Marta e Maria podem representar dois estilos de vida — o ativo e o contemplativo.
A realidade consta de duas dimensões: 1) A dimensão originária, primária, não derivada, que se basta a si mesma. 2) A dimensão emanada, secundária, derivada, que depende da primeira.
A dimensão originária é o Real propriamente dito. É o que chamamos de Deus. Essa dimensão é paz, quietude, repouso, bem-aventurança! É a eterna luz do Ser em sua verdade, o eterno regozijo do Ser em sua bondade.
A dimensão emanada é real por participação. É o universo criado. Essa dimensão é marcada pela dualidade, finitude e limitação. Tem algo do Ser, mas não é o Ser. Experimenta algo da plenitude, mas sofre também com a falta. É marcada pela alegria e tristeza, vitória e derrota, gozo e dor.
Por causa da não plenitude, a dimensão derivada tem de mover-se para ser mais. Tem de transpor obstáculos. Tem de crescer. Tem de tomar consciência e decidir livremente.
A dimensão originária cria a dimensão emanada para que esta retorne à plenitude da qual tem origem e mergulhe de modo consciente e livre na bem-aventurança divina. A bem-aventurança de que falo não é a felicidade simplesmente humana, marcada sempre por ausências e limitações, mas é a felicidade divina, fruto da contemplação e da fruição do Ser pleno. A dimensão criada retorna ao Princípio através da criatura espiritual, do homem.
Aqui entendemos o estilo de Marta e Maria. Marta representa a dimensão emanada do real que ainda não retornou plenamente à dimensão originária. Representa a dualidade, a inquietude e a necessidade de agir, de fazer. Maria, ao contrário, representa a dimensão emanada que encontra repouso na dimensão originária. Representa a contemplação, a fruição e a bem-aventurança da dimensão emanada mergulhada na dimensão originária.
O nosso retorno à dimensão originária do real, ao Real propriamente dito, é um processo. Idas e vindas, trevas e luz. Com a abertura do coração, a fé, a confiança e o amor, vamos transpondo obstáculos. Vamos criando espaço para o divino em nós. Vamos recebendo o Ser pleno e deixando que ele nos receba. « Cristo em vós e a esperança da glória » (Cl 1,27), diz São Paulo sobre o mistério de que participamos. A glória é o esplendor da bem-aventurança perfeita. Cristo em nós é a presença de Deus que nos puxa para a glória.
Enquanto estamos no processo, é inevitável agir. Se queremos comer e vestir, se queremos realizar, se queremos ajudar, se queremos caminhar, se queremos nos desenvolver, temos de agir. No entanto, se a ação fosse o fim supremo, poderíamos ser comparados ao infeliz Sísifo, que, condenado a rolar uma pedra montanha acima, nunca pode descansar nem contemplar o fruto do seu trabalho, já que a pedra, do alto da montanha, volta sempre de novo para baixo para ser novamente levada para cima pelo pobre Sísifo, num ciclo sem fim. Esforço vão e sem sentido. « Marta, Marta, tu te preocupas e andas inquieta com tantas coisas, mas uma só coisa é necessária » (Lc 10,41-42). Se a essência da vida é sempre rolar a pedra para ter de rolá-la sempre de novo, estamos diante do absurdo. Mas não. A finalidade da vida é o repouso, a contemplação e a bem-aventurança. Essa é a única coisa realmente necessária!
Para quem tem essa consciência, é possível fecundar a atividade humana com o bálsamo da contemplação. É possível ser contemplativo na ação, repousar no trabalho e fruir em meio às contradições do tempo presente. Isso é possível pela abertura de coração de quem sabe que a dimensão originária do real existe. É essa abertura que permite que o homem seja plenificado pelo Ser pleno que o criou e que o atrai para o mergulho definitivo no repouso beatificante!
« Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada! » (Lc 10,42).
Essa passagem é bem interessante e reflexiva. Belo texto, Padre!
ResponderExcluirObrigado 🙏
ExcluirObrigado pela gentil e clara explanação. Forte abraço. Wallace Louro
ResponderExcluirObrigado 🙏
ExcluirBelo texto! Fico admirada como você nós traduz para nos vivenciar o pleno. Deus te abençoe sempre!🙏🙏
ResponderExcluirObrigado 🙏
ExcluirObrigado, Padre! Costumo a dizer que este é o "meu" Evangelho, ou seja, que diz respeito ao meu jeito "Marta" de viver. Que aprendamos a descansar aos pés do Senhor! Forte abraço!
ResponderExcluirObrigado 🙏
ExcluirMuito sábio o texto com acréscimos enriquecedores. Tenho que sempre refletir sobre o mesmo e me cuidar para alcançar o nível mais elevado. Hoje, após a Missa, eu disse para meu irmão: "Vou sossegar dentro de casa pra ver se faço o que preciso fazer." De Marta a Maria. A melhor parte depende de vencermos etapas e estas etapas necessitam de ações que não são contemplativas. Não nascemos prontos. Estou longe de alcançar a dimensão originária.
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