias conclusões do texto sagrado, conclusões nem sempre em harmonia com a interpretação de outros grupos ou outros crentes. Vê-se, assim, como se faz necessária uma autoridade divinamente assistida para, em caso de controvérsias na interpretação das fontes da fé, propor a legítima doutrina de Cristo. A comunhão com o Papa é, pois, em última análise, a garantia de que a mensagem de Jesus mantém ainda hoje todo o seu frescor e originalidade para nós. Jesus não deixou ao vento a sua doutrina, mas a confiou à sua Igreja, que tem a Pedro como chefe visível e referência fundamental.

Abaixo, elencamos alguns testemunhos da Tradição a respeito do primado da Igreja de Roma sobre toda a Igreja:

a) Diante da controvérsia sobre a data da Páscoa entre ocidentais e orientais, o Bispo São Policarpo foi a Roma defender a causa dos orientais junto ao Papa Aniceto em 154. Foi o Papa São Vítor (189-198) quem, finalmente, depois de sérias controvérsias, exigiu que os fiéis da Ásia Menor observassem o calendário pascal da Igreja romana, cuja tradição remontava aos Apóstolos Pedro e Paulo.

b) Santo Ireneu (+202) afirmou a proeminência da Igreja de Roma nestes termos: "Com tal Igreja, por causa de sua peculiar preeminência, deve estar de acordo toda a Igreja, porque nela foi conservado o que a partir dos Apóstolos é tradição" (Adv. Haer. III,2).

c) Significativa é a fé dos Bispos Máximo e Urbano, professada por ocasião do seu retorno à comunhão com o Papa São Cornélio em 251, depois de renunciarem ao cisma de Novaciano: "Sabemos que Cornélio é Bispo da Santíssima Igreja Católica, escolhido por Deus todo-poderoso e por Cristo Nosso Senhor. Confessamos o nosso erro... Todavia nosso coração sempre esteve na Igreja; não ignoramos que há um só Deus e Senhor todo-poderoso, também sabemos que Cristo é o Senhor...; há um só Espírito Santo; por isso deve haver um só Bispo à frente da Igreja Católica (Denzinger-Schönmetzer Enquiridion 108 [44]).

d) O Papa Santo Estêvão I (254-257) recorreu  a Mt 16,16-19 para manifestar a autoridade do Sucessor de Pedro contra o ensinamento dos teólogos do norte da África, que afirmavam a necessidade de batizar de novo aqueles que haviam recebido o Batismo dos hereges. O Papa explicou-lhes que não se deve repetir o Batismo uma vez ministrado por hereges, porque não são os homens que batizam, mas é Cristo quem batiza.

e) O recurso a Mt 16,16-19 tornou-se frequente no século IV. No início do século V, o Papa Inocêncio I interveio na controvérsia pelagiana, após o que Santo Agostinho assim se expressou num de seus sermões: "Agora que vieram as disposições da Sé Apostólica, o litígio está terminado (causa finita est)" (serm. 130,107).

f) No Concílio de Calcedônia (451), lida a carta do Papa São Leão Magno, os Padres exclamaram: "Esta é a fé dos Pais, esta é a fé dos Apóstolos; Pedro falou pela boca de Leão".

g) O Papa Gelásio I, em 493 e 495, declarou que a Sé de Pedro tinha o direito de julgar as demais sedes episcopais, ao passo que ela mesma não podia ser julgada por nenhuma. Esse princípio entrou para o Direito através de sua formulação no Sínodo de Palmar (501): Prima Sedes a nemine judicatur - "A Sé Apostólica não pode ser julgada por ninguém".

Comentários

  1. Pe Elílio, permita-me colocar, como Tradição, um trecho da carta à Igreja da Filadelfia (n 4), deste grande Padre da Igreja, Santo Inácio de Antioquia, mártir (ano 110), que nos faz vibrantes com a unidade da Igreja: " Preocupai-vos em participar de uma só eucaristia. De fato, há uma só carne de Nosso Senhor Jesus Cristo e um só cálice na unidade do seu sangue, um único altar, assim como um só bispo..."
    Abraço Jayme

