Pular para o conteúdo principal

E o fim do mundo?

"Porque a figura deste mundo passa" (1Cor 7,31).

Que o mundo natural, tal como está hoje configurado, encontrará um fim, é uma verdade para a qual nos aponta a ciência. O nosso sistema solar teve início e terá um fim. Daqui a alguns bilhões de anos, o nosso Sol se transformará em uma gigante vermelha e simplesmente destruirá a Terra.

No entanto, quando falamos do fim escatológico ou teológico, não estamos falando do fim segundo critérios meramente naturais ou científicos. Antes, estamos falando de uma meta — a meta do universo criado segundo Deus. O fim escatológico é a meta teológica da criação. Deus cria para salvar e para levar à plenitude a sua obra. Todo o universo receberá uma nova configuração de Deus.

Muito já se especulou sobre quando se daria esse fim escatológico. Querer determinar o tempo do fim é pura perda de tempo, pois que o dia e a hora pertencem unicamente à ciência de Deus (cf. Mc 13,12; Mt 24,36; At 1,7). Muitos se fixam numa leitura fundamentalista da Bíblia e acabam cometendo grandes enganos a respeito desse assunto. 

Na verdade, o mundo está sempre se modificando, de modo que temos sempre fins, metas provisórias atingidas ou não atingidas e reinícios. Além disso, as catástrofes, guerras e maldades que marcam a história desde sempre estão a indicar que a verdadeira paz - a paz plena tanto almejada e esperada - não pertence exatamente à configuração atual do mundo. No mundo há inúmeras coisas boas acontecendo. O milagre da vida e da consciência, por exemplo, apareceu no nosso pequeno planeta, e isto é causa de grande admiração para todos! Do valor inestimável da vida e da consciência, decorre nosso dever de defendê-las e promovê-las. No entanto, as limitações e o mal presentes no mundo nos fazem esperar algo superior. Somos levados a essa esperança em virtude da luz do Bem que ilumina o profundo de nossa alma.

Corroborando nossa inclinação natural à esperança maior e dando-lhe feições mais concretas, a tradição bíblica e Jesus nos convidam a reconhecer que Deus levará a termo a sua obra e que haverá novos céus e nova terra (cf. Is 65,17; 2Pd 3,13; Ap. 21,1). Não é por acaso que a Escritura muitas vezes assume o gênero literário apocalíptico para falar da esperança maior, que advém da certeza da nossa fé. O gênero apocalíptico, presente em trechos do livro de Daniel, das epístolas paulinas, dos sinóticos e do livro do Apocalipse, usa símbolos e imagens chocantes de conturbações político-sociais e de conflagração cósmica para incutir a ideia da provisoriedade e incompletude da realidade atual do mundo injusto e para abrir o horizonte de nossa visão para a realidade de um mundo novo e superior que há de vir. Trata-se de textos cujas imagens são indicativas, não descritivas, não devendo ser interpretadas ao pé da letra. 

A configuração atual do mundo cederá à uma nova e definitiva configuração. No evento real da ressureição de Jesus, a novidade de Deus já se mostrou como início e penhor de transformação de toda a criação. Quando cada um de nós morre, acontece que se passa para uma nova dimensão da realidade. Assim, a escatologia já acontece para cada pessoa que deixa definitivamente este mundo. Mas esperamos também uma grande transformação que atingirá o universo inteiro, uma escatologia cósmica e universal, que será o arremate final feito por Deus na sua obra. Para todos nós que nos abrimos com sinceridade a Deus, o discurso escatológico é de grande esperança, pois nos promete a participação no novo mundo, em que Deus fará sua morada com os homens e enxugará definitivamente toda lágrima (cf. Ap 21). Essa esperança maior não deve fazer-nos cair na acomodação no tempo presente. Toda obra boa e justa neste mundo antecipa, de algum modo, o futuro de Deus, que é também nosso, e nos prepara para o grande encontro com a Beleza infinita. 

