Pular para o conteúdo principal

O terror da morte e a fé

A morte é um terror para o homem. Uma antiga epopeia mesopotâmica apresenta Gilgamesh, rei da Suméria, atormentado pela sua condição mortal. Em busca incansável pela imortalidade, foi avisado de que sob o mar existia uma planta que vencia a força da morte. Gilgamesh não mede esforços, mergulha no profundo azul e consegue apanhar a planta da vida imortal. Entretanto, em um momento de descuido, antes mesmo de ganhar a superfície das águas profundas, uma serpente lhe rouba a desejada planta e o rei fica privado, como antes, da imortalidade pela qual tantos esforços despendera.

A epopeia de Gilgamesh mostra que o homem deseja ver-se livre de sua natural condição mortal. A morte o assusta sobremaneira. Ele procura intensamente a imortalidade, mas seus esforços acabam sendo todos vãos. As religiões, a filosofia e a ciência são formas pelas quais o ser humano tenta apanhar a planta da imortalidade. Entretanto parece prevalecer, ao fim e ao cabo, a consciência da mortalidade e o terror que ela traz consigo. O homem acaba chorando seus entes queridos defuntos como se nunca mais os fosse encontrar.

O cristianismo, de sua parte, propõe uma solução através da fé numa revelação especial da divindade. A vida, os feitos e a morte na cruz de Jesus de Nazaré são, segundo a fé cristã, epifania (revelação) de Deus no mundo. A fé cristã ensina que o destino de Jesus não terminou na morte, mas teve um fim glorioso porque Deus mesmo o ressuscitou. A promessa da ressurreição e da vida imortal é feita a cada qual que se dispuser a acreditar no mistério de Jesus, aceitando-o na existência concreta de sua vida.

Desse modo, a planta da imortalidade não deve ser mais buscada pelo homem, mas lhe é oferecida pela divindade que se revela na vida, morte e ressurreição de Jesus. Do homem, requer-se apenas a fé que acolhe o mistério. Eis a grande característica do cristianismo: não é o homem que tem a iniciativa de buscar a imortalidade, mas é o Imortal que se revela ao homem e lhe oferece a sua vida eterna através da mortalidade de um homem que foi ressuscitado e vive para sempre. Aqui o único instrumento exigido para fazer parte do mistério de morte e ressurreição, mistério que promete a imortalidade através da morte, é a fé.

Se autêntica, a fé pode ser aquela força que vence a morte... Vence a morte porque assegura a ressurreição... Há pessoas que estão tão mergulhadas na fé que não choram como os demais os que partiram. A questão, pois, é a fé...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lima Vaz lê Teilhard de Chardin

 O artigo “Teilhard de Chardin e a Questão de Deus”, de Henrique Cláudio de Lima Vaz, publicado na Revista Portuguesa de Filosofia, é uma profunda análise filosófico-teológica da obra de Pierre Teilhard de Chardin. A seguir, um resumo detalhado: ⸻ 1. Objetivo do artigo Lima Vaz pretende demonstrar a atualidade e o valor permanente do pensamento de Teilhard de Chardin. A chave de leitura é a centralidade da questão de Deus, que constitui o eixo estruturador de toda a sua obra. Para Teilhard, trata-se de responder à pergunta fundamental: é possível crer e agir à luz de Deus num mundo pós-teísta? ⸻ 2. Contexto histórico Teilhard, jesuíta, paleontólogo e filósofo, viveu as tensões entre fé e ciência no século XX. Apesar de suas intuições filosófico-teológicas audaciosas, foi marginalizado institucionalmente: não pôde publicar suas principais obras (O Fenômeno Humano, O Meio Divino) em vida. Seu pensamento ganhou grande repercussão no pós-guerra, tornando-se fenômeno editorial mundial. ...

Existir é ter recebido. Ulrich relê Tomás em chave personalista

 Seguindo pela linha de Tomás de Aquino, Ferdinand Ulrich se coloca dentro da tradição metafísica tomista, mas com uma sensibilidade profundamente renovada pela filosofia do século XX — especialmente pela fenomenologia e pelo personalismo. Vamos explorar como Ulrich lê e reinterpreta Tomás de Aquino em relação à questão do ser: ⸻ 1. O ser como actus essendi (ato de ser) Para Tomás de Aquino, a realidade mais profunda de um ente não é sua essência, mas seu esse — o ato de ser. Ulrich retoma esse princípio com força, insistindo que:  • O ser ( esse ) é mais fundamental que qualquer determinação formal ( essentia ).  • Todo ente é composto de essência e ato de ser, mas esse ato de ser não é algo que ele possua por si: é recebido.  • Daí, a criatura é “ser por participação”, em contraste com Deus, que é “ser por essência” — o ipsum esse subsistens . Para Ulrich, essa estrutura é a chave da relação: o homem, enquanto ente criado, está ontologicamente voltado para além de...

A Igreja é abrigo para os seguidores de Cristo

  O abrigo contra os extremismos? A Igreja, que sabe que a virtude é uma mediania entre extremos viciosos. O abrigo contra o relativismo? A Igreja, que ensina que há um Lógos  eterno do qual o lógos humano participa e no qual encontra fundamento. O abrigo contra o absolutismo? A Igreja, que ensina que só Deus é o Absoluto , e toda palavra nossa não tem fim em si mesma nem faz o Absoluto presente como tal, mas aponta para Ele, a única e inesgotável Verdade.  O abrigo contra o fundamentalismo? A Igreja, que ensina que a Bíblia é Palavra de Deus na palavra humana , e, como tal, sujeita a limitações históricas.  O abrigo contra a tristeza? A Igreja, que anuncia a grande alegria do Evangelho, do perdão, da reconciliação e da vida sem fim.   O abrigo contra a falta de motivação e o desespero? A Igreja, que anuncia a esperança que não decepciona.  O abrigo contra a confusão de doutrinas? A Igreja, que interpreta autenticamente a Palavra de Deus.  O abrigo con...