Pular para o conteúdo principal

O valor da filosofia

.
Em geral, as pessoas não se interessam pelo cultivo da filosofia. Não raro ouço alguém dizer: "Filosofia não serve para nada". Mas quem faz afirmações como essa nunca se dedicou à filosofia. Será que sua palavra deve ser levada a sério? Claro que não.

Entretanto, uma coisa é interessante: Por que tais afirmações andam de boca em boca? É porque nossa cultura, tão marcada pelo pragmatismo ou utilitarismo, costuma valorizar tão somente aquilo que dá resultados práticos ou úteis à vida material: poder, honra, riquezas, prazer imediato. Ora, a filosofia não está interessada, em primeiro lugar, em alcançar resultados práticos. A filosofia verdadeiramente digna desse nome é busca de sabedoria; quer, antes de tudo, conhecer a razão de ser das coisas; anela um saber desinteressado, isto é, almeja conhecer pelo simples fato de conhecer.

Conhecer a razão de ser das coisas é um desejo que está profundamente arraigado na alma humana. "O homem é ávido de saber" (Aristóteles). O nosso espírito não se contenta enquanto não conhecer o último porquê da realidade. E ainda mais: espera que esse último porquê seja o Bem Absoluto a conferir sentido à existência. A tendência natural de perguntar o porquê de tudo manifesta-se no homem desde cedo; tão logo a criança aprende a falar, ela interroga: "Por que isto? Por que aquilo?"

Acontece, porém, que o mundo atual pretende esquecer-se dessa tendência natural do ser humano de se interrogar e buscar o sentido último de todas as coisas. Pretende-se substituir a sede de contemplar o sentido do ser pela imediata satisfação das necessidades materiais. Querem fazer o homem feliz pelo prazer sensual a todo custo; pelo cultivo exagerado da beleza do corpo; pelo dinheiro, ainda que adquirido injustamente; pelo consumismo; pelo poder, fama...

Por isso, então, é que se diz: "A filosofia não serve para nada". De fato, a filosofia não "serve" para nada disso que a cultura atual apregoa e recomenda. A filosofia procura estar atenta à verdadeira riqueza do homem. O homem é um espírito. Não é puro espírito, mas é coroado pela dimensão espiritual. Que significa isso? Significa que o homem, ainda que esteja determinado por sua dimensão corporal e psicológica, é um ser capaz de ultrapassar tais determinações. O espírito é a capacidade de transcender o dado material. Pelo espírito, o homem é capaz de se abrir para a universalidade do ser, é capaz do Absoluto.

Com efeito, nada que seja finito pode satisfazer plenamente o homem, pois tudo o que é finito está aquém da capacidade humana. Na verdade, o desejo humano busca, ainda que atematicamente, o Absoluto e o Incondicionado. As tensões humanas não terminam senão no Absoluto. Daí S. Agostinho afirmar com razão que a filosofia é "busca de Deus".

A filosofia trata justamente dessa verdadeira riqueza do homem. Ela quer entender a sua aspiração profunda e buscar-lhe satisfação. E a aspiração profunda do homem é descobrir o Sentido Último (que é Deus). Trata-se de contemplar desinteressadamente o Ser. Foi porque o mundo atual esqueceu-se dessa verdade profunda a respeito do homem que a filosofia com alcance metafísico perdeu o seu valor. A filosofia deveria ser vista como a mais importante ciência, a mais deleitável, que o homem, por si mesmo, pode adquirir. Acima dela está só a teologia revelada, que é uma participação do saber divino, saber esse que o próprio Deus comunicou-nos em Cristo.

Padre Elílio de Faria Matos Júnior
Arquidiocese de Juiz de Fora

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lima Vaz lê Teilhard de Chardin

 O artigo “Teilhard de Chardin e a Questão de Deus”, de Henrique Cláudio de Lima Vaz, publicado na Revista Portuguesa de Filosofia, é uma profunda análise filosófico-teológica da obra de Pierre Teilhard de Chardin. A seguir, um resumo detalhado: ⸻ 1. Objetivo do artigo Lima Vaz pretende demonstrar a atualidade e o valor permanente do pensamento de Teilhard de Chardin. A chave de leitura é a centralidade da questão de Deus, que constitui o eixo estruturador de toda a sua obra. Para Teilhard, trata-se de responder à pergunta fundamental: é possível crer e agir à luz de Deus num mundo pós-teísta? ⸻ 2. Contexto histórico Teilhard, jesuíta, paleontólogo e filósofo, viveu as tensões entre fé e ciência no século XX. Apesar de suas intuições filosófico-teológicas audaciosas, foi marginalizado institucionalmente: não pôde publicar suas principais obras (O Fenômeno Humano, O Meio Divino) em vida. Seu pensamento ganhou grande repercussão no pós-guerra, tornando-se fenômeno editorial mundial. ...

Existir é ter recebido. Ulrich relê Tomás em chave personalista

 Seguindo pela linha de Tomás de Aquino, Ferdinand Ulrich se coloca dentro da tradição metafísica tomista, mas com uma sensibilidade profundamente renovada pela filosofia do século XX — especialmente pela fenomenologia e pelo personalismo. Vamos explorar como Ulrich lê e reinterpreta Tomás de Aquino em relação à questão do ser: ⸻ 1. O ser como actus essendi (ato de ser) Para Tomás de Aquino, a realidade mais profunda de um ente não é sua essência, mas seu esse — o ato de ser. Ulrich retoma esse princípio com força, insistindo que:  • O ser ( esse ) é mais fundamental que qualquer determinação formal ( essentia ).  • Todo ente é composto de essência e ato de ser, mas esse ato de ser não é algo que ele possua por si: é recebido.  • Daí, a criatura é “ser por participação”, em contraste com Deus, que é “ser por essência” — o ipsum esse subsistens . Para Ulrich, essa estrutura é a chave da relação: o homem, enquanto ente criado, está ontologicamente voltado para além de...

A Igreja é abrigo para os seguidores de Cristo

  O abrigo contra os extremismos? A Igreja, que sabe que a virtude é uma mediania entre extremos viciosos. O abrigo contra o relativismo? A Igreja, que ensina que há um Lógos  eterno do qual o lógos humano participa e no qual encontra fundamento. O abrigo contra o absolutismo? A Igreja, que ensina que só Deus é o Absoluto , e toda palavra nossa não tem fim em si mesma nem faz o Absoluto presente como tal, mas aponta para Ele, a única e inesgotável Verdade.  O abrigo contra o fundamentalismo? A Igreja, que ensina que a Bíblia é Palavra de Deus na palavra humana , e, como tal, sujeita a limitações históricas.  O abrigo contra a tristeza? A Igreja, que anuncia a grande alegria do Evangelho, do perdão, da reconciliação e da vida sem fim.   O abrigo contra a falta de motivação e o desespero? A Igreja, que anuncia a esperança que não decepciona.  O abrigo contra a confusão de doutrinas? A Igreja, que interpreta autenticamente a Palavra de Deus.  O abrigo con...