 

Comentários

  1. O fim natural do sistema solar só daqui a uns bilhões de ANOS.

    ResponderExcluir
  2. Pe. Elílio, boa tarde. Vou fazer uma ilação e gostaria de sua opinião: consideradas as grandezas do universo (bilhões de anos, bilhões de galáxias etc,) e a eternidade de Deus, não seria incongruente (não sei se seria essa a palavra) achar que a obra de Deus se encerra com o fim escatológico dela? Seria plausível conjecturar que essa é uma das obras e não a única e definitiva obra de Deus, no que se refere â humanidade?

    ResponderExcluir
  3. Eu fico a pensar, quando era criança e até hoje meu pai com 89 anos, sempre nos fala que o mundo com água onde Noé salvou os sua família e animais e que muitos sofreram e que agora será como fogo e que já está acontecendo, o fogo das maldades e que a terra secará. Eu procuro muitas respostas para tudo que está acontecendo. Mas não sabia do Sol e me deixou apreensiva pois o sol está mais perto da terra. O mundo é só a terra? Será que é o universo todo que será destruído e até o sol!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Convite ao eclesiocentrismo

O Cardeal Giacomo Biffi, arcebispo emérito de Bologna, faz um convite quase insuportável aos ouvidos que se consideram avançados e atualizados em matéria teológica: trata-se de um convite ao eclesiocentrismo. O quê? Isso mesmo. Um convite ao eclesiocentrismo. É o que podemos ler, estudar e meditar em seu livro sobre eclesiologia - La Sposa chiacchierata: invito all’ecclesiocentrismo -, que ganhou uma tradução portuguesa sob o título Para amar a Igreja . Belo Horizonte: Centro de Cultura e Formação Cristã da Arquidiocese de Belém do Pará / Editora O Lutador, 2009. . O motivo que leva o arcebispo e cardeal da Igreja Giacomo Biffi a fazer um convite assim tão «desatual» é o seu amor pela verdade revelada em Cristo. A teologia para Biffi não se deve ocupar com discursos divagantes sobre hipóteses humanas, não deve fazer o jogo do «politicamente correto», mas deve, isto sim, contemplar a « res », isto é, a realidade que corresponde ao desígnio do Pai, a sua verdade. E com relação à ver...

Combater o crime organizado

O combate ao crime organizado no Brasil é, ao mesmo tempo, complexo e simples. Complexo porque envolve múltiplas dimensões — políticas, econômicas, sociais, culturais — e simples porque exige o óbvio: inteligência, coordenação e vontade real de agir. Não há saída fácil, mas há caminhos claros. Um passo irrenunciável é o combate imediato, direto, às ações criminosas. É dever do Estado executar mandados de prisão, desmontar quadrilhas, apreender armas e drogas, e garantir que a lei se cumpra com firmeza e eficiência. Dentro da mesma linha de ação, criar leis mais rigorosas e eficazes, aumentar os presídios, fortalecer a polícia e punir os policiais que se deixam corromper. Mas isso, por si só, não basta. O crime organizado é um sistema, e todo sistema se sustenta por uma estrutura financeira. Desmontar o crime é também seguir o dinheiro: rastrear transações, investigar laranjas, identificar quem lucra com o crime. Certamente, há empresários e políticos que se beneficiam desse esquema, e ...

Memória de Santo Tomás de Aquino

. Homilia proferida por mim na festa de Santo Tomás de Aquino em Missa celebrada no Instituto Cultural Santo Tomás de Aquino, de Juiz de Fora, MG, do qual sou membro. Pe. Elílio de Faria Matos Júnior Prezados irmãos e irmãs na santa fé católica, Ao celebrarmos a memória de Santo Tomás de Aquino, patrono de nosso instituto, desejo reportar-me às palavras que o santo doutor, tomando-as emprestadas de Santo Hilário, escreveu logo no início de uma de suas mais importantes obras, a Summa contra gentes , e que bem representam a profunda espiritualidade do Aquinate e a vida mística que envolvia sua alma. Sim, Santo Tomás, além de filósofo e teólogo, homem das especulações profundas e áridas, era também um santo e um místico, homem da união com Deus. São estas as palavras: “Ego hoc vel praecipuum vitae meae officium debere me Deo conscius sum, ut eum omnis sermo meus et sensus loquatur” , isto é, “Estou consciente de que o principal ofício de minha vida está relacionado a Deus, a quem me ...