tag:blogger.com,1999:blog-53336174765504039632024-03-18T21:23:22.110-03:00Blog do Padre ElílioTeologia, Filosofia e Diálogo entre Fé e RazãoPadre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.comBlogger300125tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-60661673246340191632024-03-18T09:49:00.023-03:002024-03-18T21:06:57.595-03:00Física, filosofia e teologia <div style="text-align: left;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixJ280E98Q-9ZsU-O0x7KloB9xiLF8wep9Go65ACwTn4uv359WMIZKRcle_nzcH3R4DeSp8AKVfYY7R4iqyT8XUsFLIkpusSbeqx2ST0C6XRHnb1TaQlMZbp817FCNflvInv9VNJTr3nEjfARnACoOy1Pgre_v8VIp8bAzv5dEyxIosF0IWEIgnpgggSM4/s612/istockphoto-937855482-612x612.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="344" data-original-width="612" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixJ280E98Q-9ZsU-O0x7KloB9xiLF8wep9Go65ACwTn4uv359WMIZKRcle_nzcH3R4DeSp8AKVfYY7R4iqyT8XUsFLIkpusSbeqx2ST0C6XRHnb1TaQlMZbp817FCNflvInv9VNJTr3nEjfARnACoOy1Pgre_v8VIp8bAzv5dEyxIosF0IWEIgnpgggSM4/s320/istockphoto-937855482-612x612.jpg" width="320" /></a></div><div><br /></div><span style="font-family: inherit;"><div>Hoje até físicos estão apontando para uma Realidade irredutível à matéria (partículas e energia). Heinrich Päs, catedrático de física na Alemanha, por exemplo, fala do Uno, uma idea da filosofia antiga que, segundo ele, contém o futuro da física (cf. o seu livro <i>The One: How an Ancient Idea Holds the Future of Physics</i>, 2023). Federico Faggin, cientista italiano de renome internacional em virtude de sua contribuição para a realização dos microprocessadores, defende com vigor a irredutibilidade da consciência ao cérebro (cf. o seu livro <i>Irreducible: Consciousness, Life, Computers, and Human Nature,</i> 2024). Tanto Päs quanto Faggin assumem estas posições em nome das implicações que veem no seu objeto de estudo: a física. Faggin era decididamente materialista, e se sentiu forçado a mudar de posição. </div><br />Pensava-se até bem pouco tempo atrás que o materialismo impor-se-ia, destronando qualquer tipo de metafísica e religião, qualquer aceno a um “além da matéria”. Mas hoje é o materialismo que se vê sendo destronado por grandes e cada vez mais numerosos nomes da ciência. Será que uma coisa se explica pela sua redução aos elementos de que é composta (reducionismo materialista)? Uma explicação verdadeira do mais se daria pelo menos? Com o conceito de "emergência", muitos cientistas reconhecem hoje que um todo qualquer é mais do que a simples soma de suas partes. Há "algo" que paira no todo de uma coisa e lhe confere o ser que tem, para além do mero jogo de seus elementos básicos.<br /><br />Os antigos filósofos gregos sabiam que a forma (<i>eìdos</i>, <i>morphè</i>), irredutível aos elementos materiais, é que confere o poder derradeiro para que a coisa como tal seja, cuja unidade não pode ser explicada simplesmente pelos elementos que a compõe. <br /><br />Se os físicos começam a falar do poder do Uno sobre a matéria e da irredutibilidade da Consciência ao cérebro, por que a filosofia e a teologia deveriam se esquecer do discurso sobre o Fundamento ou do primado do Absoluto transcendente, de Deus? <br /><br />Para muitos, a filosofia estaria acabada. A teologia também, com mais razão ainda. Outros veem a filosofia apenas lidando com o resultado das ciências e organizando-os ou reduzindo-se à consideração do temporal, do finito e do histórico: filosofia da linguagem, hermenêutica, filosofia social… Mas seria legítimo que ela se esquecesse do tema que a animou desde suas origens gregas — a consideração do Todo, do Fundamento, da <i>Archè</i>? <br /><br />A teologia — hoje o sabemos bem — tem importantes tarefas ligadas ao finito: teologia do criado, teologia do social, teologia disto ou daquilo. Tudo isso tem o seu lugar, pois que o Deus cristão criou o mundo e não o nega; antes, atribui-lhe importância, e o Filho encarnou-se e se fez um “ser no mundo”. É preciso pensar o mundo e o humano sob a luz de Deus e do Evangelho de Cristo. Mas a teologia não deveria deixar Deus apenas como pano de fundo de suas considerações, como muitas vezes parece acontecer. Se a física começa a romper as teias do finito e dá indícios de uma mudança de paradigma que supera o materialismo, a teologia não deveria colocar com mais ênfase o tema de Deus? Em vez de se prender preponderantemente a análises infinitas de textos e realidades, não deveria, com mais vigor, abrasar-se de amor pela Realidade da qual depende em primeiríssimo lugar o Reino que era o objeto central do anúncio de Jesus? O Reino não vem sem a atuação de Deus mesmo, assim como a multiplicidade, o mundo de coisas e a capacidade do homem de “saber que sabe” não se explicam sem o poder do Uno e da consciência. <br /><br />Claro, o conceito de Deus precisa ser pensado e repensado com muito cuidado, pois em vez de fazer referência à Realidade que Agostinho chamava de <i>Deus secretissimus</i>, pode ser usado e abusado para construir ídolos em vez de apontar para o verdadeiro Deus. O rosto do Deus humanado em Jesus é um ícone, e nos convida contemplar a Realidade para a qual aponta. A teologia precisa ajudar o homem a abrir o seu caminho para a compreensão de que o <i>Deus secretissimus</i> é também, como diz o mesmo Agostinho, o <i>Deus præsentissimus</i>.</span><br />Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com2Vargem Bonita, MG, 37922-000, Brasil-20.3284567 -46.3675817-50.51285754502743 -81.5238317 9.8559441450274328 -11.211331700000002tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-38853979969429526872024-03-10T16:36:00.010-03:002024-03-10T17:06:13.615-03:00O Ser pleno põe o ser limitado<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhx8osVQZBilGjg8m2gYGMfixFdvx6h4qGXthzWAlhJtVptZ0Hf_RPlaxKgMTd1u5vt2kQsmF8gno42wtBmlXSDeVElSkqI6svZAu6q0q570X5sxPn9aB7xvxGXWesp5nrJC9IpdiCyvOd_RN0X05DCVapD_X7drNF6sJrYwT7CK2TKRZ0QELxZ1B6x6p-3/s1200/universo_fechado00.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="680" data-original-width="1200" height="181" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhx8osVQZBilGjg8m2gYGMfixFdvx6h4qGXthzWAlhJtVptZ0Hf_RPlaxKgMTd1u5vt2kQsmF8gno42wtBmlXSDeVElSkqI6svZAu6q0q570X5sxPn9aB7xvxGXWesp5nrJC9IpdiCyvOd_RN0X05DCVapD_X7drNF6sJrYwT7CK2TKRZ0QELxZ1B6x6p-3/s320/universo_fechado00.jpg" width="320" /></a></div><br /><div>Se pensarmos o ser com todo rigor lógico, deveremos tirar todas as consequências juntamente com o velho Parmênides: <i>o ser é e não pode não ser, e o não-ser não é e não pode ser;</i> disso decorre que o ser deve ser eterno (se começasse teria de vir do não-ser, mas este não pode existir); o ser deve ser imóvel (se se movesse, as determinações que são deveriam ser precedidas e seguidas pelo não-ser dessas determinações, mas o não-ser não pode existir); o ser deve ser pleno (se fosse limitado, deveria ser limitado pelo não-ser, que não pode existir). Esse ser eterno, imóvel e pleno (de agora em diante Ser, com a maiúscula) deve existir, pois resulta da exigência lógica, com consequências ontológicas. <i>O Ser é, é eterno, é imóvel e é pleno</i>. Só assim o não-ser, que não pode ser de forma alguma, é exorcizado.</div><br />No entanto, o que vemos – o que aparece pra nós (<i>phainómenon</i>) mediante os sentidos – é a <i>temporalidade </i>(os seres, ou ao menos certas determinações, que são seres, começam e cessam de ser), a <i>mobilidade</i> (os seres, ou as determinações, que são seres, se alternam e se transformam, deixam de ser e passam a ser) e a <i>limitação do ser</i> (os seres ou mesmo o conjunto dos seres limitados, que chamamos de universo, são delimitados pelo que não são; por maiores que sejam, não são não são a plenitude). Esse é o ser fenomênico (ou o conjunto dos seres fenomênicos). Como entender isso? Se o Ser (segundo a verdade lógico-ontológica) deve ser Ser eterno, imóvel e pleno, por que o ser fenomênico (que nos aparece mediante os sentidos) não é o Ser verdadeiro (segundo a exigência lógico-ontologica), mas parece ser “mesclado” com o não-ser, que não pode de maneira alguma existir?<br /><br />Se não podemos simplesmente negar o Ser eterno, imóvel e pleno, pois se trata de uma exigência lógico-ontológica, de um lado, e, de outro lado, se também não podemos negar o ser fenomênico, que é uma evidência primeira à qual chegamos pelos sentidos, deve haver um modo de composição entre as duas ordens de ser. Eis a questão! Essa composição deve ser fiel à evidência lógico-ontológica e à evidência fenomenológica. O não-ser não pode existir, com a consequência de que o Ser, em seu sentido fundamental (de alcance ontológico), <i>deve</i> ser eterno, imóvel e pleno. Mas também se deve reconhecer o ser que aparece como temporal, móvel e limitado. O ser fenomênico não pode atender à exigência lógico-ontológica (verdade fundamental), mas também não se pode dizer que o ser fenomênico seja uma simples ilusão.<br /><br />Essa composição entre o Ser em seu sentido e verdade fundamental (o Ser eterno, imóvel e pleno) e o ser fenomênico do qual não podemos duvidar (ser temporal, móvel e limitado) se dá pela noção de <i>criação</i>: <i>o Ser eterno, imóvel e pleno põe o ser temporal, móvel e limitado</i>. O Ser eterno, imóvel e pleno é o único originário, que existe por si, subsistente absoluto, sem relação nenhuma ou “mescla” com o não-ser, que não pode existir nem pode ter lugar algum ao lado do Ser. O Ser “preenche” tudo, pois o não-ser não pode ser. Nada há que possa restringir o Ser. Assim se respeita a verdade lógico-ontológica: o Ser é e não pode não ser; o não-ser não é e não pode ser.