
A fé da Igreja, porém, consciente de que à Trindade econômica deve corresponder a Trindade imanente, pois Deus não se revelaria de forma distinta do que ele é em si mesmo, preservou a novidade cristã da triunidade de Deus. Novidade essa que a reflexão filosófica por si mesma jamais poderia atingir. Isso é significativo, porque mostra que o Deus cristão não foi inventado de qualquer modo pela Igreja, que, por sua vez, mesmo lançando mão de categorias da cultura grega para expressar, tanto quanto possível, o Mistério trinitário, modificou-as significativamente para que se adequassem ao dogma da Trindade Eterna, que é um só Deus.
Os Concílios Ecumênicos de Nicéia (325) e Constantinopla (381), frente às heresias trinitárias, afirmaram a consubstancialidade do Verbo, que se encarnou em Jesus, e do Espírito Santo com o Pai. O dogma da Trindade, professado no Símbolo resultante dos dois referidos concílios (daí Símbolo niceno-costantinopolitano) foi exposto de forma rigorosa no Símbolo pseudo-atanasiano ou Quicumque (séc. V/VI):
"E é esta a Fé católica: que adoremos a um só Deus na Trindade e a Trindade na Unidade, não confundindo as Pessoas, nem separando a substância, porque uma é a substância, porque uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo; mas a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma só, a glória igual, a majestade coeterna".[2]
A fórmula uma substância e três pessoas (ou uma essência e três hipóstases como se diz no Oriente) tornou-se uso comum entre os teólogos, para, de algum modo, dizer o tremendo Mistério do Deus Triúno que se disse a si mesmo na história da salvação. A unicidade da substância garante que se trata de um só Deus, e a trindade das Pessoas afirma que na única substância divina há três subsistências, que se distinguem realmente, mas não retalham ou multiplicam a substância divina, que é numericamente uma.
Este movimento que desloca a atenção dos cristãos da consideração da Trindade econômica para a Trindade imanente é, em si, muito legítimo e natural, e pretende, de alguma forma, concretizar o desejo de conhecer o Deus amado e dar conta da razoabilidade da fé cristã, que, embora distinguindo três subsistências em Deus, não cai no ilógico triteísmo.
Dentre as várias analogias de que os teólogos lançaram mão para ilustrar o Mistério da Trindade Eterna, julgamos ser a que mais se aproxima da vida de Deus a célebre analogia psicológica, amplamente exposta por Santo Agostinho[3] e rigorosamente sistematizada por Santo Tomás de Aquino[4].
Este movimento que desloca a atenção dos cristãos da consideração da Trindade econômica para a Trindade imanente é, em si, muito legítimo e natural, e pretende, de alguma forma, concretizar o desejo de conhecer o Deus amado e dar conta da razoabilidade da fé cristã, que, embora distinguindo três subsistências em Deus, não cai no ilógico triteísmo.
Dentre as várias analogias de que os teólogos lançaram mão para ilustrar o Mistério da Trindade Eterna, julgamos ser a que mais se aproxima da vida de Deus a célebre analogia psicológica, amplamente exposta por Santo Agostinho[3] e rigorosamente sistematizada por Santo Tomás de Aquino[4].
Em síntese, a analogia psicológica, seguindo a Sagrada Escritura, afirma que há em Deus duas processões[5]: a do Filho (ou Verbo, conforme o prólogo joanino) e a do Espírito. O Pai é o Princípio sem princípio do qual procedem o Verbo e o Espírito. Ora, as processões em Deus, que é espírito e ato puro, não podem terminar fora de Deus, mas são necessariamente processões imanentes, como imanentes são as ações da vida do espírito: o conhecer e o amar.
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Em nós o conhecer e o amar são imperfeitos, porque conhecemos verdades parciais e amamos na medida em que conhecemos. Assim, em nós, a intelecção em ato e o amor em ato, decorrente da intelecção, não se identificam conosco; são acidentes. Mas em Deus tudo se identifica com a essência divina, pois Deus é simplicíssimo.
