Lendo alguns artigos de Ratzinger, trago aqui um resumo de suas ideias sobre quem é Padre da Igreja.
Ratzinger depende de Benoit. Este discorda daqueles que aplicam critérios extrínsecos à patrística para dizer quem é Padre.
Alguns critérios extrínsecos (rejeitados):
1) Ortodoxia. No tempo de Orígenes, por exemplo, suas posições foram por muitos consideradas corretas. Não havia critérios definitivos de ortodoxia. Só bem mais tarde, teses suas foram rejeitadas.
2) Aprovação da Igreja. É algo que acontece depois, às vezes bem mais tarde.
3) Antiguidade. Por si só, não diz muita coisa, e poderia dar a ideia de classicismo ou arqueologismo.
Para Ratzinger, os Padres são tais porque foram a resposta à revelação que traçou as linhas fundamentais da Igreja-ouvinte.
A revelação é uma palavra. Mas a palavra, para ser tal e efetiva, precisa ser ouvida. Uma palavra não é nada não somente quando não é pronunciada, mas também quando não é ouvida. Se Deus pronunciou sua palavra em Jesus (e seu movimento apostólico), quem a ouviu, quem a discerniu, quem a recebeu?
Ratzinger individua quatro modos de audição da palavra na Igreja. Essa audição não é só o escutar de uma palavra que já estava reconhecida, mas é a audição que reconhece o que é a palavra. A palavra só se mostra em sua constituição no seu ser ouvida.
Quatro foram os fatores de audição ou de reconhecimento da constituição da palavra:
1) A fixação do cânon bíblico. É o processo que levou a Igreja a discernir o que vinha dos apóstolos e, através destes, do próprio Cristo. Havia muitos textos que reivindicavam autoridade, e a Igreja teve de discernir e separar. Isso começou no século II e se estendeu até o século V.
2) A regra de fé. Havia também várias regras de fé, inclusive gnósticas. A fixação da regra de fé também foi um processo de discernimento.
3) A expressão litúrgica. O estabelecimento do culto litúrgico reto também foi obra da recepção da palavra pela Igreja.
4) A assimilação do melhor da filosofia grega como parte integrante da mensagem do evangelho. Num processo de escuta e discernimento, a Igreja integrou a filosofia na sua mensagem depois de depurações e melhoramentos, e a filosofia se mostrou constitutiva do depósito.
Todos esses processos se estenderam até o século VIII, quando, no entender de Ratzinger, a Igreja encerrou o processo de ouvir e de estabelecer as linhas fundamentais de seu credo e de sua constituição. Essa recepção é, assim, fundamental para a Igreja subsequente, que, a partir de então, inicia uma nova etapa. A esse tempo da recepção pertencem os Padres da Igreja como testemunhas e agentes dos processos elencados acima. Benoît defendia a tese de que o tempo dos Padres se entendia até 1054, tempo da Igreja indivisa. Ratzinger achava que esta extensão é exagerada e preferiu entender que o tempo dos Padres se encerra com o encerramento dos processos mencionados.
Ratzinger também acredita que a esse tempo pertence a Igreja sem as grandes divisões (Cisma do Oriente e Reforma), o que dá aos Padres um caráter ecumênico, pois como auditores da revelação (sem audição não há revelação) são a base para todo o cristianismo.
Uma questão que se poderia colocar a Benoît e a Ratzinger é a seguinte: houve realmente um tempo em que a Igreja estava livre de divisões, mesmo grandes?
Comentários
Postar um comentário