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Os graus do amor

S. Bernardo de Claraval, Doutor da Igreja
São Bernardo de Claraval, Doutor da Igreja

Sobre os graus do amor (De gradibus amoris)

Texto inspirado em S. Bernardo 

1. O amor de si. O homem ama a si mesmo, quer conservar e engrandecer a própria existência. 

2. O homem vê que não se basta. Então começa a amar a Deus como fonte de benefícios. O homem ama a Deus por causa do que Deus pode proporcionar-lhe. Aqui estão todos os que usam Deus ou se servem de Deus. O centro ainda é o ego. 

3. O homem começa a ver que Deus é digno de ser amado por si mesmo. A grandeza de Deus é fascinante. Sua beleza é arrebatadora. Ele é a Fonte de todo ser. Mas  aqui a Fonte começa a ser vista em sua própria grandeza. Deus é amável por aquilo que ele é, não por aquilo que faz. No segundo grau, o homem amava a Deus com a medida humana. Não podia receber Deus como Deus. Aqui no terceiro grau, a medida se alarga, e o homem se torna capaz de receber Deus como Deus, e de se transformar nele. Quem recebe Deus à medida divina é inevitavelmente assimilado a ele. 

4. O grau mais perfeito se dá quando o homem, já tendo ficado livre do egoísmo e já tendo alargado a sua medida para receber Deus de maneira divina, ama a si mesmo (e toda a criação) por causa de Deus. Já desde o terceiro grau, o centro não é mais o eu humano, mas Deus. Aqui no quarto grau, o próprio homem é incluído no amor, que já é um amor ordenado. Deus é o centro, e tudo o mais é amado em Deus e por causa de Deus. O homem se ama com o amor com que Deus o ama. Afinal, o amor de Deus é criador, e do Centro expande-se para toda a circunferência da criação. Aqui se tem a união irrevogável entre Deus e homem porque o homem é divinizado. Aqui o homem se ganha num nível superior (ama-se com amor divino) porque soube perder-se no nível inferior (deixou o ego de lado e colocou o seu centro em Deus).

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