<br /><br />No entanto, porque o ser fenomênico existe, ele deve relacionar-se com o Ser eterno, imóvel e pleno por meio de um “evento” metafísico (não imaginável nem representável com as categorias do ser fenomênico) que chamamos de <i>criação</i>. O ser fenomênico não pode existir de modo absoluto, originário ou primário (existência independente) porque ele não é eterno nem imóvel nem pleno. Ele, por si, não respeita a verdade fundamental segundo a exigência lógico-ontológica (o Ser deve ser eterno, imóvel e pleno). A existência do ser temporal, móvel e limitado só pode ser relativa, derivada e secundária. O ser fenomênico (e todo ser temporal, móvel e limitado) é dependente; é posto pelo Ser. <i>O temporal é posto pelo eterno; o móvel é posto pelo imóvel; o limitado é posto pelo pleno.</i><br /><br />A temporalidade, a mobilidade e a limitação do ser criado não se devem a um não-ser (como se o não-ser fosse algo originário com o ser e pudesse ser mesclado com ele), mas à sua condição de criaturalidade. O “não-ser” do ser temporal, móvel e limitado (porque o temporal, o móvel e o limitado implicam sempre um certo “não-ser”) não é um verdadeiro não-ser (que não pode existir), mas a consequência lógico-ontológica de o ser criatural não poder ser o Ser eterno, imóvel e pleno (só pode haver um Ser, um só Absoluto, um só Ilimitado).<br /><br />A limitação não é originária, e originário não pode ser o “não-ser” do limitado. Só a Plenitude pode ser originária. O “não-ser” do ser limitado não é um verdadeiro não-ser (que não pode ser), mas o não-poder-ser-pleno do ser que é estruturalmente limitado. Esse “não-ser” é a limitação, e só pode aparecer “em contraste” com o pano de fundo (ainda que implícito para nós) do Ser pleno.<br /><br />O “não-ser” só aparece sobre o fundo do Ser. O “não-ser” não é algo que subsista (o que seria absurdo), mas é o “não” do limite. Só porque o Ser cria seres limitados (ontológica e temporalmente limitados), percebemos o “não”, que não é propriamente um não-ser (um algo que existe como não-ser e ameaça o ser), mas o limite do ser limitado (criado).<br /><br />E só podemos perceber o “não” do ser limitado - ou seja, o limite do limitado - porque já estamos para além do limitado, isto é, vivemos e pensamos no horizonte da <i>pré-compreensão do Ser pleno</i>, que Karl Rahner chamava de <i>Vorgriff</i>. Só percebemos o limitado como limitado porque estamos já desde sempre, <i>pelo espírito</i>, no horizonte do Ilimitado. O espírito no homem é homólogo ao Ser na medida em que vê o ser limitado sempre no horizonte do Ser ilimitado, ainda que esse horizonte não seja objeto de explicitação para o não filósofo.Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-14280771243333961142023-12-22T07:41:00.044-03:002024-03-18T13:20:17.460-03:00Considerações em torno da Declaração "Fiducia supplicans"<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-dYqnMZvn2I1fIv3NZYuCosD0nqnxTreDYpLmfUokldKJlW82BWZmB0EIiplJAOKN9MEcSdlYm9lY6udzdTVG3cGTcx_NsvpXXzLQel0bG1SdUOtvwik56LJLHudyA66mKh_9IMjSeVGByu8Vrjkm-qtoWrwSUMBHmk1mbzM3uZZ6myHbbQvoz6jsrIHS/s1200/tucho.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="1200" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-dYqnMZvn2I1fIv3NZYuCosD0nqnxTreDYpLmfUokldKJlW82BWZmB0EIiplJAOKN9MEcSdlYm9lY6udzdTVG3cGTcx_NsvpXXzLQel0bG1SdUOtvwik56LJLHudyA66mKh_9IMjSeVGByu8Vrjkm-qtoWrwSUMBHmk1mbzM3uZZ6myHbbQvoz6jsrIHS/s320/tucho.jpg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Papa Francisco e o Cardeal Víctor Manuel Fernández, Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé</td></tr></tbody></table><p>Este texto não visa a entrar em polêmicas, mas é uma reflexão sobre as razões de diferentes perspectivas a respeito da <a href="https://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2023/12/18/0901/01963.html" rel="nofollow" target="_blank">Declaração <i>Fiducia supplicans</i></a> (FS), do Dicastério para a Doutrina da Fé, que, publicada aos 18 de dezembro de 2023, permite uma benção espontânea a casais em situações irregulares diante do ordenamento doutrinal e canônico da Igreja, inclusive a casais homossexuais. O teor do documento indica uma possibilidade, sem codificar. </p><p>Trata-se de uma benção <b>espontânea, </b>isto é, sem caráter litúrgico ou ritual oficial, evitando-se qualquer semelhança com uma benção ou celebração de casamento e qualquer perigo de escândalo para os fiéis. </p><p>Alguns católicos se manifestaram contrários à disposição do documento. A razão principal seria a de que a Igreja não poderia abençoar uniões irregulares, pois estas configuram um pecado objetivo na medida em que contrariam o plano divino para a sexualidade humana, que deve ser vivida na castidade, seja em abstinência, seja com exercício do ato sexual dentro do matrimônio devidamente celebrado, que se dá exclusivamente entre homem e mulher. </p><p>Se bênçãos para pessoas (indivíduos) são sempre possíveis, ainda que as pessoas em questão estejam em pecado, uma benção para estruturas ou atos estáveis pecaminosos não é possível. Isso porque o indivíduo como tal, com a ajuda de Deus e a boa vontade, pode desvencilhar-se do pecado, mas uma estrutura pecaminosa só pode ser condenada. O pecador pode sair do pecado, mas a estrutura pecaminosa não pode sair do pecado (este pertence à sua constituição), a não ser sendo destruída ou desfeita. </p><p>A vida sexual de pessoas unidas permanentemente fora do matrimônio é um ato estável ou uma estrutura, assim como o matrimônio (entre homem e mulher) é um ato estável ou estrutura. Mas enquanto o matrimônio é uma estrutura intrinsecamente boa, as uniões irregulares seriam intrinsecamente más ou desordenadas do ponto de vista objetivo. </p><p>O ato intrinsecamente mau, conforme João Paulo II na <a href="https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_06081993_veritatis-splendor.html" rel="nofollow" target="_blank">Encíclica <i>Veritatis splendor</i></a>, é aquele cujo objeto é mau em si mesmo, por ser contrário à lei natural, à dignidade humana e ao plano de Deus, de tal modo que nenhuma intenção ou circunstância podem justificá-lo. Sendo a união irregular um ato estável (estrutura) intrinsecamente mau, ela não pode ser justificada como tal. </p><p>A benção seria um absurdo porque seria uma espécie de justificação, em nome de Deus, do injustificável diante do próprio Deus. O Cardeal Gerard Müller, em sua reação contrária à FS, diz que o documento permitiria abençoar uma realidade contrária à Lei de Deus. </p><p>A perspectiva dos críticos de FS é clara e invoca a Sagrada Escritura, a Tradição da Igreja e o Magistério constante da Igreja para rejeitar a possibilidade de bênção a uniões irregulares. </p><p>Já a perspectiva de FS é mais matizada e mais complexa. Requer muitas considerações. </p><p>Primeiramente, FS não pretende flexibilizar nem muito menos desfazer a doutrina constante da Igreja sobre a sexualidade humana e sobre o matrimônio.</p><p>Em segundo lugar, FS pretende refletir sobre o sentido ou a amplitude da compreensão da bênção na vida da Igreja. Existe a oração que se faz em favor de quem celebra ou recebe um sacramento, como a bênção matrimonial, que decorre da celebração do sacramento do matrimônio pelos noivos e é dada pelo ministro ordenado. É a bênção litúrgica. Neste caso, a pessoa que recebe o sacramento (e a oração ou a bênção) deve renunciar ao pecado e estar devidamente preparada, com as disposições morais em conformidade ao Evangelho e ao ensino da Igreja. </p><p>Existe também a benção ritual, prevista no livro <b>Ritual de Bençãos, </b>aprovado oficialmente pela Igreja. Esta acontece fora da celebração dos sacramentos e é destinada a pessoas, mesmo quando vivem em pecado, a coisas, lugares, circunstâncias... Mas estas últimas (coisas, lugares, circunstâncias) não poderão receber a benção se não estiverem em conformidade com o espírito do Evangelho. Pode-se abençoar o pecador, mas não uma estrutura (coisa, lugar ou circunstância) de pecado. </p><p>FS considera um terceiro tipo de benção, que não é litúrgica nem ritual (prevista em livro aprovado oficialmente pela Igreja), mas meramente pastoral ou espontânea – a simples bênção, ligada ao espírito da piedade popular, que espontaneamente espera de Deus um auxílio para a vida, as circunstâncias, os propósitos, os dramas e as dificuldades. O texto de FS quer apontar para um aprofundamento da compreensão do sentido da bênção e deste tipo de bênção em particular. As pessoas, encontrando-se com o sacerdote na rua ou em circunstâncias informais, naturalmente pedem-lhe a bênção, que é dada, não conforme uma fórmula oficial, mas de modo espontâneo. Vale a pena ir ao próprio texto do documento para entender o que é proposto como possibilidade. </p><p>Esta bênção, que já existe na práxis pastoral, não exigiria as condições morais que se esperam para a recepção dos sacramentos, mas seria uma mão estendida para pessoas que reconhecem o mistério de Deus que resplandece na Igreja e desejam avançar em sua abertura à transcendência. </p><p>“Quem pede uma bênção mostra-se necessitado da presença salvífica de Deus na sua história, e quem pede uma bênção à Igreja reconhece esta como sacramento da salvação que Deus oferece” (FS, 20).