O vir a ser foi sempre um problema para a filosofia. Já em
seu aparecimento na Grécia antiga, os filósofos se perguntavam como as coisas
se transformam naquilo que são e como deixam de ser o que são para se tornar
outra coisa. Com efeito, o mundo da nossa experiência é o mundo do movimento
incessante e insaciável. Tudo parece escorrer como um rio vívido e vigoroso.
A constante mudança, porém, causa medo no homem. Se tudo o
que é deixa de ser para adquirir outra identidade, como deve o homem
comportar-se diante das coisas? Se reina a instabilidade, como fundar a vida? Se reina a imprevisibilidade, como controlá-la?
Aterrorizado por causa do vir a ser, o homem procurou na
filosofia uma saída para o impasse que deriva da natureza mutável de todas as
coisas. Com a filosofia, o homem quis alcançar uma certa estabilidade e, assim,
vencer o medo incutido pelo movimento. O nome do remédio dado pela filosofia à
doença que aterrorizava o homem foi o saber (epistéme = saber que permanece).
Através do saber, o homem, de alguma maneira, tenta afrontar
o que lhe mete tanto medo: a mudança constante de tudo, a instabilidade, a
imprevisibilidade. O saber passou a ser uma forma de poder nas mãos do homem. Da
mãe filosofia nasceram tantas filhas, isto é, as diversas ciências que
preenchem o cenário do mundo atual, todas elas procurando dar ao homem o poder para reger a vida.
Como quer que seja, hoje o que continua nos assustando é a
instabilidade e a imprevisibilidade das coisas, e, assim como os gregos, nos valemos
do saber para remediar o caso. Entretanto, uma pergunta se levanta: pode-se
remediar tudo com o saber? Não resta sempre uma potente zona de instabilidade e
imprevisibilidade na nossa vida? O incontrolável não é maior que o controlável?
Apesar de tentar remediar tudo com o potente saber científico
e tecnológico acumulado pela modernidade, o homem não pode dominar o todo da
vida. A morte é a grande
testemunha de que o saber não consegue remediar tudo. Pela morte o homem cai no
absoluto vir a ser; ele deixa de levar e passa a ser levado. Deixa de ser no mundo, isto é, vem a não ser mais no mundo.
E ela, a morte, vem sem avisar e, quando chega, não pede o consenso do homem
para atuar. Então: a força do mistério e do não-controlável continua a atuar e
a rir das nossas tentativas de dominação. Em certo sentido, o homem esteve e está nas mãos do
imprevisível.
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