Marco Vannini, grande estudioso italiano de mística, sustenta que o cristianismo ainda teria algo a dizer a um mundo que já perdeu a inocência do mito se deixasse suas narrativas históricas (que para Vannini seriam mitológicas e não sustentáveis racionalmente) e se concentrasse no seu conteúdo místico baseado na metafísica neoplatônica, tal como o Agostinho dos textos filosóficos delineou. Ou seja, o cristianismo dever-se-ia reduzir à essência mais consistente do seu conteúdo: a essência filosófica de corte neoplatônico.
Um outro grande teólogo italiano, Vito Mancuso, segue linha semelhante ao reconhecer filosoficamente que Deus é o Bem, realidade realíssima a sustentar todo o universo dos entes, percebida pelo profundo do espírito humano como único sustentáculo da atitude religiosa.
Mancuso, como Vannini, relativiza o conteúdo histórico do cristianismo como mito, necessário talvez para um público menos afeito à reflexão filosófica, mas que deveria ser visto sempre e apenas como ilustração, representação ou símbolo do que é verdadeiramente real: o Bem como realidade fundante. Ver o mito como realidade real poderia conduzir à superstição e ao dogmatismo.
Diante dessas leituras, faço minha observação. Os dois ilustres pensadores têm razão no que tange ao conteúdo filosófico do cristianismo, que deveria ser mais explorado. Não se entende o cristianismo sem a absorção que fez do “melhor” da filosofia grega, com seu movimento para o transcendente. Os Padres são o mais claro testemunho disso. Ratzinger diz que o que de melhor produziu a filosofia grega pertence ao cristianismo. Hoje, num mundo marcado por atitudes tão contraditórias, como, de um lado, a tendência ao fundamentalismo e, de outro, o niilismo, é necessária que a razão filosófica atue no cristianismo para que ele não se reduza a uma seita nem perca sua paixão pelo transcendente.
Ademais, entendo que pela razão e por argumentos incontrovertíveis, que reconhecem inteligentemente o transcendente, pode-se lançar a vida na confiança absoluta do Absoluto. O problema de Deus, na Igreja católica, não é só uma questão de fé, mas também de razão.
De outro lado, se a “parte histórica” do cristianismo requer, de fato, uma dose fé para ser aceita, é sobre o evento da ressurreição de Jesus que se deveria jogar toda a questão. Ressuscitou mesmo? É fato que ninguém viu o evento mesmo. Temos somente relatos, aqueles mesmos que Vannini e Mancuso relativizam em prol da razão filosófica (não racionalista, pois ambos reconhecem o Mistério transcendente). Como quer que seja, o cristianismo histórico continua tendo razoabilidade a partir do testemunho dos que disseram ter tido uma experiência viva e transformadora com o Ressuscitado.
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