</p><p>Segundo o espírito de FS, deve-se ter na práxis pastoral o cuidado de não impor grandes exigências ou obstáculos para que a Igreja se faça, de algum modo, próxima dos fiéis suplicantes. As bênçãos espontâneas seriam um dos modos mais leves ou espontâneos da presença da Igreja, ao passo que “a exigência de controle poderia ofuscar a força incondicional do amor de Deus, na qual se baseia o gesto de bênção” (FS, 12). </p><p>Em terceiro lugar, FS diz que este tipo de bênção espontânea poderia ser concedido a casais irregulares que pedem a benção de Deus. Seria “uma bênção descendente do próprio Deus sobre aqueles que, reconhecendo-se desamparados e necessitados da sua ajuda, não reivindicam a legitimação do seu próprio status, mas imploram que tudo o que há de verdadeiramente bom e humanamente válido na sua vida e nas suas relações seja tocado, curado e elevado pela presença do Espírito Santo. Estas formas de bênção exprimem uma súplica a Deus para que conceda aquelas ajudas que provêm dos impulsos do seu Espírito - que a teologia clássica chama de <i>graças atuai</i>s - para que as relações humanas possam amadurecer e crescer na fidelidade à mensagem do Evangelho, libertando-se das suas imperfeições e fragilidades, e exprimir-se na dimensão cada vez maior do amor divino” (FS, 31). </p><p>Este ponto é um verdadeiro avanço e uma mudança real na práxis da Igreja, em continuidade com a <a href="https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_risposta-dubia-2023_po.html" rel="nofollow" target="_blank">Resposta do Papa às <i>dubia </i>de dois cardeais</a>. Mas é uma mudança que procura manter a coerência do ensinamento permanente da Igreja. </p><p>Consideremos quatro pontos importantes, que julgo estar presentes na base da opção de FS. Vou elencá-los e desenvolvê-los brevemente, com a consciência de que mereceriam um desenvolvimento muito mais amplo. </p><p><b>Primeiro</b>. Vê-se que <b>FS não pretende justificar a união irregular como tal</b>, mas abrir a possibilidade de bênção espontânea do sacerdote ou ministro ordenado para a vida e as relações das pessoas em união irregular na medida em que elas tragam ou possam trazer elementos verdadeiramente bons e humanamente válidos, em atenção às pessoas, que trazem a marca da dignidade humana e a imagem de Deus. </p><p>Pode-se olhar para as relações de uma união irregular de dois modos. Para usar uma metáfora, e supondo-se que somente as relações humanas da união regular é o <b>copo pleno</b>, pode-se ver as relações da união irregular como um <b>copo meio vazio</b> (por causa da união irregular, em que pesem os elementos bons da relação humana) ou como um <b>copo meio cheio </b>(por causa dos elementos bons da relação humana, em que pese a união irregular). Com a FS, a Igreja abre espaço ou possibilidade para ver os elementos bons que possam existir nas referidas vidas e relações, não na união enquanto tal— ver o copo meio cheio. Trata-se aqui de uma analogia metafórica, que terá seus defeitos, mas é uma maneira de se aproximar da perspectiva do documento, creio eu. </p><p>Alguém poderia objetar que a união irregular viciaria os elementos bons, de modo que a quantidade não plena de água que houvesse no copo da metáfora estaria aí contaminada. Quem levanta esta objeção deve ser levado a sério, pois se apoia na tradição. Aqui está o verdadeiro nó górdio da questão. Quem pensa assim, geralmente está pensado na relação sexual fora do matrimônio, ilícita. Entretanto, as relações de um casal em união irregular nem sempre são absorvidas pela relação sexual ou reduzidas a ela: existem ali afeição mútua, amizade, mútua ajuda, companheirismo, espírito de verdadeira doação, compromisso com pessoas... Em muitos casos, a relação sexual, física, já nem existe, mas permanece o afeto e o compromisso. Parece ser este o ponto central a partir do qual o documento realiza a abertura.</p><p>O amor divino se faz presente, de alguma maneira, em todo elemento verdadeiramente bom. A bênção, no espírito de FS, quer ajudar a fortalecer o que há de louvável e promover o crescimento rumo ao que é bom e verdadeiro. As fragilidades de todos nós são sempre acompanhadas pelo amor de Deus.</p><p><b>Segundo</b>. Vivemos uma <b>mudança epocal</b> como nunca se viu desde a <b>Era Axial</b> (800-200 a.C.). Hoje nem todos têm condições cognitivas e culturais de apreender e discernir com clareza o que é objetivamente bom segundo os parâmetros da Igreja, isto é, as razões doutrinais profundas da moral cristã a respeito da sexualidade e do matrimônio, o que exige compreensão mínima (não de forma acadêmica, é claro) de elementos de antropologia, Revelação divina, relações entre razão e fé e até de filosofia e metafísica. Essa <b>situacão cognitiva</b>, poderíamos assim dizer, é séria, e constitui para muitos uma espécie de estrutura cultural de nossos tempos, não podendo ser remediada com meras exortações. Muitas pessoas encontram-se literalmente incapacitadas de julgar nesta matéria, pois alguns elementos do ensino tradicional da Igreja já não lhes é evidente de maneira alguma. A Igreja, que nunca conseguiu evangelizar todos aqueles que batiza, poderia ignorar isso e colocar regras e obstáculos (pois é assim que muita gente percebe) no caminho de quem tem uma abertura, ainda que mínima, para o mistério de Deus e da própria Igreja? Parece estar na base da opção de FS esta perspectiva. </p><p><b>Terceiro</b>. A <b>questão da imputabilidade</b> deve ser levada a sério, hoje mais do que nunca, pois conhecemos melhor os condicionamentos biopsíquicos, culturais, espirituais e relacionais das pessoas. Muitos se veem num emaranhado de coisas ou acontecimentos do qual não têm forças ou condições para se desvencilhar. Assim, muitas uniões irregulares começaram numa fase de imaturidade (quem de nós é suficientemente maduro?) e encontram-se atadas por diversos elos a situações complexas. A homossexualidade, por sua vez, não é uma escolha, mas uma condição, às vezes profundamente arraigada. Como tal, condiciona o modo de ser, de ver, de sentir, de se relacionar e de julgar das pessoas. Ninguém deve ser discriminado por isso. E em alguns a tendência é de tal modo arraigada que parece não conseguirem ver-se fora de uma relação afetiva com um parceiro (não necessariamente de caráter sexual, físico). Por causa de fatores condicionantes cada vez mais patenteados pela psicologia, sociologia, neurociências etc., muitos atos e situações objetivas irregulares não podem ser imputados aos sujeitos relacionados sem atenuações mais ou menos grandes. Este parece ser um elemento também presente nas razões profundas da opção de FS. A questão da imputabilidade aparece no magistério do Papa na Exortação <i>Amoris lætitia</i>. </p><p><b>Quarto</b>. A <b>maternidade da Igreja</b> é um reflexo do amor incondicional de Deus. Deus é benção sempre, conforme ensina o Papa Francisco: «É Deus quem abençoa. Nas primeiras páginas da Bíblia há uma repetição contínua de bênçãos. Deus abençoa, mas os homens também abençoam, e logo se descobre que a bênção tem uma força especial, que acompanha quem a recebe por toda a vida, e dispõe o coração do homem a deixar-se mudar por Deus […]. Assim, para Deus somos mais importantes que todos os pecados que podemos cometer, porque Ele é pai, é mãe, é puro amor, nos abençoou para sempre. E ele nunca deixará de nos abençoar. Uma experiência intensa é ler estes textos bíblicos de bênção numa prisão, ou num centro de desintoxicação. Fazei com que estas pessoas sintam que permanecem abençoadas apesar dos seus graves erros, que o Pai celeste continua a querer o seu bem e espera que finalmente se abram ao bem. Se até os parentes mais próximos os abandonaram, porque já os julgam irrecuperáveis, para Deus serão sempre filhos” (cf. FS, 27). </p><p>Um pai ou uma mãe humanos abençoam sempre quando os filhos pedem, mesmo que estes estejam e se mantenham longe do ideal proposto e querido pelos pais. Deus não é melhor do que os pais humanos? E a Igreja não deve ser o reflexo do amor de Deus, que não aprova o erro, mas faz de tudo para insinuar-se na subjetividade e nas situações para melhorá-las e conduzi-las à verdade? Esta questão norteia, sem dúvida, a opção de FS. </p><p>Enfim, segundo a intenção de FS, a doutrina sobre a sexualidade humana e o matrimônio não muda em nada. Uniões irregulares são irregulares. Mas então o que muda? Muda a atitude, a perspectiva. Volto à metáfora do copo para tentar colher a visão do documento: copo com um pouco de água não é somente um copo meio vazio, mas pode ser também visto como um copo meio cheio. No caso da bênção espontânea, a Igreja abre-se para considerar, tanto quanto possível, o copo das relações humanas (não da união irregular em si mesma), nos elementos válidos que possam ter, como copo meio cheio, apesar da união irregular. Mas não temos aqui uma regra geral. Cada caso é um caso. Esta mudança parece-se quase a uma revolução, como disse Rocco Butiglione: uma revolução marcada por uma revisitação às fontes evangélicas e ancorada num princípio superior, que é o do amor incondicional de Deus manifestado em Jesus de Nazaré. </p><p>Pode-se dizer que a moral do Papa Francisco delineada em FS e em outros documentos seus é uma moral que se volta para o sujeito, com seus fatores condicionantes e circunstâncias às vezes complexas. Não desconsidera nem relativiza o objeto ou matéria moral e a lei objetiva (que é sempre uma lei para o bem integral do ser humano), mas procura considerar o sujeito, que hoje talvez não possa realizar todo o ideal, mas que, com o apoio da Igreja — este <b>hospital de campanha</b> (Papa Francisco) pra todos nós que somos feridos de um modo ou de outro — talvez possa começar a dar passos. O possível de amanhã poderá ser mais do que o possível de hoje, e o possível de hoje, que pode preparar novos passos, deve ser acompanhado pela maternidade da Igreja.