Pular para o conteúdo principal

Ratzinger e Flores d'Arcais


Padre Elílio de Faria Matos Júnior



Sobre o livro: RATZINGER, Joseph; D'ARCAIS, Paolo Flores. Deus existe? São Paulo: Planeta, 2009.

De um lado, temos Joseph Ratzinger; de outro, Paolo Flores d’Arcais. São duas posições distintas sobre a natureza e o papel do Cristianismo e também sobre a natureza e o papel da razão humana. Os dois até chegam a admitir que possa e mesmo deva existir uma colaboração, no que diz respeito aos valores humanos mais básicos, entre cristão e não-cristão, entre crente e não crente. Admitem, assim, um campo de valores comuns a todos os homens. O simples fato de sermos homens coloca-nos a todos no âmbito comum de uma ampla gama de valores humanos, como a justiça, a honestidade, a solidariedade, a sinceridade, etc.

Entretanto, esse acordo entre Ratzinger e Flores d’Arcais, embora importantíssimo para a convivência e a construção de uma sociedade digna do homem, é, a meu ver, em termos teóricos, muito frágil. A fundamentação que Ratzinger dá aos valores fundamentais da convivência humana é transcendente, isto é, está para além de uma mera decisão humana; não se reduz a uma questão apenas pragmática e de organização da vida social. Ratzinger está convicto de que a ordem das coisas mesmas apresenta uma orientação moral. O Lógos, por assim dizer, manifesta-se no mundo e no homem, e este, ao reconhecer a luz da verdade, é capaz de se deixar guiar por um sentido que não é simplesmente uma construção sua. Deus, que é a Razão universal, imprimiu na criação a sua marca, de modo que não nos encontramos à deriva no mar da vida. A criação fala de Deus e do sentido da vida, sentido que tem em Deus sua fonte e sua base derradeira.

Já Flores d’Arcais não vê nenhuma orientação moral ou sentido para a vida humana que não seja fruto do homem mesmo, de sua própria capacidade de pensar e organizar o mundo. “A norma, o dever-ser (Sollen) não existe na natureza”[1], diz. E ainda: “O homem é, pois, o senhor e o criador da norma”[2]. Flores d’Arcais é partidário da teoria da evolução, e vê no homem, à semelhança de Monod, um resultado ou ponto de chegada do dinamismo do próprio mundo, cujas novidades advêm do acaso e da necessidade: “Sucessivos erros na duplicação do DNA de um símio, repetidos por acaso várias vezes sem resultados ‘fatídicos’, finalmente deram vida à sobrevivência de um cérebro anômalo, capaz de estar no mundo e fazer-se perguntas [...]”[3]. Para o filósofo ateu, as normas são revestidas pelo homem de um valor transcendente porque este sente que não pode suportar o peso de ser o único criador de si mesmo.

Estamos, portanto, diante de duas posições fundamentalmente incompatíveis. Trata-se, na verdade, de um dilema: Ou Deus é a medida de todas as coisas, inclusive do homem; ou o homem é que é a medida de todas as coisas, inclusive de Deus. Na Antiguidade, o grande Platão enfrentou o mesmo dilema, decidindo-se pela medida transcendente, contra o relativismo universal de Protágoras. A idéia transcendente e divina é a medida, reconhecia Platão, não o homem, que não cria a verdade, mas a recebe. Platão combateu vigorosamente o relativismo, que tudo faz depender do homem e das suas mutáveis disposições. O mesmo dilema – medida transcendente ou imanente? - foi poderosamente sintetizado, no século passado, pelas palavras de Claude-Lévi Strauss: “Ou o homem está no sentido ou o sentido está no homem. No primeiro caso, a interpretação religiosa. No segundo, a interpretação materialista”.

