Pular para o conteúdo principal

Cardeal Newman: sem autoridade não há revelação

Newman foi um homem apaixonado pela verdade religiosa
Padre Elílio de Faria Matos Júnior

John Henry Newman, feito Cardeal por Leão XIII, tinha uma visão dinâmica da Tradição da Igreja, que é muito justa. Antes de ser recebido na Igreja católica, ele, estudando os Santos Padres, procurava ver no princípio de São Vicente de Lerins o critério objetivo para discernir a fé legada pelos apóstolos. Esse princípio diz assim: a reta fé da Igreja é aquela que é professada por toda parte, sempre e por todos (quod ubique, quod semper et quod ab omnibus). Aos poucos, porém, Newman se deu conta de que esse princípio por si só não bastaria, pois seus estudos patrísticos lhe mostravam a complexidade das disputas teológicas dos primeiros séculos, e foi então que se deu conta de que deve existir na verdadeira Igreja de Jesus uma autoridade viva (que é serviço), assistida pelo Espírito, para discernir e propor, em meio às disputas, o vínculo da reta fé.

Assim, Newman chegou à Igreja católica, onde tal autoridade existe e está presente sobretudo no ministério do Bispo de Roma. Ele reconheceu que a Igreja católica de seu tempo era a herdeira legítima da Igreja dos apóstolos e dos padres, em que uma tal autoridade jamais faltou. A Igreja de Jesus, ao longo de sua história, compreende cada vez mais as riquezas da mensagem cristã e suas implicações para as diversas épocas da história sem jamais perder a ligação fundamental com as origens. A doutrina cristã se desenvolve sem deixar de ser ela mesma, e isso sob o discernimento do magistério vivo da Igreja, a quem Cristo prometeu assistência. Em suma, Newman nos ensina que, se há uma revelação divina, deve haver também um órgão devidamente credenciado para propô-la autenticamente, e esse órgão é o magistério da Igreja. Newman no-lo ensina, não somente com palavras, mas com a própria vida, que ele colocou sob o desconforto ao deixar a Comunhão Anglicana e pedir acolhida na Igreja católica. Sair da própria tradição não é coisa fácil e é fonte de incompreensões mil, mas Newman o fez unicamente atraído pelo fulgor da verdade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Física e metafísica. Päs e Tomás de Aquino

Heinrich Päs, físico teórico alemão, propõe uma reinterpretação radical da realidade à luz da física quântica contemporânea. Seu ponto de partida é a constatação de que, quando a mecânica quântica é aplicada não apenas a sistemas particulares, mas ao universo como um todo, ela conduz a uma concepção de realidade que coincide com uma das ideias filosóficas mais antigas da humanidade: tudo é um. Essa tese, tradicionalmente chamada de monismo, é retomada por Päs não como um misticismo ou uma crença espiritual, mas como uma hipótese cientificamente sustentada pela física de ponta, sobretudo pela cosmologia quântica e pela teoria do entrelaçamento. A realidade, segundo essa concepção, não é composta por partes isoladas que interagem entre si, mas por uma totalidade indivisa. A multiplicidade que percebemos no mundo – os objetos, os corpos, os eventos, o tempo e o espaço – é uma aparência derivada. O fundamento último de tudo o que existe não está nos átomos, nas partículas ou nas forças que...

Teologia da Revelação e da relação entre Escritura e Tradição segundo Ratzinger

Referência fundamental: Revelación y Tradición, de Karl Rahner & Joseph Ratzinger (Herder, 1970). ⸻ 1. A Relação entre Escritura e Tradição A relação entre Escritura e Tradição, para Joseph Ratzinger, não é de oposição, mas de complementariedade vital. Ambas são formas de presença da Palavra de Deus na Igreja, tendo uma origem comum: a Revelação divina em Cristo. A Revelação, como dom divino, antecede e fundamenta tanto a Escritura quanto a Tradição. Ratzinger insiste que a tensão criada historicamente entre Escritura e Tradição precisa ser superada por uma compreensão mais profunda, que as coloque dentro do horizonte maior da Revelação: “A questão da suficiência da Escritura é apenas um problema secundário dentro de uma decisão muito mais fundamental […]. É necessário ampliar a questão de ‘Escritura e Tradição’ para ‘Revelação e Tradição’ e inseri-la em seu contexto próprio” (Revelación y Tradición, p. 24). Assim, a Tradição não é um suplemento da Escritura, mas o espaço vital no ...

O homem, o pecado e a redenção

  1. O homem: criado à imagem de Deus 1.1. A Dignidade da Pessoa Humana O ser humano ocupa um lugar absolutamente singular na criação. Ele foi criado “à imagem de Deus” (Gn 1,27), o que indica não apenas uma semelhança exterior, mas uma profundidade de ser: o homem é capaz de conhecer e amar livremente. Nenhuma outra criatura visível possui essa dignidade. Ele é dotado de razão e liberdade, sendo chamado a participar da vida de Deus. Esse chamado constitui a raiz de sua dignidade inalienável. “Foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes um ser capaz de apreciar o vosso bem eterno” (Catecismo da Igreja Católica 356) [1] . Contudo, com o desenvolvimento das ciências da natureza (a partir do século XVII) e das ciências do homem (a partir do século XVIII), muitos estudiosos passaram a considerar impossível a formulação de uma ideia unitária do homem. O saber fragmentou-se em disciplinas como a biologia, a sociologia, a antropologia cultural, a psicologia etc., tornando dif...