</p><p>Procurei aqui, com toda sinceridade, entender as razões. Sem espírito de polêmica. Assim, este meu texto deve ser visto mais como uma descrição ou uma fenomenologia da questão. </p>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-67227507755867653912023-11-18T16:12:00.002-03:002023-11-18T16:13:03.322-03:00Demonstração da existência de Deus <p> A 1ª via de S. Tomás, na <i>Summa theologiæ</i>, para demonstrar a existência de Deus é a mais clara — <i>manifestior via</i>, segundo o santo doutor. </p><p>No seu último escrito teológico, o <i>Compendium theologiæ</i>, Tomás se vale unicamente dessa via, ou seja, a via do movimento. </p><p>Mas a via é válida ainda hoje? — perguntará alguém. Ela não está ligada à física que se professava no século XIII, isto é, a física aristotélica?</p><p>Bem. É de notar que S. Tomás dá à sua argumentação uma valência metafísica. Isso quer dizer que, qualquer que seja a física que se professe, a argumentação continua valendo. </p><p>Mas o que é a valência metafísica de que é dotada a argumentação? </p><p>A valência metafísica diz que a argumentação está apoiada nos princípios mais básicos da inteligência humana, como o princípio de não-contradição ou o de identidade. </p><p>Não se nega o ponto de partida da argumentação, que é dado pela experiência mundana — o movimento das coisas. Mas se assume o dado da experiência sob a iluminação dos princípios primeiros da inteligência. Se alguém nega esses princípios, não poderá sequer pensar uma ideia ou dizer uma palavra com sentido. </p><p>O movimento é assumido sob os princípios primeiros da inteligência, que são os princípios do ser. Ora, se algo se move, a explicação última do movimento não pode ser encontrada no ente que se move. Se assim fosse, feriríamos o princípio de não-contradição, pois o ente em questão seria movente e movido ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Se encontrarmos a causa do movimento do referido ente num outro ente — que podemos chamar de ente2 —, é preciso ver se esse ente é também movido ou se recebe ou não o movimento de outro — o ente3. Se todos os entes que movem são também movidos, não teremos encontrado a origem última do movimento, ainda que a série dos moventes-movidos seja infinita. </p><p>É a impossibilidade de encontrar no próprio ente que se move a causa derradeira do próprio movimento que nos leva a ter de admitir que a origem última de todo movimento só pode estar numa realidade que não é movida por nada — absolutamente — e só comunica movimento. Tal é o Motor Imóvel. </p><p>O leitor vê que há um salto para fora da série de entes moventes-movidos. Não é, porém, um salto injustificado. Se ficássemos na série dos entes movidos (ainda que sejam moventes), não explicaríamos o movimento em sua causa última. Todo ente que é movido, o é por um outro, sob pena de violamos o princípio de não-contradição, afirmando que há entes que se movem a si mesmos sob a mesma relação. A resposta está, pois, no salto para o Motor Imóvel. Ele não é movido. O movimento da série encontra nele sua explicação, pois que necessariamente ele deve ser Motor, ainda que não movido. </p><p>O salto é como uma visão justificada que se impõe à mente do metafísico. É uma fuga da série de entes mutáveis. Uma fuga necessária para que haja inteligibilidade na série dos moventes-movidos.</p><p>———-</p><p>Obs.: o automóvel ou o ser vivo, que parecem mover-se a si mesmos, não o fazem em termos absolutos, já que uma de suas partes é que move outras; ao fim e ao cabo, recebem de outro o material para a produção da própria energia — o combustível ou a alimentação.</p>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-27991218594669875182023-08-25T11:09:00.012-03:002023-09-22T09:01:42.730-03:00Aborto? Que ou quem é o nascituro? <p> </p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfJ761rJ5VYP2Gln4b0UBELUw_7rqTLmh4sVclRQDIC_6JvWWD0hupP6yD2XWt5LbX3-ZqI-hlyYfXzIbXJnrzULtQik1ddLalsG5nN2IBnK4FQ5uDFGsWCbLhzTFzJZsEonQN_RHe6N_QdtmPatCIo7ezdM58tMDIv3JY3tgN-rMed1LBPAR8KlwF8QLe/s720/bebe-12-semanas.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="640" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfJ761rJ5VYP2Gln4b0UBELUw_7rqTLmh4sVclRQDIC_6JvWWD0hupP6yD2XWt5LbX3-ZqI-hlyYfXzIbXJnrzULtQik1ddLalsG5nN2IBnK4FQ5uDFGsWCbLhzTFzJZsEonQN_RHe6N_QdtmPatCIo7ezdM58tMDIv3JY3tgN-rMed1LBPAR8KlwF8QLe/s320/bebe-12-semanas.jpg" width="284" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Nascituro na 12a. semana de gestação </td></tr></tbody></table><br /><p></p>Nos últimos anos, o debate sobre o aborto tem assumido contornos polêmicos e político-partidários, não raro de matiz fundamentalista, que podem obnubilar o ponto decisivo da questão. A meu ver, esse ponto consiste em saber<b> se o embrião ou o feto tem direitos inalienáveis por gozar da dignidade de pessoa humana</b>. É verdade que o fenômeno do aborto envolve questões várias, como educação, distribuição de renda, cultura ou mentalidade de uma sociedade, saúde pública, abortos clandestinos com morte de mulheres (sobretudo pobres), direitos da mulher etc. Tudo isso pode e deve ser considerado. Muitas vezes olhamos para o fenômeno sem indagar por suas causas mais profundas, não raro radicadas em uma sociedade injusta, incapaz de oferecer condições de vida digna e de educação de qualidade para amplas parcelas da população. É verdade também que em tempos em que os valores morais entregues pela tradição se fragilizam, o senso dos limites ou daquilo que eleva ou degrada o ser humano tende a esfumar-se, dando azo a experimentações e ideias que a curto, médio ou longo prazo podem prejudicar gravemente o bem-estar humano pessoal ou social. <br /><div><br />Se todas as questões que envolvem o fenômeno do aborto devem ser consideradas, a questão fundamental gira em torno da pergunta: <b>que</b> é ou <b>quem</b> é o nascituro (embrião, feto)? Note-se que usamos <b>que</b> para coisas e <b>quem</b> para pessoas. Se o nascituro é apenas um amontoado de células, obviamente não gozará da dignidade humana. Se é simplesmente uma vida infra-humana, por certo não terá direitos decorrentes da dignidade humana. Mas podemos, sinceramente, dizer que o nascituro é apenas um amontoado de células ou simplesmente uma vida infra-humana?<br /><br />Para começo de conversa, a ciência esclarece que <b>uma nova vida se inicia com a fecundação</b>, que já não é a vida nem do espermatozoide nem do óvulo, que já tinham atingido, isoladamente, o máximo de seu desenvolvimento. Pela fecundação, ao contrário, dá-se um evento, algo inédito: um novo ciclo vital se inicia, que, se não impedido, resultará num ser humano adulto, pleno de expressões pessoais. Desde a fecundação temos <b>um novo genoma humano</b>, com seus 22 cromossomos pareados mais o cromossomo X pareado com outro cromossomo X (sexo feminino) ou com o cromossomo Y (sexo masculino). Assim, a nova vida que se inicia pertence à espécie humana e, desde o seu ponto de partida, já possui <b>identidade clara</b> e <b>orientação segura</b> para o seu desenvolvimento. Nada receberá de fora, a não ser a nutrição e a proteção de que precisa. Goza, portanto, de autonomia bem definida. <br /><br />Podemos classificar esta nova vida como um simples amontoado de células (fase embrionária) ou como uma vida simplesmente infra-humana (fase embrionária ou fetal)? Ora, uma casa não é um simples amontoado de tijolos. É a ordem dos tijolos que faz a casa. De modo análogo, no genoma do embrião, temos informação clara que faz dele mais do que um simples agregado de células – faz dele, na verdade, repitamo-lo, uma vida da espécie humana com identidade e orientação bem precisas. <br /><br />Como poderíamos dizer com segurança que a nova vida é simplesmente uma vida infra-humana? Até quando seria vida infra-humana sem as prerrogativas da dignidade? Até os nove meses, imediatamente antes do parto? Alguns minutos depois, com o parto, já seria vida propriamente humana? Alguns querem medir e estabelecer marcos temporais a partir dos quais a vida passaria a merecer respeito e a possuir direitos invioláveis. A partir da nidação? Depois da formação dos órgãos? Quando começa a sentir? Com a formação do sistema nervoso? Note-se que o sistema nervoso completa sua formação só na adolescência. Ora, desde que o novo ciclo vital, com o novo genoma, inicia-se a partir da fecundação, não há critérios objetivos para estabelecer cortes no seu desenvolvimento, pois o processo se dá num <i>continuum </i>ininterrupto, e toda tentativa de seccioná-lo será mais ou menos arbitrário. <br /><br />Que seria vida humana e vida infra-humana? Se a vida humana é a vida que traz o genoma humano e, portanto, pertence à espécie humana, como negar o estatuto de vida humana ao nascituro desde a fecundação? Ou vida humana seria a vida que se pode expressar como pessoa? É verdade que o nascituro não se pode ainda expressar como pessoa. Mas o recém-nascido pode? O comatoso pode? Eles não seriam vida humana? Não teriam dignidade humana?