Flores d’Arcais invoca a tradição cética e ateia, que se desdobra a partir do Iluminismo, na qual se inclui, para sustentar que as grandes questões levantadas contra o teísmo de modo geral e o cristianismo de modo particular ainda não foram suficientemente consideradas pelos teístas e cristãos nem muito menos respondidas. Os grandes nomes, frequentemente invocados, que, segundo Flores d’Arcais, representam a tradição cética são Hume, Freud, Monod. Kant também é mencionado, na medida em que defende a incapacidade metafísica da razão. Para Flores d’Arcais, a razão é impotente para além do domínio empírico. As suas pretensas construções metafísicas são quimeras, consoante Hume e Kant. O mal é um escândalo e depõe poderosamente contra a existência de um Deus bondoso e onipotente. O mundo, como mostra Monod, é o resultado do acaso e da necessidade. O sentido da vida não existe independentemente do homem. Entretanto, pondera Flores d’Arcais, a rejeição da ilusão de Deus não acarreta que estejamos obrigados a abraçar o nada ou a cair no vazio. A alternativa a Deus não é o nada, mas o ente finito, a existência limitada. Devemos reconhecer-nos em nossa situação real: seres finitos entre seres finitos. Lidar com a finitude, saber lidar com ela, sem criar fantasias que tirem o valor do finito, a única realidade: eis nosso desafio.

Flores d’Arcais, na verdade, insere-se na fileira daqueles pensadores que limitam a competência da razão ao finito. O protótipo de racionalidade, para Flores, é a racionalidade científica. A verdade científica paira sobre as ilusões e os pios desejos (whisful thinking) da metafísica (que seria uma espécie de arte para aqueles que não têm dons artísticos). Ainda que Flores não tenha uma visão dogmática sobre a verdade – define a verdade como “a mais certa das práticas humanas ou a menos incerta” -, fica claro que para ele não há verdade fora do âmbito do que podemos experimentar. O “mais certo” ou “o menos incerto” está no âmbito da experiência empírica, fora do qual só há pios desejos e antinomias insolúveis.

A grande recriminação que Flores lança à religião em geral e ao cristianismo em particular é que a religião e o Cristianismo tem privilegiado o diálogo com filosofias que não colocam a questão decisiva da verdade. A religião, assim, abstendo-se de enfrentar a questão da verdade de seus ensinamentos, torna-se apenas um consolo para a alma. As filosofias hermenêuticas, com as quais a religião tem dialogado, não colocam a questão da verdade, o que acaba por reduzir a religião a uma função apenas: dar sentido à vida. Mas e a verdade da religião? “Uma religião do sentido (e não da verdade) é uma religião que já não é de pessoas, e sim de meros ‘consumidores’ (de sentido)”[4].

A posição de Joseph Ratzinger sobre a competência da razão e a natureza do Cristianismo é bem outra. Na verdade, o teólogo alemão vê o Cristianismo como a religião, não só da fé, mas também da razão. Nesse sentido, Ratzinger não se contenta com um diálogo entre Cristianismo e filosofia que considere apenas a funcionalidade da religião. Ele, com efeito está interessado, na verdade do Cristianismo. Nesse sentido, não se enquadra na recriminação de Flores d’Arcais. Flores certamente não concorda com dizer que o Cristianismo seja também a religião da razão, mas não pode dizer que Ratzinger não enfrenta a questão realmente decisiva, a da verdade do Cristianismo.

Ratzinger sustenta que, desde seus primórdios, o Cristianismo apresentou-se com uma grande pretensão: a de ser a síntese entre fé e razão. Na Antiguidade grega, fé e razão andavam separadas. De um lado, a religião resolvia-se ou nos mitos, cujo conteúdo aos poucos foi sendo cada vez mais ridicularizado (theologia mythica sive poëtica), ou na utilidade pública, pois o Estado valia-se da fé para garantir a coesão social (theologia civilis). A verdade simplesmente não interessava à religião. De outro lado, a busca pela verdadeira natureza de Deus (theologia physica) não estava marcada por uma atitude autenticamente religiosa. Os filósofos, com efeito, buscavam a verdade sobre o divino, mas o Deus encontrado por eles era o apenas o Princípio explicativo do mundo. A tal Princípio não se podia rezar. Ratzinger vê, desse modo, na Antiguidade, uma dramática separação entre atitude religiosa e interesse pela verdade.

