Padre Elílio de Faria Matos Júnior
Aos 14 de outubro de 2008, o Santo Padre Bento XVI fez uma importantíssima intervenção no Sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, que se realizou em Roma de 5 a 26 do referido mês. O Papa falou das duas dimensões da exegese escriturística, a saber, a histórico-crítica e a teológica. Confira aqui: http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/208710?sp=y.
Bento XVI confirmou a necessidade da exegese histórico-crítica bem como enalteceu os frutos que dela se podem colher para o aprofundamento da intelecção do Cristianismo, uma vez que a história é essencial para a fé cristã em virtude de o Verbo ter-se feito carne – “Et Verbum caro factum est” (Jo 1,14). O Cristianismo não é uma mitologia, mas está fundado na história, isto é, há verdadeiras marcas históricas que são constitutivas da fé cristã. Esta não é uma criação aérea do espírito humano.
Entretanto, o Santo Padre referiu-se também ao perigo que a exegese histórico-crítica pode portar se rejeita a priori as intervenções especiais de Deus na história, passando a considerar os elementos divinos da Sagrada Escritura como sendo meros artifícios literários ou teológicos pertencentes ao contexto histórico do autor sagrado e sem vínculo algum com o realmente ocorrido. Assim, a Bíblia torna-se tão-somente um livro do passado, que pouco ou nada teria a nos dizer hoje; um elemento da história da literatura da Antigüidade, uma mera expressão de “escritores” antigos. Elementos divinos como a instituição do Sacrifício Eucarístico por Jesus ou a Ressurreição do Senhor são tidos, nessa perspectiva, como meras narrativas ou como artifícios do autor humano para expressar uma idéia.
É, pois, absolutamente necessário, para a vida e a missão da Igreja, alcançar um segundo nível de leitura da Sagrada Escritura, isto é, é preciso reconhecer os elementos divinos na Sagrada Escritura, pois Deus intervém na história, e a Escritura é justamente a grande testemunha dessa intervenção. A história é o resultado da ação divina e da humana. E o método histórico-crítico, se pode esclarecer muitas coisas sobre as circunstâncias históricas do passado, não é apto, por si só, para captar a ação de Deus. É preciso, então, conjugar a exegese histórico-crítica com a exegese teológica, que reconhece a presença e atuação de Deus testemunhadas nas Sagradas Letras. A Constituição Dei Verbum do Vaticano II elenca três elementos metodológicos para que se realize a exegese teológica ou para que a Sagrada Escritura seja interpretada de acordo com aquele mesmo espírito com a qual foi escrita. Ei-los: 1) Interpretar o texto tendo presente a unidade de toda a Sagrada Escritura; 2) Ter em conta a Tradição viva da Igreja (a Escritura é um livro da Igreja e para a Igreja); 3) Respeitar a analogia da fé.
Para que seja a “alma” da teologia como deseja o Concílio, a Sagrada Escritura não pode ser objeto apenas do método histórico-crítico de interpretação, incapaz de ver Deus na história em razão de seus pressupostos metodológicos. Tais pressupostos são aptos para esclarecer os registros históricos, lançando luz sobre os contextos e modos de expressão dos antigos, sem alcançar, porém, Aquele que é fonte derradeira da trama e da urdidura bíblica.
O Santo Padre, por fim, auspiciou a reconciliação entre exegese bíblica e teologia. Para isso, será preciso que se pratique uma exegese não meramente histórica, mas verdadeiramente teológica. Que os exegetas católicos vejam a profunda ligação entre exegese e teologia!
Excelente postagem! Alonso Shockel já se perguntava: é difícil ler a Bíblia? Tempos atrás isso era constatado porque não haviam edições disponíveis e poucos eram os que liam. Um grupo seleto. Mesmo a tradução do s. XVI era proibida por ser protestante. Alguns conheciam retalhos (breviários), outros conheciam a Bíblia, embora não a liam. Alguns caminhos, no entanto, foram facilitando a leitura. Ele mesmo concluía: não é difícil ler, difícil é saber ler! Deixar de ser analfabeto não é saber ler. Aí entra a importância de uma metodologia séria e que considera o texto apesar de ter limites e imperfeições. É digno de nota o documento sobre a Interpretação da Bíblia na Igreja: vou publicar uma postagem sobre ele. Abraços!
ResponderExcluirPrezado Prof. Altamir,
ResponderExcluirobrigado pelo comentário!Que a Sagrada Escritura, bem lida, seja de fato a "alma" da teologia. Grande abraço!