<br /><br />Veja-se que não é a ciência que pode decidir unilateralmente a respeito da vida humana e da sua dignidade. Não se trata simplesmente de uma questão de precisão de relógio ou de dados científicos brutos, mas sobretudo de significado. A ciência nos oferece dados importantes, sobre os quais devemos lançar nosso olhar ético e filosófico. Sigo os filósofos que distinguem entre <b>personeidade</b> e <b>pessoalidade</b>. A personeidade é a estrutura vital que está na base de pessoalidade, que, por sua vez, é a vida em suas ricas expressões pessoais. O nascituro, o recém-nascido e o comatoso podem não ser capazes de expressar-se com a riqueza da consciência e da liberdade (pessoalidade), mas trazem a estrutura que é o fundamento de qualquer expressão pessoal humana (personeidade). O nascituro é uma vida que traz o genoma humano; se não houver nenhum entrave, um dia essa vida poderá expressar-se plenamente como pessoa. Por ser o nascituro dotado de personeidade, posso e devo (vejo-o como o caminho mais sensato e mais seguro) <b>atribuir-lhe </b>(do campo jurídico inglês, <i>to ascribe</i>)<b> a dignidade de pessoa humana</b>, claramente reconhecida como presente em quem se expressa como pessoa. <br /><br />Ademais, é preciso reconhecer como <b>respeitável o processo pelo qual cada pessoa humana teve de passar para chegar a poder expressar-se como pessoa</b>. Ora, toda pessoa humana um dia iniciou sua trajetória como um zigoto. Sem este início, nenhuma pessoa poderia ser pessoa. Assim, o processo que tem começo na fecundação deve ser absolutamente respeitado, pois, sendo o caminho inicial percorrido por todos nós, sem o qual não poderíamos ser quem somos hoje, merece que se lhe atribua (<i>to ascribe</i>) o peso e a luz da dignidade humana pessoal.<br /><br />Desse modo, se podemos ou mesmo devemos atribuir<i> (to ascribe</i>) dignidade de pessoa humana ao nascituro, nada poderá justificar uma ação, querida como meio ou como fim, contra a sua inocente vida. Podemos considerar todos os problemas ligados ao aborto, mas não se pode eludir a questão fundamental: se se pode e deve atribuir dignidade humana pessoal ao nascituro, ele deve ser absolutamente respeitado. Socorra-nos Immanuel Kant, cujo imperativo categórico vê na pessoa um fim em si mesmo, nunca um simples meio. Por tudo isso, não aceitar o aborto afigura-se-me como um imperativo. Mas procurar <b>combater as graves injustiças sociais</b>, que muitas vezes agem como causa mais profunda do fenômeno social do aborto, é também um imperativo não menos grave. </div>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-61138799864601287132023-08-11T10:15:00.026-03:002023-08-22T12:19:19.626-03:00Ponderações sobre o modo de dar ou receber a sagrada comunhão eucarística<div><br /><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMd4188494pXNv6vQRaMB7Zq9YDDOQDJWjFHvrSTqe8AE2j0_XW3LedUPXE2hz_d8obdYlBEJtGBGse7CkKKqwQ_o_P207rOpAQZdYT3LjrmZBhSaMlL3kIzOK0fsO3alViSfY0fkiV4H2jFKQ71Q_zsSGF348p7QOQ2ijcKpP88bK9OIDd24qRE0ccJCv/s632/comunhaonamao.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="304" data-original-width="632" height="154" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMd4188494pXNv6vQRaMB7Zq9YDDOQDJWjFHvrSTqe8AE2j0_XW3LedUPXE2hz_d8obdYlBEJtGBGse7CkKKqwQ_o_P207rOpAQZdYT3LjrmZBhSaMlL3kIzOK0fsO3alViSfY0fkiV4H2jFKQ71Q_zsSGF348p7QOQ2ijcKpP88bK9OIDd24qRE0ccJCv/s320/comunhaonamao.jpeg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ao receber na mão o Corpo de Cristo, deve-se estender a palma da mão, e não pegar o sagrado Corpo com a ponta dos dedos. </td></tr></tbody></table></div><div><br /></div><div><span style="font-family: helvetica; font-size: medium;">1) Há quem acuse de arqueologismo litúrgico a atual praxe eclesial de dar ou receber a comunhão eucarística na mão. Ora, deve-se observar o seguinte: cada época tem suas circunstâncias e sensibilidades. Nos primeiros séculos, a praxe geral era distribuir a Eucaristia na mão. Temos testemunhos, nesse sentido, de Tertuliano, do Papa Cornélio, de S. Cipriano, de S. Cirilo de Jerusalém, de Teodoro de Mopsuéstia, de S. Agostinho, de S. Cesário de Arles (este falava de um véu branco que se devia estender sobre a palma da mão para receber o Corpo de Cristo). A praxe de dar a comunhão na boca passou a vigorar bem mais tarde. Do </span><span style="font-family: helvetica; font-size: medium;">concílio de Ruão (França, 878), temos a norma: “A nenhum homem leigo e a nenhuma mulher o sacerdote dará a Eucaristia nas mãos; entregá-la-á sempre na boca” (<i>cân</i>. 2). </span><span style="font-family: helvetica; font-size: medium;">Certamente uma tendência de restringir a comunhão na mão começa já em tempos patrísticos, sobretudo com o fito de coibir abusos, pois havia quem levasse a sagrada espécie para casa ou para as viagens e até a usasse com a função de amuleto. No século IX generalizou-se a compreensão de que a comunhão se devesse dar só na boca: além de coibir os abusos, devia-se evidenciar a sacralidade da Eucaristia, que era mais e mais realçada dentro de um quadro de desenvolvimento teológico marcado pelas disputas eucarísticas que se deram a partir de Amalário de Metz (780-850), Pascácio Radberto (785-865), Ratramno (800-868) e Berengário (999 -1088); este último chegou a reduzir a Eucaristia a mero símbolo; como reação a teologia realçou a presença real e chegou a cunhar o termo “transubstanciação”. Assim, o culto eucarístico se ampliou e a hóstia foi enaltecida, a ponto de se difundir a ideia de que mãos não consagradas não a poderiam tocar. Mesmo assim, ainda no século XI há documentação de uma praxe remanescente de recepção da Eucaristia na mão para o presbítero e o diácono, não, porém, para o subdiácono. Desse modo, por razões precisas a praxe da Igreja adquiriu nova forma em relação aos primeiros séculos. Já no século passado, sobretudo a partir do Vaticano II, criou-se nova sensibilidade na Igreja. O concílio se deu para estabelecer uma reconciliação da Igreja com a sensibilidade dos novos tempos. Assim, a Santa Sé, no clima do pós-concílio, começou a conceder amplamente aos bispos a faculdade de introduzir a praxe da comunhão na mão. Não se trata de arqueologismo ou de simples vontade de voltar ao condrine dos primeiros séculos, mas de sensibilidade nova dentro de circunstâncias novas. A doutrina da presença real já estava bem estabelecida na Igreja, de modo que não havia perigo de negação do dogma. Com o concílio, a Igreja quis mostrar-se mais próxima do homem, e também apresentar uma imagem de Deus mais próxima. A comunhão na mão favorece a sensibilidade da proximidade, sem tirar em nada a sacralidade da Eucaristia. A Eucaristia é alimento espiritual, cujo sinal são as espécies do pão e do vinho, dos quais o homem se alimenta. E o alimento, tomamo-lo com a mão. No nível do sinal — o sacramento é sempre um sinal — é válida a analogia do alimento comum com o alimento eucarístico (que não é comum, mas tira sua força simbólica do alimento comum). Desde que não haja perigo de profanação ou de perda de fragmentos, não há problema nenhum em receber a comunhão na mão. Foi assim, neste contexto, que a Santa Sé concedeu aos bispos do Brasil em 1975 a faculdade de introduzir a distribuição da Eucaristia na mão. A nova praxe — que não é absolutamente nova, já que foi a praxe dos nove primeiros séculos da Igreja — foi ganhando espaço e hoje, pode-se dizer, é a praxe <i>de facto</i> “ordinária” da Igreja no Brasil na quase totalidade — senão na totalidade mesmo — de suas paróquias e comunidades. Então, dar a comunhão na mão não é arqueologismo, mas praxe introduzida num contexto novo e conforme a sensibilidade nova que emergiu do caminhar histórico da Igreja; praxe que se tornou de fato “ordinária”. Quando trabalhei numa paróquia em Roma (2012-2016), também ali a praxe era a de dar a comunhão na mão, o que mostra que não é uma coisa só do Brasil, mas está presente na própria diocese do Papa. </span></div><span style="font-family: helvetica; font-size: medium;"><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">2) O fiel tem o direito de receber a comunhão na boca. Este direito pode talvez encontrar restrições em casos especiais, como nas epidemias ou pandemias. É de fato um direito legítimo, pois foi a praxe ordinária da Igreja por séculos a partir do século IX, e consta como direito nos documentos da Igreja, que ainda a consideram a forma ordinária (embora já não o seja <i>de facto</i>). No entanto, vejo que seria ilegítimo valer-se deste direito para desabonar ou contestar a reforma litúrgica decorrente do Concílio Vaticano II. </div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">3) Mesmo sendo um direito do fiel receber a comunhão na boca, penso que alardear esse direito ou fazer reivindicações incisivas ou exageradas pode revelar uma falta de sintonia ou deferência com o caminhar histórico da Igreja. Nós não podemos viver absolutamente fora da sensibilidade do nosso tempo. Isso vale sobretudo para um católico, que deve procurar alinhar-se, de algum modo, com o sentir da Igreja de seu tempo, regida pelos pastores legítimos sob a condução suprema do Papa. A devida discrição e a humildade fazem parte da vida espiritual, mesmo quando se trata de reivindicar direitos na Igreja. A questão é ainda agravada se esse direito for usado para resistir ao Concílio Vaticano II ou à renovação que se lhe seguiu. Este concílio faz parte da série dos 21 concílios ecumênicos da Igreja. Negá-lo é algo grave para o católico. </div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">4) O bispo diocesano é o mestre da liturgia de sua diocese. Assim, como pastor, deve mostrar-se sensível com os novos tempos, sem trair em nada a substância da fé. Ele pode e deve dar orientações litúrgicas para a sua diocese tendo em vista a pastoral de conjunto, a renovação da Igreja querida pelo concílio e a praxe comum da Igreja do Brasil e do mundo. Ele não erra ao dizer que o modo comum de receber a comunhão na sua diocese é na mão, desde que não proíba (exceto em situações especiais) a comunhão na boca. </div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">5) Uma certa moda de reivindicar comunhão na boca e de joelhos pode ser fruto de movimentos tradicionalistas que tem surgido no Brasil e no mundo. Embora tenham os seus méritos, acontece que por vezes apresentam uma mentalidade estreita, descontextualizada e até contrária à renovação querida e pedida pelo concílio e pelos pastores na aplicação do concílio. Esses movimentos reagem a uma onda secularizante e imanentista que desvirtua a fé, mas muitas vezes se deixam levar por estreiteza de mente e rigidez sem sentido.