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Portanto, o ato pelo qual Deus conhece e o ato pelo qual Deus ama não são outra coisa senão o próprio Deus. E o que Deus conhece e ama? Conhece-se e ama-se a si mesmo, já que é não depende de algo que lhe seja externo para isso. Deus, desde toda a eternidade, se conhece a si mesmo como plenitude do ser e se ama a si mesmo como plenitude da bondade de forma perfeita e cabal. A intelecção em Deus (chamada Verbo ou Filho) e o amor em Deus (o Espírito Santo) não são acidentais, mas subsistentes, e identificam-se com o próprio Deus. Assim, dizemos que em Deus há duas processões e três subsistências (= Pessoas ou relações subsistentes).
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Com efeito, o Pai, o Princípio sem princípio (primeira subsistência), conhece-se a si mesmo gerando o Verbo, a perfeita Imagem de si mesmo, também chamado Filho (segunda subsistência); este conhecimento suscita o amor[6]. O Pai, então, ama o seu Verbo e o Verbo ama seu Pai. O amor com o qual o Pai ama o Verbo e o Verbo ama o Pai faz proceder o Espírito Santo ou o Amor subsistente (terceira subsistência).
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As três subsistências ou Pessoas são, na verdade, relações (esse ad aliud) subsistentes: o Pai é para o Filho, o Filho para o Pai e ambos são para o Espírito Santo, que, por sua vez, é para o Pai e o Filho. Cada Pessoa possui a plenitude da divindade, pois se identifica com a essência divina, e, mesmo sendo três as Pessoas, a natureza divina permanece numericamente uma.
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Deve-se dizer, portanto, que as três Pessoas não se distinguem da natureza divina, mas se distinguem entre si por sua relação de origem: o Pai é ingênito; o Filho procede do Pai e o Espírito Santo, por sua vez, procede do Pai e do Filho. Os três possuem a plenitude da divindade, de modo que tudo lhes é comum, exceto o que implica oposição relativa[7]. Note-se que as processões em Deus não são temporais, pois existem desde toda a eternidade, identificando-se com o ser eterno de Deus; nesse sentido as três Pessoas são sem princípio.
Padre Elílio de Faria Matos Júnior
[1] O triteísmo teve menos êxito, pois, cindindo o Absoluto, sua solução apresenta-se rudimentar. Recordemos aqui apenas o caso do alexandrino João Filopono do século VI.
[2] Justo Collantes. A Fé Católica. Rio de Janeiro, n.0.510.
[3] Cf. Santo Agostinho. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1995.
[4] Cf. Summa Theologiae, I, q. XXVII-XLII.
[5] A Sagrada Escritura, ao falar do Pai e do Filho, supõe procedência do Filho em relação ao Pai. No tocante ao Espírito Santo, diz Jesus: "O Espírito da Verdade, que procede do Pai ..." (Jo 15,26).
[6] A filosofia ensina que o ser enquanto é conhecido pelo intelecto é verdadeiro, enquanto é querido é bom. O bem é objeto de amor.
[7] Justo Collantes. A Fé Católica. Rio de Janeiro, n. 6.072.
Olá padre Elílio. Por acaso cai no seu blog e gostei muito, e vou coloca-lo nos meus favoritos.
ResponderExcluirE por acaso também hoje eu resolvi dar uma folheada no livro "Pitágoras e o tema do número", do filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos. Não sei se você já conhece o livro.. eu pessoalmente achei ele muito acima da minha capacidade de compreensão, mas teve um trecho que me chamou atenção, que é onde o filósofo afirma que Pitágoras tinha uma noção de Deus muito parecida com a trindade Cristã. E isso me chamou mais atenção ainda agora que eu li seu excelente texto. Acho que hoje irei dormir sabendo um pouquinho mais do que quando acordei.
Eis o trecho do livro:
"O Um (Hen) que é só (Holos, em grego, só) é a fonte emanadora de tudo.
Os arithmoi arkhai (de arkhé, supremo) são os princípios supremos que advêm do UM. Da cooperação desse arithmoi arkhai, só cognoscíveis pelos iniciados, e que são os poderes supremos, surge a organização do Kosmos (que significa ordem universal). (Note-se a influência dos arithmoi arkhai nas formas [eide] platônicas, que nada mais são do que símbolos dos arkhai pitagóricos, esotericamente expostos pelo autor da República).
O UM, como fonte suprema emanadora dos arithmoi arkhai, gerou o UM. O UM é ato, eficácia pura, simplicidade absoluta, portanto, ato puro. Sua atividade (verbum no latim) é de sua própria essência, mas representa um papel, porque na atividade é sempre ele mesmo (ipsum esse dos escolásticos), embora represente um outro papel (personna = hypostasis), o da atividade, mas é a mesma substância do UM supremo, ao qual está unido, fusionado pelo amor, que une o UM ao UM, o que forma a primeira tríada pitagória, que bem estudada, em pouco difere da trindade cristã exposta por Tomás de Aquino.
