
Os primeiros dois capítulos, por exemplo, recolhem duas tradições distintas e contam, de maneira diversa, a obra da criação de Deus. Quando lemos esses dois capítulos, temos de ter presente que os autores não podiam oferecer uma descrição fotográfica de como as coisas realmente aconteceram nos primórdios do universo e da humanidade. Ninguém viu a criação sair das mãos de Deus e, por isso, ninguém podia nem pode retratar esse evento transcendente. A Bíblia, portanto, não oferece nenhum relato que seja fruto de uma testemunha ocular dos inícios do mundo e da humanidade. Ela, no entanto, com a convicção de que tudo saiu das mãos de Deus e por sua livre vontade, procura, de algum modo, descrever o indescritível de acordo com as possibilidades culturais dos seus autores humanos. Cada cultura e cada época fazem uma imagem de Deus e de seus mistérios. Essas imagens nunca devem ser absolutizadas, pois "Deus é sempre maior" (S. Inácio de Loyola).
O primeiro relato da criação (Gn 1-2,4a) foi provavelmente escrito por sacerdotes quando estavam exilados na Babilônia. O início é assinalado pela abundância de águas, já que os exilados estavam em contato com a terra dos dos grandes rios - o Tigre e o Eufrates. Apresenta-se a obra da criação no quadro de uma semana – por seis dias Deus trabalha e, no sétimo, descansa. Trata-se de um texto bem estruturado e dotado de repetições solenes (“Deus disse”, “houve uma tarde e uma manhã”, “primeiro, segundo, terceiro... dia”, etc). Nesse relato, Deus não aparece sob forma que o assemelhe ao homem, mas é totalmente transcendente, e executa a sua obra pelo poder de sua palavra. Elohim é como Deus vem chamado. Estamos diante da tradição sacerdotal.
Já o segundo relato (Gn 2,4b-25) chama a Deus de Iahweh (Javé) e tem como centro a criação da humanidade. Deus aí aparece mais próximo do mundo humano, quase como um homem – é retratado como um oleiro que toma a argila para criar o homem e os animais, um jardineiro que planta um jardim para fazer aí habitar o homem, uma espécie de anatomista que toma a costela do homem para, com ela, fazer a mulher. Esse segundo relato é mais antigo do que o primeiro. No seu início, a terra aparece árida e sem vegetação, ao contrário do primeiro relato, que fala de águas que cobriam o abismo. Estamos diante da tradição javista.
O importante para a Bíblia é que a verdade religiosa e metafísica (que a ciência moderna não pode negar) de que o universo inteiro depende de Deus ou foi criado por Deus está sendo expressa. O meio de expressão é a linguagem mítica, mais antropomórfica na tradição javista, menos antropomórfica na tradição sacerdotal. Ora, a linguagem mítica não compromete a verdade da criação, mas aponta para ela e é o seu símbolo.
Muito elucidatuvo o texto. Traz mais para a realidade, explicando as possíveis origens do luvro da Genesis. Parabéns!!
ResponderExcluirObrigado!
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