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><br /></div><i><div style="text-align: left;"><i>Pe. Elílio de Faria Matos Júnior</i></div><div style="text-align: left;"><i>Arquidiocese de Juiz de Fora</i></div></i></span>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-37642654837507671852023-07-05T11:20:00.004-03:002023-07-05T11:20:22.354-03:00Teologia e caridade A teologia deve conduzir à vida de caridade. A caridade é o elo de união do homem com Deus e dos homens entre si. Trata-se de uma união marcada pelo dom, pelo maravilhamento, pela gratuidade ou pela vivência da bondade do ser. <br /><br />O ser é, antes de tudo, o ser de Deus. Mas o ser de Deus é participado pelo ser das criaturas. Esse ser é mistério de luz e gratuidade. O mistério que caracteriza o ser não é algo indecifrável, cujo conhecimento é proibido, ou decifrável apenas por algum artifício ou esperteza reservada a alguns. Não se trata de enigma. O mistério é a grandeza do ser. É sua inefabilidade ou ‘não dizibilidade’ pelos simples conceitos e palavras humanas. <br /><br />O ser é luz abundante e inesgotável que não pode ser toda contida em limitados meios de recepção ou expressão. O mistério do ser é muito mais vivido do que teorizado em raciocínios. A inteligência do ser é fundamental, pois o homem é inteligente e o próprio ser é verdadeiro, é correspondência com a inteligência. No entanto, só a inteligência divina compreende perfeitamente o ser e o diz em um único verbo. Nossa inteligência humana o balbucia, e mais se aproxima de sua compreensão quando, ajudada pelo raciocínio, vai além do raciocínio e se entrega à contemplação daquilo para o qual o raciocínio aponta como sua Fonte ou seu Desaguar. A inteligência, contemplando o ser, recebe-o, e, maravilhada pela sua grandeza, entrega-se a ele; o espírito faz-se dom ao ser a partir do dom que lhe faz o ser. Acolhimento do ser e consentimento ao ser. <br /><br />Na contemplação, a inteligência se faz amor, caridade — repouso no bem, êxtase, experiência da gratuidade. O discurso teológico sempre deve tender para esta meta.<br />Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-79974319472491777822023-06-29T19:45:00.003-03:002023-06-29T19:45:51.924-03:00Justificação racional da crença em Deus<p>A crença em Deus não deveria cair no fideísmo. Deve haver alguma justificativa racional para tal crença, já que a mais nobre faculdade humana é a inteligência ou a razão. O homem não pode crer contra a inteligência. A Igreja sempre incentivou o conúbio de fé e razão e sempre condenou o fideísmo. <br /><br />A crença em Deus é justificada racionalmente em vários níveis:<br /><br /></p><p>- Quando tal crença não se afigura como absurda ou infantil aos olhos da inteligência bem cultivada. </p><p><br />- Quando tal crença não se impõe somente pela força de uma tradição ou de um livro considerado sagrado ou somente por conveniência psicológica ou social. <br /><br />- Quando tal crença corresponde a uma convicção, ao mesmo tempo básica e refletida, ainda que esta convicção não saiba explicitar-se em demonstrações formais. <br /><br />- Quando tal crença goza do apoio da filosofia por meio de demonstrações da existência do Absoluto transcendente, não material nem simplesmente imanente aos dados mutáveis do psiquismo ou das necessidades sociológicas. <br /><br />- Quando o homem pode ver e experienciar que, acima da razão, há uma Luz imutável que acende a própria luz da razão. Este é o nível filosófico-experiencial da justificação de Deus, a meu ver o mais elevado nesta vida.</p>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-89494996302157780022023-03-29T07:08:00.004-03:002024-03-18T21:13:07.720-03:00A Luz que acende a luz <div><br /></div><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgw1WB0d54NX3LzEg18fA0GpFzgrlvz_Nw38GyvzbDOPXIfWRnV-gRqXr8NZrbaIhDMaIHsg12l2PvZGPJfVQCoL4AE-IAYPoNpLmJesfnapGdD2K-d-6epDBPVJ22eP4L3pKImACJJrYIszqqnW6Cs4w2eUUDZi4YW2K8nCaKxsYaSPZVOr1fA08PnHA/s301/787387EB-B60F-4D54-89E2-88D4D93D0342.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="167" data-original-width="301" height="167" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgw1WB0d54NX3LzEg18fA0GpFzgrlvz_Nw38GyvzbDOPXIfWRnV-gRqXr8NZrbaIhDMaIHsg12l2PvZGPJfVQCoL4AE-IAYPoNpLmJesfnapGdD2K-d-6epDBPVJ22eP4L3pKImACJJrYIszqqnW6Cs4w2eUUDZi4YW2K8nCaKxsYaSPZVOr1fA08PnHA/s1600/787387EB-B60F-4D54-89E2-88D4D93D0342.jpeg" width="301" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Agostinho, além de filósofo e teólogo, foi místico. </td></tr></tbody></table><br /><br /> Deus está na dimensão mais profunda (e mais alta) da alma. Trata-se daquela dimensão pela qual a alma pode ver o que vê. <div><br /></div><div>Se a alma vê (a consciência é um campo de visão espiritual), ela só pode ver porque é iluminada por uma Luz. A alma tem luminosidade com a qual ilumina as coisas, concebendo ideias e palavras. Mas o fundamento desta luminosidade é a Luz inefável pela qual a luminosidade existe. A respeito das ideias transcendentais, a alma não as julga, mas é julgada por elas. Tais são as ideias, por exemplo, de harmonia, perfeição e, em última análise, as ideias de verdade e de ser, de máxima transcendentalidade. Tais ideias decorrem da Luz de que a alma não dispõe, Luz que, ao contrário, dispõe da alma. S. Agostinho se referia a esta Luz que acende a própria luminosidade da alma nestes termos: <br /><br />“Reconhece, portanto, o que é a suprema conveniência: não te dirijas para fora, regressa a ti mesmo; no homem interior habita a verdade; e, se deparares com a tua natureza mutável, ultrapassa-te a ti próprio. Mas recorda que, quando te ultrapassas, transcendes a alma racional: inclinas-te, portanto, para onde o próprio lume da razão se acende. De fato, onde chega todo aquele que faz um bom uso da razão, a não ser à verdade? A verdade certamente não se alcança a si própria raciocinando, mas ela própria é aquilo que desejam os que raciocinam. Aí verás uma conveniência à qual nenhuma outra se sobrepõe, e tu próprio procuras estar em acordo com ela. Confessa que tu não és o que ela própria é: pois de fato ela não se procura a si própria; tu, porém, procurando-a, alcançaste-a – não através de lugares espaciais, mas com o afeto da mente –, a tal ponto que o próprio homem interior entra em concordância com aquele que o habita, não por meio do prazer ínfimo da carne, mas pelo supremo e espiritual prazer” (<i>De uera religione</i>, 39, 72).<br /><br />Como esta Luz incriada, que é Deus, é a condição última de possibilidade de toda ideia ou palavra da alma, ela mesma está acima de qualquer ideia ou palavra que a alma humana possa conceber. Por isso, o silêncio contemplativo é a grande atitude diante da Luz inefável, e isso é causa de suprema alegria espiritual!</div><br />Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-20576688311398732532023-03-23T11:10:00.001-03:002023-03-23T11:10:03.685-03:00Criação dinâmica O homem antigo e medieval tinha uma visão do universo que era, em suma, estática. Atualmente, sabemos que o dinamismo ou a contínua transformação é a grande marca de tudo o que existe. Estrelas estão se formando agora, ao passo que outras estão se apagando. As galáxias se afastam umas das outras, e o universo se expande. Se se expande, era menos extenso no passado, o que permite aos cientistas calcular o tempo do início ou da grande explosão (Big Bang) que teria originado a <i>dança cósmica</i> de que hoje temos conhecimento: há cerca de 13,7 bilhões de anos, tudo o que hoje existe estaria concentrado num pequenino ponto. O próprio tempo tem a sua história, como disse o grande físico Stephen Hawking (1942-2018), pois que só começa a existir com a explosão inicial. O tempo não é sempre o mesmo, mas muda em entrelaçamento visceral com o espaço, que, por sua vez, não é o quadro vazio em que estão as coisas, mas algo que se curva ou se contorce. Por falar em tempo, o velho S. Agostinho já sabia que ele não existe como uma grandeza autônoma: ele é cocriado com a criação do mundo. <br /><br />Se olhamos a vida, vemos também dinamicidade e história. O consenso dos cientistas afirma que as formas de vida que conhecemos hoje vêm de outras formas do passado, num processo que nos levaria a uma forma primitiva que terá sido como que a tocha inicial, cujo fogo vital se tem propagado e diversificado em muitas outras tochas. <br /><br />Se fôssemos falar de física quântica, veríamos também uma marca muito singular de movimento, dinamicidade e possibilidade – de criatividade até – nos níveis mais ínfimos da matéria e da energia.<br /><br />Esse olhar proporcionado pela ciência impulsiona a filosofia e a teologia a refletir. Como seres pensantes e crentes, o que isso nos diz? Que significa pensar um mundo feito de dinamismo constante, arranjos e rearranjos, novidades e possibilidades?<br /><br />Pela filosofia (ao menos a filosofia que creio correta), sabemos que antes de todo o movimento, existe o Imóvel; como fundamento de toda potencialidade, existe o Ato Puro ou a Plenitude originária. A teologia se serve deste dado da filosofia para dizer que o problema de Deus ou do Fundamento transcendente do mundo não é uma questão de fé cega, mas uma questão séria, que solicita o raciocínio e a inteligência humana.