O Um, mais o UM gerado por ele e o amor, que os une, formam a tríada pitagórica, simbolizada pelo triãngulo sagrado de lados iguais.
Na emanação (procissão ad extra, pois a anterior entre o UM e o UM e o amor, a procissão é ad intra), surge o Dois, a Dyada. O ser toma os modos extremos de ser que, sendo inversos, são identificados no ser. Surgindo o dois, que se heterogeníza, todas as combinações numéricas (arithmetikai) são possíveis."
Teria os pitagóricos conhecido a trindade de Deus? Ou essa talvez essa interpretação do Mário Ferreira dos Santos, que é cristão, tenha sido meio forçada?
Bom dia, padre.
ResponderExcluirA teoria da trindade está com os dias contados. Temos hoje uma teoria sobre a mente (consciência) e a física quântica que derrubam todos fundamentos da trindade. Basicamente o que está praticamente confirmado é que não existe Ser, Realidade, sem Intencionalidade, Consciencia, e que está não pode ser duas, ou seja, ela é única, indivisível. Logo Jesus não pode ser NÃO-Jesus, ele só pode ser Jesus unicamente. O mesmo para Deus. O que cria a realidade é o colapso das intenções, da consciencia, das ondas, ou seja, Deus não poderia estar criando a si mesmo a qualquer hora e tempo. Então Jesus é criação, eu, o sr, adão, etc, somos criações. Deus não pode ser Pai e Pai, Filho e Filho, e, muito menos, Pai e Filho(não-filho).
De Tertuliano até os dias de hoje o conhecimento, a ciência, já avançou muito e todas teorias colaboram para esta nova descoberta. Neurofisiologia, Física Quântica e Filosofia da Mente. Pergunte aos seus professores. Os Padres da Igreja fundaram a Trindade sob influencia dos gregos, e os gregos nunca ao menos procuraram Deus, Jeová, ou Jesus. Pitágoras agora está numerando os centígrados de calor do Inferno.
A trindade não tinha fundamento bíblico nem científico, pois assim a igreja católica define, O Mistério, O Mistério. Agora já temos um grande fundamento científico sólido, revolucionário e fantástico. Quanto ao bíblico, a meu ver, sempre existiu, está nas próprias palavras de Jesus, o Pai é MAIOR que eu. Achar que ele estava se referindo, como a maioria de doutores, teólogos e eruditos fazem, à sua natureza humana, é rebaixar descaradamente sua infinita inteligência. Que pena.
Até outra hora!
Raciocínio muito coerente, porém limitado à e pela razão.
ExcluirSr. Anônimo !
ResponderExcluirA Trindade em primeiro lugar nunca cairá porque é dogma e não pode ser contradito por cristãos, a não ser que sejam apóstatas !
Mas quanto às suas referências à grandiosa ciência que criará um colapso conceitual na Trindade, por favor, a ciência como você concebe não serve de nada sem a ordem filosófica que a ratifica !
Oras, não apenas Pitágoras como toda a Escola e a filosofia metafísica não refuta de nenhuma forma a progressão noética da Unidade e Oposição seguida de Relação e Reciprocidade que constituem o Ser !
O Pai não é um não-ser é uma espécie de Supra-Ser que devido à sua condição Una de determinante infinito também precisaria encontrar em si alguma lei de determinabilidade, cuja a qual só se encontra na divisão de pessoas do Pai ( com a função determinativa infinita ) e do Filho ( que se usa dessa capacidade para a ação criadora ) ambos trabalhando no mesmo Ser pelo princípio da Unidade mas se diferenciando pela consequente lei de oposição ontológica !
Se analisar seu próprio "eu" verá que é aplicável de alguma maneira ao ser humano também !
Antes de dobrar os joelhos, a mente e a alma para uma corja de cientificistas antiquados com pinta de progressistas analise a história e a filosofia para ter como raciocina-las de maneria individual e objetiva !
A paz !
O ser humano tem necessidade de segurança. Não suporta aquilo que está para além da razão. Por isso cria explicações que lhe deem sensação de segurança e conforto.
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