O Cristianismo irrompeu nesse contexto com uma pretensão bem ousada, e tal pretensão convenceu, garantindo, humanamente falando, sua vitória sobre o mundo das religiões. Qual a pretensão com a qual o Cristianismo se apresentou? A pretensão de ser a religio vera, a de unir fé, adoração, devoção, de um lado; e, de outro, razão e verdade. Interessante notar que, na Antiguidade, o Cristianismo colocou-se ao lado da filosofia, não das religiões. A filosofia exerceu um papel crítico em relação às religiões, no sentido de purificá-las das ilusões sobre a divindade (lembremo-nos de Xenófanes, Sócrates, Platão). Esse “Iluminismo”, encetado pela filosofia no mundo grego, irrompeu a seu modo também em Israel. Enquanto na Grécia os filósofos criticavam a mentira dos mitos, em Israel os profetas criticavam o vazio dos falsos deuses. O Cristianismo, herdeiro da fé de Israel, insere-se assim no caminho da crítica ao mundo das religiões e já bem cedo tem consciência de que a filosofia, não as religiões, é, de algum modo, a sua aliada.

Devoção e razão, duas necessidades humanas, não estão mais separadas. O Cristianismo operou, assim, uma “suprassunção” entre as duas grandezas atingindo uma síntese nova e mais conforme ao espírito e às exigências humanas. Ratzinger enfatiza também que a ética do amor – caritas - foi outro importantíssimo elemento que o Cristianismo incorporou à sua síntese. O Deus cristão é um Deus vivo. É o Deus verdadeiro, mas também é o Deus de amor efetivo. “Simplificando, poderíamos dizer que o Cristianismo convenceu pela união da fé com a razão e pela orientação da atuação para a caritas, para a ajuda com amor aos que sofrem, aos pobres e aos fracos, acima de todo limite ou condição”[5].

Entretanto, agora cabe uma pergunta decisiva, pergunta lançada por Ratzinger mesmo: Por que essa poderosa síntese entre fé, razão e vida, operada pelo Cristianismo, síntese que no passado convenceu, hoje não convence mais? O que mudou? O Cristianismo? O homem? A razão?

Ratzinger não titubeia ao reconhecer que o que mudou foi a concepção de razão. O homem, encantado pelos resultados das ciências empiriológicas, fez da razão científica o modelo de racionalidade tout court. E as grandes questões que ultrapassam a possibilidade da resolução empírica foram relegadas a questões sem sentido, insolúveis ou inatingíveis. Assim, a verdade, no âmbito metafísico e religioso deixou de ser buscada. A convicção atual, que já se tinha feito presente num dos maiores representantes do neoplatonismo, Porfírio, é a de que omne verum latet – a verdade está oculta. Nesse sentido, todas as religiões seriam equivalentes, cada qual sendo uma expressão da busca do divino que não se deixa apreender totalmente por ninguém.

Ratzinger reconhece, portanto, que o Cristianismo está em crise. E a crise do Cristianismo está ligada à crise da verdade, pela qual passa o nosso tempo. Ratzinger, neste ponto, aproxima-se das posições de Flores d’Arcais, uma vez que ambos constatam que o Cristianismo de nosso tempo não quer enfrentar o problema da verdade. Quer, muitas vezes, ser a religião das emoções e do sentimento. Mas uma religião das emoções passa ou muda de figura, tanto quanto as próprias emoções. Uma religião que está meramente a serviço do agradável ao homem, não serve para muita coisa.

As posições de Ratzinger e Flores d’Arcais se distanciam porque Flores acredita que a religião jamais poderia “provar” sua verdade, e, assim, se a religião se dispõe enfrentar a questão da verdade, ela mesma se excluiria do campo do verdadeiro para se refugiar no puro fideísmo – sola fide ou credo quia absurdum. O propósito de Flores é exatamente o de reduzir o Cristianismo ao mero campo da opinião privada. Ele deveria viver só da fé e deixar de se propor como culminância da razão. Deveria renunciar a qualquer atração mundana de poder e de honra para viver da fé pura, cujo conteúdo de modo algum valeria para o âmbito social. A fé deveria renunciar a exercer qualquer influência na sociedade. Nesse sentido, a ética cristã, que, por exemplo, milita contra o aborto e a eutanásia, não poderia se impor à sociedade como tal, por pertencer tão-somente a quem tem fé. O Cristianismo atual deveria aprender com o Cristianismo das origens, o qual, segundo Flores, não tinha pretensão alguma de apresentar-se coerente com as exigências racionais. Flores d'Arcais sustenta que para Paulo, representante exímio do cristianismo das origens, a fé seria escândalo para a razão.