<br /><br />A teologia sabe que Deus ama, cria, redime e conduz a criação à meta definitiva, “para que Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,28). Sendo o mundo tão dinâmico, poderíamos dizer que Deus cria constantemente, não só conservando no ser aquilo que tirou do nada, mas impulsionando o mundo a se arranjar de maneira sempre nova. O ponto alto da obra de Deus é o espírito criado, pelo qual o mundo se reconhece chamado a desaguar no Mar divino, que é também a Fonte que lhe deu origem. O itinerário de retorno da criação a Deus se cumpre com especial participação do ser humano, que, em seu vigor espiritual, tem uma capacidade extraordinária de encontrar meios para superar desafios, reinventar-se e criar vida, até mesmo a partir de situações de morte. No espírito humano sopra o Espírito eterno, o mesmo que deu à nossa história o incomensurável presente que foi Jesus de Nazaré, o Filho que o Pai apresenta ao mundo para iluminá-lo, guiá-lo e salvá-lo.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br />Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-41546996885602035652023-03-14T21:56:00.018-03:002023-03-15T20:17:50.836-03:00A prioridade do Sentido radical<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-nhN4kGSznUSylxz9W1-a248-OFex3_COnweiDthKdhk7m5P5LgM7Ygs1S-ew7fuG-VV7MUs1dDKwM9al7jfUXopF9Y98km8bU5B79aO_RB3EP6MVUpNFXw2WFqZtfiPgvW8qAiSJMp2_1WeIGbfYgpkeFey7WhwYqEBF0DizVwB044q2oPC80WtS-Q/s454/LUZ%20ETERNA%20II.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="340" data-original-width="454" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-nhN4kGSznUSylxz9W1-a248-OFex3_COnweiDthKdhk7m5P5LgM7Ygs1S-ew7fuG-VV7MUs1dDKwM9al7jfUXopF9Y98km8bU5B79aO_RB3EP6MVUpNFXw2WFqZtfiPgvW8qAiSJMp2_1WeIGbfYgpkeFey7WhwYqEBF0DizVwB044q2oPC80WtS-Q/s320/LUZ%20ETERNA%20II.jpeg" width="320" /></a></div><div><br /></div>A Palavra é eterna; é Deus (cf. Jo 1,1). Acreditar em Deus significa reconhecer a prioridade do Sentido. A Palavra, que é Deus, é o Sentido ou a Razão originária. É a Luz verdadeira que ilumina todo homem (cf. Jo 1,9). Há quem acredite que o não-sentido seja prioritário ou que as trevas precedam a luz. O mundo teria vindo do caos ou da combinação de fatores meramente aleatórios. No entanto, quem sustenta a prioridade da desordem ou da pura casualidade, deve tirar a consequência de que a razão humana vem do não-racional, e a consciência, da não-consciência. Assim, o sentido que o homem consegue expressar viria do não-sentido radical. A palavra humana viria da absoluta não-palavra. Mas aqui se mostra uma incongruência: o caos, o não-sentido ou a não-razão inicial só podem ser explicados pela força da palavra e da razão, o que equivale a dizer que o não-sentido só se mostra como tal se é colocado no horizonte mais amplo do sentido, o que nos remete para a anterioridade radical do Sentido. O horizonte do sentido é a condição de possibilidade da concepção e expressão de qualquer pretenso não-sentido, que é sempre um conteúdo de sentido que aparece no amplo horizonte de sentido. O amplo horizonte de sentido se mostra como grandeza transcendental. Essa anterioridade e transcendentalidade do sentido no homem faz referência, em última instância, ao Sentido radical, que é a Palavra eterna que se faz presente, de alguma maneira, em todo sentido concebido e expresso pelo espírito finito. <br /><br />Veja-se o que diz o grande filósofo brasileiro Henrique Cláudio de Lima Vaz: “[...] na experiência do Sentido radical, estamos diante de uma presença analógica (na acepção rigorosamente filosófica do termo) que torna possível o desvelamento de toda a presença particular. Com efeito, nenhuma presença particular pode, por definição, ocupar o campo total do sentido. Por isso mesmo o Sentido radical, como presença onipresente, é rigorosamente transcendente à toda presença particular. E como as presenças particulares não se somam numa totalidade de sentido, o Sentido radical é a um tempo presente e absolutamente transcendente. No entanto ele não é inexprimível ou inefável e eis porque podemos falar de uma experiência de Deus. Em toda a linguagem dotada de sentido em que uma realidade é dita, a presença de Deus é igualmente dita, vem a ser, a experiência de Deus tem lugar na forma especificamente humana do discurso. Se quisermos exprimir a mesma coisa <i>per viam negationis</i>, diremos que a experiência de Deus é experiência da impossibilidade de uma linguagem do <i>absurdo radical </i>do ser. Ela transpassa literalmente (<i>empeiría</i>) a existência inteira do homem na medida em que existir humanamente é existir <i>logicamente</i>: é produção incessante de sentido” (<b>Escritos de filosofia I: Problemas de fronteira</b>. 2.ed., São Paulo, Loyola, 1998, p.252-253).<br /><br />Quando tomamos consciência de que estamos num horizonte marcado pela presença transcendental e transcendente do Sentido radical, então podemos fazer a experiência reflexa do vínculo incancelável da Palavra eterna com nosso espírito humano. A presença do Sentido radical é <i>transcendental</i> porque funda no homem o amplo horizonte de sentido ou a condição de possibilidade da afirmação de todo sentido particular, que é também a condição suprema da impossibilidade de um absurdo radical. É também <i>transcendente</i> porque é a presença da Luz absolutamente primeira que nos ultrapassa. Não podemos dizer o absurdo radical porque o sentido é anterior a qualquer pretenso absurdo. Todas as vezes que queremos afirmar a anterioridade do absurdo, somos negados em nossa pretensão. Ninguém pode afirmar o absurdo (negar o sentido) a não ser colocando a afirmação dentro de um quadro mais amplo de sentido, assim como ninguém pode negar a verdade a não ser afirmando que a negação da verdade é verdadeira e, por conseguinte, estabelecendo a prioridade da verdade sobre toda pretensão de negação da verdade. A Luz incriada sempre nos banha com sua claridade e nunca nos deixa cair na escuridão total. A Palavra eterna nos sustenta e não nos permite cair no absurdo radical. Resta voltar-nos cada vez mais conscientemente para essa Fonte inesgotável de luz e experimentar a alegria indizível de pertencer ao Sentido. Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-30359256342304785212023-03-13T10:28:00.006-03:002023-03-13T12:30:20.721-03:00E o fim do mundo?<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijN5tafoywW2UbrO6RlpxqjDEh0ovztLt3eB-ue1NkM0dO9EwP1-XCqXVBH5CB-TlmIA4FMCP_VG9talbAghnCVWKn5vy4N_cQ-gRdz5UQj2CAsOuZZFPBffHGu76YGLGfe7pHIXugaos0JYBQohPXME3QWZFQaKnXt8VxoAl9Y7pX2-AMW4hSeJvCYg/s1500/Banner-O-que-e%CC%81-Escatologia-1.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1500" height="230" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijN5tafoywW2UbrO6RlpxqjDEh0ovztLt3eB-ue1NkM0dO9EwP1-XCqXVBH5CB-TlmIA4FMCP_VG9talbAghnCVWKn5vy4N_cQ-gRdz5UQj2CAsOuZZFPBffHGu76YGLGfe7pHIXugaos0JYBQohPXME3QWZFQaKnXt8VxoAl9Y7pX2-AMW4hSeJvCYg/s320/Banner-O-que-e%CC%81-Escatologia-1.jpeg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Porque a figura deste mundo passa" (1Cor 7,31).</td></tr></tbody></table><div><br /></div>Que o mundo natural, tal como está hoje configurado, encontrará um fim, é uma verdade para a qual nos aponta a ciência. O nosso sistema solar teve início e terá um fim. Daqui a alguns bilhões de anos, o nosso Sol se transformará em uma gigante vermelha e simplesmente destruirá a Terra. <br /><br />No entanto, quando falamos do fim escatológico ou teológico, não estamos falando do fim segundo critérios meramente naturais ou científicos. Antes, estamos falando de uma meta — a meta do universo criado segundo Deus. O fim escatológico é a meta teológica da criação. Deus cria para salvar e para levar à plenitude a sua obra. Todo o universo receberá uma nova configuração de Deus. <br /><br />Muito já se especulou sobre quando se daria esse fim escatológico. Querer determinar o tempo do fim é pura perda de tempo, pois que o dia e a hora pertencem unicamente à ciência de Deus (cf. Mc 13,12; Mt 24,36; At 1,7). Muitos se fixam numa leitura fundamentalista da Bíblia e acabam cometendo grandes enganos a respeito desse assunto. <br /><br />Na verdade, o mundo está sempre se modificando, de modo que temos sempre fins, metas provisórias atingidas ou não atingidas e reinícios. Além disso, as catástrofes, guerras e maldades que marcam a história desde sempre estão a indicar que a verdadeira paz - a paz plena tanto almejada e esperada - não pertence exatamente à configuração atual do mundo. No mundo há inúmeras coisas boas acontecendo. O milagre da vida e da consciência, por exemplo, apareceu no nosso pequeno planeta, e isto é causa de grande admiração para todos! Do valor inestimável da vida e da consciência, decorre nosso dever de defendê-las e promovê-las. No entanto, as limitações e o mal presentes no mundo nos fazem esperar algo superior. Somos levados a essa esperança em virtude da luz do Bem que ilumina o profundo de nossa alma. <br /><br />Corroborando nossa inclinação natural à esperança maior e dando-lhe feições mais concretas, a tradição bíblica e Jesus nos convidam a reconhecer que Deus levará a termo a sua obra e que haverá novos céus e nova terra (cf. Is 65,17; 2Pd 3,13; Ap. 21,1). Não é por acaso que a Escritura muitas vezes assume o gênero literário apocalíptico para falar da esperança maior, que advém da certeza da nossa fé. O gênero apocalíptico, presente em trechos do livro de Daniel, das epístolas paulinas, dos sinóticos e do livro do Apocalipse, usa símbolos e imagens chocantes de conturbações político-sociais e de conflagração cósmica para incutir a ideia da provisoriedade e incompletude da realidade atual do mundo injusto e para abrir o horizonte de nossa visão para a realidade de um mundo novo e superior que há de vir. Trata-se de textos cujas imagens