Pular para o conteúdo principal

Nota sobre a “Suma de teologia”

A Suma de Teologia, de Santo Tomás, é uma obra, evidentemente, de teologia. Segue o método teológico tal como era considerado no tempo de S. Tomás. Isso significa dizer que o discurso parte de Deus considerado em si mesmo, tal como se deu a conhecer pela revelação histórica dos patriarcas, de Moisés, dos profetas, de Jesus e dos apóstolos, cujo depósito foi confiado à Igreja, para que o guardasse e anunciasse. 

Assim, Tomás começa a obra falando de Deus. Se fosse uma obra de filosofia, a teria começado pela consideração do mundo e do homem. 

Quando trata de Deus, Tomás, no entanto, para fazer ver que o que propõe a fé católica não está em contradição com a razão, vale-se de argumentações filosóficas e de analogias delineadas pela razão. 

Assim, ao tratar da unicidade e unidade de Deus (Deus que é único e uno), primeiro Tomás procura fazer ver que a razão humana oferece caminhos para afirmar a existência de um Princípio transcendente  (que explica metafisicamente o movimento, a causalidade, a contingência, a graduação e a ordem dos entes mundanos) cujas notas coincidem com aquilo que todos chamam de Deus. Essas vias filosóficas para a existência de Deus cumprem dois papéis fundamentais: dar sustentação racional a quem já professa a fé e ajudar o não crente a encontrar uma preparação sólida para, em seguida, abraçar as verdades da fé que ultrapassam a razão. A existência de Deus é um pressuposto básico da fé, e sua demonstração é chamada por Tomás de preâmbulo da fé. Imaginemos que a fé seja uma grande catedral cujas maravilhas só são vistas por quem se lhe adentra e pode contemplar a sua beleza interior e o “Santo dos santos”. Para chegar ao interior, é preciso passar pelo átrio, que representa a razão e sua obra. O átrio é o preâmbulo no qual entro primeiro para depois entrar propriamente no interior do edifício. O meu estar no interior só é possível pelo átrio, pois sem um mínimo de razão não se poderia crer em nada. Se a razão prova a existência de Deus, crer na sua palavra revelada já se torna mais razoável. Se esse átrio é seguro e bem feito, haverá maior segurança tanto para quem já está no interior da catedral quanto pra quem nela deseja entrar. Um átrio em ruínas pode deixar inseguro quem entra por ele e quem ainda deseja entrar, embora o dom da fé possa suprir qualquer insegurança. No entanto, como a graça não nega a natureza, mas a exige, é consoante ao plano de Deus que a razão possa servir a fé e dar segurança a quem crê. 

Ao tratar da trindade em Deus, Tomás se vale de analogias trabalhadas pela argumentação racional. A trindade não se demonstra pela pura filosofia, mas, uma vez acolhida a fé na revelação de Deus, pode-se fazer ver que a doutrina trinitária não é absurda e que guarda pontos de contato com a razão humana, embora a ultrapasse. Tomás segue fundamentalmente a analogia psicológica, já usada por Agostinho, e a aperfeiçoa. Deus conhece-se e ama-se. Ao se conhecer, gera o Verbo, e, ao se amar no Verbo, expira o Espírito, que é o Amor em Deus. Essas duas processões, cujo princípio é o Pai, dão-se eternamente em Deus, sem sucessão temporal. Elas não cindem a unidade divina, pois o Verbo é a expressão do conhecimento dessa unidade, e o Espírito é a expressão do amor da mesma unidade.

A primeira parte da Suma trata de Deus Uno e Trino e da obra da criação, principalmente do ser humano, que emana livremente de Deus. A segunda parte trata do retorno da criação a Deus, do Fim Último do homem e do seu comportamento e virtudes que o dispõem para o Fim. A terceira parte trata de Cristo, Deus feito homem, que, enquanto homem, é o grande meio para que o homem retorne a Deus e o veja face a face. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lima Vaz lê Teilhard de Chardin

 O artigo “Teilhard de Chardin e a Questão de Deus”, de Henrique Cláudio de Lima Vaz, publicado na Revista Portuguesa de Filosofia, é uma profunda análise filosófico-teológica da obra de Pierre Teilhard de Chardin. A seguir, um resumo detalhado: ⸻ 1. Objetivo do artigo Lima Vaz pretende demonstrar a atualidade e o valor permanente do pensamento de Teilhard de Chardin. A chave de leitura é a centralidade da questão de Deus, que constitui o eixo estruturador de toda a sua obra. Para Teilhard, trata-se de responder à pergunta fundamental: é possível crer e agir à luz de Deus num mundo pós-teísta? ⸻ 2. Contexto histórico Teilhard, jesuíta, paleontólogo e filósofo, viveu as tensões entre fé e ciência no século XX. Apesar de suas intuições filosófico-teológicas audaciosas, foi marginalizado institucionalmente: não pôde publicar suas principais obras (O Fenômeno Humano, O Meio Divino) em vida. Seu pensamento ganhou grande repercussão no pós-guerra, tornando-se fenômeno editorial mundial. ...

Existir é ter recebido. Ulrich relê Tomás em chave personalista

 Seguindo pela linha de Tomás de Aquino, Ferdinand Ulrich se coloca dentro da tradição metafísica tomista, mas com uma sensibilidade profundamente renovada pela filosofia do século XX — especialmente pela fenomenologia e pelo personalismo. Vamos explorar como Ulrich lê e reinterpreta Tomás de Aquino em relação à questão do ser: ⸻ 1. O ser como actus essendi (ato de ser) Para Tomás de Aquino, a realidade mais profunda de um ente não é sua essência, mas seu esse — o ato de ser. Ulrich retoma esse princípio com força, insistindo que:  • O ser ( esse ) é mais fundamental que qualquer determinação formal ( essentia ).  • Todo ente é composto de essência e ato de ser, mas esse ato de ser não é algo que ele possua por si: é recebido.  • Daí, a criatura é “ser por participação”, em contraste com Deus, que é “ser por essência” — o ipsum esse subsistens . Para Ulrich, essa estrutura é a chave da relação: o homem, enquanto ente criado, está ontologicamente voltado para além de...

A Igreja é abrigo para os seguidores de Cristo

  O abrigo contra os extremismos? A Igreja, que sabe que a virtude é uma mediania entre extremos viciosos. O abrigo contra o relativismo? A Igreja, que ensina que há um Lógos  eterno do qual o lógos humano participa e no qual encontra fundamento. O abrigo contra o absolutismo? A Igreja, que ensina que só Deus é o Absoluto , e toda palavra nossa não tem fim em si mesma nem faz o Absoluto presente como tal, mas aponta para Ele, a única e inesgotável Verdade.  O abrigo contra o fundamentalismo? A Igreja, que ensina que a Bíblia é Palavra de Deus na palavra humana , e, como tal, sujeita a limitações históricas.  O abrigo contra a tristeza? A Igreja, que anuncia a grande alegria do Evangelho, do perdão, da reconciliação e da vida sem fim.   O abrigo contra a falta de motivação e o desespero? A Igreja, que anuncia a esperança que não decepciona.  O abrigo contra a confusão de doutrinas? A Igreja, que interpreta autenticamente a Palavra de Deus.  O abrigo con...