Já Ratzinger, professando firmemente que o Cristianismo é a religião que vence o mundo das religiões justamente por pretender estar de acordo com a racionalidade, defende que a ética cristã, em boa medida, é a ética racional, à qual o homem deveria chegar raciocinando. Ser contrário ao aborto e à eutanásia é uma posição que vale para todos os homens, na medida em que usam a razão. É claro que Ratzinger reconhece que existe um proprium cristão que ultrapassa as capacidades da razão humana, como o mistério da Encarnação do Verbo, a Trindade, a Cruz e a Ressurreição. São os mistérios da fé. Não podem ser provados pela razão. Todavia, Ratzinger defende que tais mistérios não são contrários à razão, mas, transcendendo-a, estão numa certa linha de continuidade racional. Não são irracionais, mas supra-racionais. O mistério da Cruz, por exemplo, não obedece à pura lógica racional, não pode ser deduzido, mas também não contradiz a razão. Ao contrário, o mistério da Cruz, fala do homem todo, que é razão e coração. A sede humana de um amor incondicional encontra na Cruz a resposta mais eloqüente. E a razão, embora não possa deduzir o mistério da Cruz, vê nele aquilo por que ansiosamente esperava.

A meu ver, o debate entre Ratzinger e Paolo Flores tem seu epicentro na concepção de razão. Se a razão é apenas razão científica, ao modo das ciências modernas, o Cristianismo, de fato, não pode ser racional. Mas se a razão tem um alcance metafísico, aí sim, abre-se a possibilidade de o Cristianismo ser também a religião da razão, como quer Ratzinger.

O filósofo jesuíta brasileiro, Padre Vaz, autor que ultimamente tenho estudado com afinco, dedica brilhantes reflexões sobre a temática. Padre Vaz tornou-se, sobretudo em seus últimos escritos, um ardoroso defensor da metafísica e da sua possibilidade ainda hoje, apesar de todos os Hume, de todos os Kant, de todos os Freud, de todos os Monod... Isto é, apesar da tradição cética e ateia defendida por Paolo Flores. Se não há a metafísica, ensina Padre Vaz, a física torna-se a filosofia primeira, o que é uma grande pretensão. Não é a isso que hoje assistimos? A pretensão das diversas ciências particulares de dar a última palavra sobre o real? O alcance metafísico da razão hoje não é dogmaticamente negado? Mesmo quem nega a metafísica, acaba inconscientemente fazendo metafísica, ensina Padre Vaz.

Ratzinger também não vê como negar que o mundo seja a expressão do Lógos universal que permeia todas as coisas. De duas, uma: Ou o Lógos precede a tudo e em tudo imprime sua racionalidade, de modo que a razão humana seja uma expressão do Lógos; ou o Caos precede a tudo, e a razão nasce do Caos. Mas só se pode explicar o Caos racionalmente. Só se pode reconhecer o Caos pela razão. Eis, pois, a contradição com a qual inevitavelmente se choca todo aquele que pretende tirar o Lógos do princípio, substituindo-o pelo Caos. O Cristianismo opta pela prioridade do Lógos – No princípio era o Lógos. “Pode, pergunta Ratzinger, a razão renunciar à prioridade do racional sobre o irracional, à existência original do lógos sem se destruir a si mesma? A razão não pode fazer outra coisa a não ser pensar também sobre o irracional a seu modo, isto é, de modo racional, estabelecendo, assim, implicitamente de novo a questionada primazia da razão”[6].

------------
[1] p. 103. [2] p. 103. [3] p. 106.[4] p. 109. [5] p. 16. [6] p. 20.

Comentários

  1. Posso estar errado, mas o título do livro não tem lá muita relação com o conteúdo, certo?

    ResponderExcluir
  2. Ué, porque não??
    A essência do livro está na discussão desta pergunta, e não necessariamente na resposta a ela.