    ResponderExcluir
  2. A Paz de Jesus Pe. Elílio!!
    Muito bom o texto. Alguns protestantes costumam dizer que a bíblia não afirma que o Apóstolo Pedro esteve em Roma, seria invenção da Igreja Católica afirmar que Pedro foi a Roma. Protestante só sabe protestar.. Veja isso Padre Elílio:
    Orígenes (+ 254) diz: "S. Pedro, ao ser martirizado em Roma, pediu e obteve que fosse crucificado de cabeça para baixo" (Com. in Genes., t. 3).
    Clemente de Alexandria ( + 215) diz: "Marcos escreveu o seu Evangelho a pedido dos Romanos que ouviram a pregação de Pedro" (Hist. Ecl. VI, 14).
    Tertuliano (+ c. 222), por sua vez, diz: "Nero foi o primeiro a banhar no sangue o berço da fé. Pedro então, segundo a promessa de Cristo, foi por outrem cingido quando o suspenderam na Cruz" (Scorp. c. 15).
    Santo Irineu (+ 202) escreve na sua grande obra "contra as heresias": "Mateus, achando-se entre os hebreus, escreveu o Evangelho na língua deles, enquanto Pedro e Paulo evangelizavam em Roma e aí fundavam a Igreja" (L. 3, c. 1, n. 1, v. 4).
    Dionísio (+ 171) escreve ao papa Sotero: "S. Pedro e S. Paulo foram à Itália, onde doutrinaram e sofreram o martírio no mesmo tempo" (Evas. Hist. Eccl. II 25).
    Caio: falando de S. Vitor, Papa, diz: "Desde Pedro ele foi o décimo terceiro Bispo de Roma"(ad Euseb. 128)
    S. Jerônimo: "Simão Pedro foi a Roma e aí ocupou a cátedra sacerdotal durante 25 anos" (De Viris Ill. 1, 1).
    Sulpício Severo, falando do tempo de Nero, diz: "Neste tempo, Pedro exercia em Roma a função de Bispo" (His. Sacr., n. 28)
    S. Ireneu: "Os apóstolos Pedro e Paulo fundaram a Igreja, e o primeiro remeteu o episcopado a Lino, a quem sucedeu Anacleto e depois Clemente".
    Dessa forma fica provado históricamente que São Pedro esteve em Roma e ali com São Paulo fundou a Igreja Romana (que Santo Inácio de Antioquia chamara de Católica)em Roma Pedro e Paulo foram mortos pelo Imperador Nero. Por isso Roma é o berço da Fé Cristã.

    ResponderExcluir
  3. Prezado Jayme,
    Obrigado por citar o grande Inácio de Antioquia, em cujos escritos temos seguro testemunho da hierarquia da Igreja - diáconos, presbíteros e bispos. Em torno do bispo, a diocese deve encontrar sua unidade. Abraços!

    ResponderExcluir
  4. Caro Christiano,
    Quem nega que Pedro tenha estado em Roma não quer enxergar o testemunho da tradição, dos escritores antigos e ainda da arqueologia, que sob o pontificado de Pio XII deu grandes contribuições para a confirmação do fato. Obrigado pelas citações, que muito ajudarão os leitores. Abraços!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Maria: tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe

Resumo do texto “Maria, tipo da Igreja, modelo na ordem da fé e da caridade e nossa mãe” – Pe. Elílio de Faria Matos Júnior ⸻ 1. Introdução O artigo propõe refletir sobre o mistério de Maria à luz do capítulo VIII da Lumen Gentium , mostrando-a como tipo (figura, exemplar) da Igreja, fundamentada em sua fé e caridade como resposta à graça divina. Nessa condição, Maria é colaboradora singular da salvação e mãe dos discípulos de Cristo e da humanidade. ⸻ 2. Maria, figura da Igreja No Concílio Vaticano II, havia duas tendências:  • Cristotípica: via Maria como figura de Cristo, acima da Igreja.  • Eclesiotípica: via Maria como figura da própria Igreja. Por pequena maioria, o Concílio optou por tratar Maria dentro da constituição sobre a Igreja, mostrando que ela deve ser compreendida a partir da comunidade dos redimidos. Assim, Maria pertence à Igreja como seu membro mais eminente, e não se coloca fora ou acima dela. Antes do Concílio, a mariologia frequentemente fazia paralelos ...

A Nota Mater Populi Fidelis: equilíbrio doutrinal e abertura teológica

A recente Nota doutrinal Mater Populi Fidelis , publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, representa um exemplo luminoso do equilíbrio eclesial característico do magistério autêntico. Ela não é nem maximalista nem minimalista: não pretende exaltar Maria acima do que a Revelação permite, nem reduzir sua missão à de uma simples discípula entre os fiéis. O documento reafirma com clareza a doutrina tradicional da Igreja: Maria cooperou de modo singular e insubstituível (por conveniência da graça) na obra da redenção realizada por Cristo. 1. A reafirmação da doutrina tradicional O texto recorda que a Virgem Santíssima participou de maneira única no mistério redentor — não como causa autônoma, mas como colaboradora totalmente dependente da graça. Sua participação é real e ativa, ainda que subordinada à mediação única de Cristo. Assim, a doutrina da cooperação singular de Maria na redenção e a doutrina da sua intercessão na comunhão dos santos permanecem plenamente válidas e reconhecid...

Considerações em torno da Declaração "Fiducia supplicans"

Papa Francisco e o Cardeal Víctor Manuel Fernández, Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé Este texto não visa a entrar em polêmicas, mas é uma reflexão sobre as razões de diferentes perspectivas a respeito da Declaração Fiducia supplicans (FS), do Dicastério para a Doutrina da Fé, que, publicada aos 18 de dezembro de 2023, permite uma benção espontânea a casais em situações irregulares diante do ordenamento doutrinal e canônico da Igreja, inclusive a casais homossexuais. O teor do documento indica uma possibilidade, sem codificar.  Trata-se de uma benção espontânea,  isto é, sem caráter litúrgico ou ritual oficial, evitando-se qualquer semelhança com uma benção ou celebração de casamento e qualquer perigo de escândalo para os fiéis.  Alguns católicos se manifestaram contrários à disposição do documento. A razão principal seria a de que a Igreja não poderia abençoar uniões irregulares, pois estas configuram um pecado objetivo na medida em que contrariam o plano div...