Pular para o conteúdo principal

Teologia e caridade

A teologia deve conduzir à vida de caridade. A caridade é o elo de união do homem com Deus e dos homens entre si. Trata-se de uma união marcada pelo dom, pelo maravilhamento, pela gratuidade ou pela vivência da bondade do ser.

O ser é, antes de tudo, o ser de Deus. Mas o ser de Deus é participado pelo ser das criaturas. Esse ser é mistério de luz e gratuidade. O mistério que caracteriza o ser não é algo indecifrável, cujo conhecimento é proibido, ou decifrável apenas por algum artifício ou esperteza reservada a alguns. Não se trata de enigma. O mistério é a grandeza do ser. É sua inefabilidade ou ‘não dizibilidade’ pelos simples conceitos e palavras humanas.

O ser é luz abundante e inesgotável que não pode ser toda contida em limitados meios de recepção ou expressão. O mistério do ser é muito mais vivido do que teorizado em raciocínios. A inteligência do ser é fundamental, pois o homem é inteligente e o próprio ser é verdadeiro, é correspondência com a inteligência. No entanto, só a inteligência divina compreende perfeitamente o ser e o diz em um único verbo. Nossa inteligência humana o balbucia, e mais se aproxima de sua compreensão quando, ajudada pelo raciocínio, vai além do raciocínio e se entrega à contemplação daquilo para o qual o raciocínio aponta como sua Fonte ou seu Desaguar. A inteligência, contemplando o ser, recebe-o, e, maravilhada pela sua grandeza, entrega-se a ele; o espírito faz-se dom ao ser a partir do dom que lhe faz o ser. Acolhimento do ser e consentimento ao ser.

Na contemplação, a inteligência se faz amor, caridade — repouso no bem, êxtase, experiência da gratuidade. O discurso teológico sempre deve tender para esta meta.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Criação "ex nihilo"

Padre Elílio de Faria Matos Júnior Em Deus, e somente em Deus, essência e existência identificam-se. Deus é o puro ato de existir ( Ipsum Esse ), sem sombra alguma de potencialidade. Ele é a plenitude do ser. Nele, todas as perfeições que convém ao ser, como a unidade, a verdade, a bondade, a beleza, a inteligência, a vontade, identificam-se com sua essência, de tal modo que podemos dizer: Deus é a Unidade mesma, a Verdade mesma, a Bondade mesma, a Beleza mesma... Tudo isso leva-nos a dizer que, fora de Deus, não há existência necessária. Não podemos dizer que fora de Deus exista um ser tal que sua essência coincida com sua existência, pois, assim, estaríamos afirmando um outro absoluto, o que é logicamente impossível. Pela reflexão, pois, podemos afirmar que em tudo que não é Deus há composição real de essência (o que alguma coisa é) e existência (aquilo pelo qual alguma coisa é). A essência do universo criado não implica sua existência, já que, se assim fosse, o universo, contingen...

A totalidade do Ser e o acesso filosófico a Deus em Lorenz B. Puntel

1. Introdução: a retomada da metafísica Lorenz B. Puntel insere-se no esforço contemporâneo de reabilitar a metafísica, mas de forma criativa, com um projeto que ele denomina de “nova metafísica”. Em vez de simplesmente repetir modelos do passado ou rejeitar a metafísica sob influência kantiana, positivista ou heideggeriana, Puntel busca um ponto de partida radical: a capacidade estrutural da mente de apreender a totalidade do ser. Esse deslocamento inicial é decisivo. A filosofia moderna muitas vezes concentrou-se na relação sujeito/objeto, nas condições da experiência ou nas linguagens que estruturam o pensamento. Puntel recorda que tudo isso já pressupõe algo mais originário: que sempre nos movemos no horizonte do ser como um todo. É essa totalidade que se torna o objeto próprio da nova metafísica. ⸻ 2. A dimensão epistemológica: o dado originário da razão A primeira tese é epistemológica: a apreensão da totalidade do ser é um fato originário da razão. Quando pensamos, não pensamos ...

A Nota Mater Populi Fidelis: equilíbrio doutrinal e abertura teológica

A recente Nota doutrinal Mater Populi Fidelis , publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, representa um exemplo luminoso do equilíbrio eclesial característico do magistério autêntico. Ela não é nem maximalista nem minimalista: não pretende exaltar Maria acima do que a Revelação permite, nem reduzir sua missão à de uma simples discípula entre os fiéis. O documento reafirma com clareza a doutrina tradicional da Igreja: Maria cooperou de modo singular e insubstituível (por conveniência da graça) na obra da redenção realizada por Cristo. 1. A reafirmação da doutrina tradicional O texto recorda que a Virgem Santíssima participou de maneira única no mistério redentor — não como causa autônoma, mas como colaboradora totalmente dependente da graça. Sua participação é real e ativa, ainda que subordinada à mediação única de Cristo. Assim, a doutrina da cooperação singular de Maria na redenção e a doutrina da sua intercessão na comunhão dos santos permanecem plenamente válidas e reconhecid...