    ResponderExcluir
  3. Padre Elílio,
    Todos conhecemos o pensamento do Papa acerca do Cristianismo e de Deus, mas apreciei sobremodo as palavras do filósofo ateu Paolo Flores d’Arcais :
    “a antropologia, a história e a psicanálise não elucidaram, em todos os aspectos, as raízes e a lógica dos fenômenos religiosos? E a ciência não nos revela abertamente o ser, suas leis e sua história sem necessidade de qualquer “hipótese de Deus”? O sofrimento – pelo menos o do inocente – não é a prova capital da impossibilidade de um Deus bom?” (p.123)
    “Se a revelação é um gratuito ato de amor, por que Deus teve de escolher a complicadíssima via ... das obscuridades indecifráveis?”. “Qual o sentido de um Deus enigmista ou prestidigitador?”. (p.119)
    “ninguém viu repetidas vezes – nem sequer uma só – o Grande Relojoeiro [o Deus] trabalhando na “construção” do cosmos”. “[a fé] pressupõe justamente aquilo que tem de demonstrar”. (p.96) “Além do mais, se todas as coisas têm de ter uma causa [conforme a alegação], ... por que [a causa] não poderia ser o próprio cosmos ...[ um cosmos eterno]?”. (p.96/97)
    Assis Utsch (autor de O Garoto Que Queria Ser Deus)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ponderações sobre o modo de dar ou receber a sagrada comunhão eucarística

Ao receber na mão o Corpo de Cristo, deve-se estender a palma da mão, e não pegar o sagrado Corpo com a ponta dos dedos.  1) Há quem acuse de arqueologismo litúrgico a atual praxe eclesial de dar ou receber a comunhão eucarística na mão. Ora, deve-se observar o seguinte: cada época tem suas circunstâncias e sensibilidades. Nos primeiros séculos, a praxe geral era distribuir a Eucaristia na mão. Temos testemunhos, nesse sentido, de Tertuliano, do Papa Cornélio, de S. Cipriano, de S. Cirilo de Jerusalém, de Teodoro de Mopsuéstia, de S. Agostinho, de S. Cesário de Arles (este falava de um véu branco que se devia estender sobre a palma da mão para receber o Corpo de Cristo). A praxe de dar a comunhão na boca passou a vigorar bem mais tarde. Do  concílio de Ruão (França, 878), temos a norma: “A nenhum homem leigo e a nenhuma mulher o sacerdote dará a Eucaristia nas mãos; entregá-la-á sempre na boca” ( cân . 2).  Certamente uma tendência de restringir a comunhão na mão começa já em tempos pa

Considerações em torno da Declaração "Fiducia supplicans"

Papa Francisco e o Cardeal Víctor Manuel Fernández, Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé Este texto não visa a entrar em polêmicas, mas é uma reflexão sobre as razões de diferentes perspectivas a respeito da Declaração Fiducia supplicans (FS), do Dicastério para a Doutrina da Fé, que, publicada aos 18 de dezembro de 2023, permite uma benção espontânea a casais em situações irregulares diante do ordenamento doutrinal e canônico da Igreja, inclusive a casais homossexuais. O teor do documento indica uma possibilidade, sem codificar.  Trata-se de uma benção espontânea,  isto é, sem caráter litúrgico ou ritual oficial, evitando-se qualquer semelhança com uma benção ou celebração de casamento e qualquer perigo de escândalo para os fiéis.  Alguns católicos se manifestaram contrários à disposição do documento. A razão principal seria a de que a Igreja não poderia abençoar uniões irregulares, pois estas configuram um pecado objetivo na medida em que contrariam o plano divino para a sex

Absoluto real versus pseudo-absolutos

. Padre Elílio de Faria Matos Júnior  "Como pensar o homem pós-metafísico em face da exigência racional do pensamento do Absoluto? A primeira e mais radical resposta a essa questão decisiva, sempre retomada e reinventada nas vicissitudes da modernidade, consiste em considerá-la sem sentido e em exorcisar o espectro do Absoluto de todos os horizontes da cultura. Mas essa solução exige um alto preço filosófico, pois a razão, cuja ordenação constitutiva ao Absoluto se manifesta já na primeira e inevitável afirmação do ser , se não se lança na busca do Absoluto real ou se se vê tolhida no seu exercício metafísico, passa a engendrar necessariamente essa procissão de pseudo-absolutos que povoam o horizonte do homem moderno" (LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de filosofia III. Filosofia e cultura. São Paulo: Loyola, 1997). Padre Vaz, acertadamente, exprime a insustentabilidade do projeto moderno, na medida em que a modernidade quer livrar-se do Absoluto real, fazendo refluir