são indicativas, não descritivas, não devendo ser interpretadas ao pé da letra. <br /><br />A configuração atual do mundo cederá à uma nova e definitiva configuração. No evento real da ressureição de Jesus, a novidade de Deus já se mostrou como início e penhor de transformação de toda a criação. Quando cada um de nós morre, acontece que se passa para uma nova dimensão da realidade. Assim, a escatologia já acontece para cada pessoa que deixa definitivamente este mundo. Mas esperamos também uma grande transformação que atingirá o universo inteiro, uma escatologia cósmica e universal, que será o arremate final feito por Deus na sua obra. Para todos nós que nos abrimos com sinceridade a Deus, o discurso escatológico é de grande esperança, pois nos promete a participação no novo mundo, em que Deus fará sua morada com os homens e enxugará definitivamente toda lágrima (cf. Ap 21). Essa esperança maior não deve fazer-nos cair na acomodação no tempo presente. Toda obra boa e justa neste mundo antecipa, de algum modo, o futuro de Deus, que é também nosso, e nos prepara para o grande encontro com a Beleza infinita. <p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm;"><span style="color: #292929; font-family: "Times New Roman", serif;"> </span></p>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-69050108927487037052023-03-02T14:37:00.010-03:002023-03-02T19:59:35.660-03:00Sentidos da Escritura<br /><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyc_bTlKMCVGgoq3vp7Z8TaRKpIOL73OOsqQeI8mZMNK5ArhZeHX7V0FN3svQY50onNWvpm1fmRuWeUq3RRjTZjkR5Nb9qtyaTgGMV_Tjjt7J2epulqMmdjCHr8N8k6A9kq-YQ85XXeDjWJeTYcpFth_DDFa-hVlGwIyvBRQthmFkbnRuEwhoGZ2RZcw/s1280/escritura.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyc_bTlKMCVGgoq3vp7Z8TaRKpIOL73OOsqQeI8mZMNK5ArhZeHX7V0FN3svQY50onNWvpm1fmRuWeUq3RRjTZjkR5Nb9qtyaTgGMV_Tjjt7J2epulqMmdjCHr8N8k6A9kq-YQ85XXeDjWJeTYcpFth_DDFa-hVlGwIyvBRQthmFkbnRuEwhoGZ2RZcw/s320/escritura.jpeg" width="320" /></a></div><br /></div><div> A tradição nos ensina que se pode ler o texto bíblico para além do seu sentido imediato. Além do sentido literal (<i>sensus litteralis</i>), há o sentido espiritual (<i>sensus spiritualis</i>). O sentido espiritual desdobra-se, por sua vez, em sentido alegórico, moral e anagógico. <br /><br />O sentido literal não deve ser confundido com o sentido literalista, próprio das leituras fundamentalistas. O fundamentalismo bíblico não lê o texto no seu contexto, não se vale de boa exegese nem de mediação hermenêutica. Desconhece os gêneros literários e confunde muitas coisas, assumindo, às vezes, como histórico o que de fato não o é. Os onze primeiros capítulos da Bíblia, por exemplo, não tratam de historiografia. Na Bíblia há, sem dúvida, relatos de alcance verdadeiramente histórico, mas é preciso distinguir uma elaboração teológica (que é verdadeira no seu nível próprio) de um relato propriamente histórico. Muitas vezes também o texto bíblico traz um fundo histórico com elaboração teológica por cima. O sentido literal autêntico é o sentido que o autor humano quis dar ao texto ou que lhe foi possível dar. Como a Bíblia tem autoria divina e humana, a mensagem divina passa pelo sentido visualizado pelo autor humano. Assim, é imprescindível buscar o sentido intencionado pelo autor humano no seu contexto histórico-cultural e circunstâncias próprias. No entanto, nem sempre é fácil atingir esse sentido. Por isso, a exegese bíblica é uma ciência muitas vezes árdua. Como quer que seja, a Igreja tem a sua palavra de autoridade sobre passagens bíblicas fundamentais. Como pessoas de fé, lemos a Bíblia com a Igreja. <br /><br />O sentido espiritual da Escritura justifica-se pelo plano global de salvação revelado por Deus e proposto pela Igreja, cujo sentido é fundamentalmente espiritual e transcendente. Santo Tomás de Aquino insistiu em que o sentido espiritual deve, de alguma maneira, derivar do sentido literal e ser regulado por ele, para que se evitem imaginações descabidas em torno do texto. </div><div><br />Desdobrando o sentido espiritual, o sentido alegórico procura a verdade mais ampla para a qual o texto pode apontar, relacionada à economia da salvação definitiva em Cristo. Personagens e acontecimentos são tomados como figuras de realidades superiores. É assim que a passagem do Mar Vermelho pode ser lida como figura da nossa passagem pelas águas do batismo. Adão é visto como figura de Cristo, novo Adão. Do mesmo modo, o relato da Arca de Noé pode ser lido como uma figura dos tempos da Igreja, que é como uma arca de salvação. Ainda: os relatos das multiplicações de pães e peixes por Jesus, além do seu sentido literal, aponta também para um sentido espiritual. A tradição da Igreja viu no milagre do pão multiplicado a figura do sacramento da Eucaristia, que é o Pão de Deus para a vida do mundo. Participando do mesmo Pão no sacramento, tornamo-nos um mesmo um mesmo corpo – o Corpo sacramental de Cristo faz o seu Corpo eclesial. </div><div><br /></div><div>Com o sentido moral procura-se identificar como o cristão deve agir. Um exemplo pode ser o relato da mulher de Ló, que, instada a não olhar para trás, desobedeceu e transformou-se numa estátua de sal. Isso sugere que se deve olhar para frente, para o futuro de Deus que nos liberta, já que olhar para trás ou ficar preso no passado pode paralisar a vida. </div><div><br />O sentido anagógico é aquele que diz respeito à grande meta para a qual nos dirigimos, a ascensão do nosso espírito para Deus e a nossa eternidade em Deus. Assim, a Igreja ou a comunidade cristã pode ser vista como imagem da Jerusalém celeste.<div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div></div><div>Um dístico medieval procura sintetizar os sentidos da Escritura:</div><br /><i>“Littera gesta docet, quid credas allegoria.<br />Moralis quid agas, quo tendas anagogia.”</i><br /><br />“A letra ensina-te os fatos (passados); a alegoria, o que deves crer; a moral, o que deves fazer; a anagogia, para onde deves tender.”<br /></div><br />Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-15696797679360341722023-02-26T05:15:00.007-03:002023-02-27T00:38:58.137-03:00A vontade deficiente e ativa. O mundo humano e o demoníaco <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxv5j20FEeYzOj2L1e5UpAR5gMbbSUUQ8_GvOoo4h5OCkohbCiCEXsJthfjKd4nEgKJu5DEYBZlk1o86XD-y3i_DgTKOtfKoOSLCSjb7B1LabpmIgxLFFqJllpEBseL3PsXL1i5Sz7a--uoH2-ggOMJmimM-P1v3y4hWzLniOvwOP8b08MNz5ZCAcHDw/s554/15259554-819D-4A51-AA56-E049F470A616.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="554" data-original-width="554" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxv5j20FEeYzOj2L1e5UpAR5gMbbSUUQ8_GvOoo4h5OCkohbCiCEXsJthfjKd4nEgKJu5DEYBZlk1o86XD-y3i_DgTKOtfKoOSLCSjb7B1LabpmIgxLFFqJllpEBseL3PsXL1i5Sz7a--uoH2-ggOMJmimM-P1v3y4hWzLniOvwOP8b08MNz5ZCAcHDw/s320/15259554-819D-4A51-AA56-E049F470A616.jpeg" width="320" /></a></div><div><br /></div>O mal aparece na nossa vida não apenas como ausência simples ou passiva do bem, mas também como um poder – uma eficiência – que corrompe, causando ativamente a privação do bem e, com ela, a dor e o sofrimento. Não que o mal em si mesmo possa ser algo subsistente. Agostinho e toda a tradição filosófico-teológica cristã sempre mostraram que o mal é ausência de bem. No entanto, a vontade criada, que em si mesma é boa, pode atuar de modo deficiente e, assim, promover ativamente o mal ou a desordem. Sendo Deus o Bem subsistente, nossa salvação consistirá sempre em nos abrir à sua presença e atuação. Diante de Deus, o mistério do mal não tem poder.<br /><br />A vontade deficiente causadora do mal pode ser humana ou não humana. Como humanos, sabemos bem como uma vontade humana deficiente (orgulhosa, soberba, fechada ao Bem, não amorosa) pode causar grandes males. A tradição cristã afirma a existência de anjos e demônios. Trata-se de criaturas espirituais não humanas, dotadas de uma capacidade intelectual superior. Diante da escolha decisiva a que foram submetidos, os anjos optaram por Deus e os demônios, contra. O que faz do anjo uma criatura boa é a sua vontade boa, que aderiu a Deus e o recebeu como Dom. O que faz do demônio uma criatura má é a sua vontade má, que recusou a Deus. Veja-se que o demônio é uma criatura de Deus, em si mesma boa, mas que se tornou má pela vontade má ou deficiente. Ontologicamente, o demônio é bom. Moralmente, tornou-se mau pelo orgulho e pela soberba. O pecado de um demônio, que não têm inclinação sensível por ser puro espírito, não poderia estar relacionado à fraqueza, como em geral acontece com o homem, mas, sim, à plena deliberação: a recusa clarividente do Dom divino por uma vontade soberba e orgulhosa. <br /><br />A tradição fala de inúmeros demônios e do seu líder Satanás ou Diabo. As Escrituras não oferecem muitos dados. O Antigo Testamento não tem demonologia desenvolvida, nem mesmo conhece propriamente o conceito de demônio. Às vezes os deuses falsos dos pagãos, dos quais também se diz que não existem ou que são mera aparência, são tidos como demônios. No livro de Jó, Satã aparece como figura literária que tem pleno acesso à coorte celeste, mas que mostra uma vontade má em relação aos homens. O Novo Testamento supõe um desenvolvimento da demonologia em Israel acontecido depois do exílio da Babilônia, sobretudo no período intertestamentário (Satanás ou Diabo passa a ser visto como o arquidemônio ou o principal inimigo de Deus), e dá destaque à atuação dos demônios, mas não entra em questões aprofundadas sobre sua origem, natureza e queda. Jesus é apresentado em luta contra os demônios depois de ter vencido as tentações do Diabo. Alguns teólogos atualmente, com boas razões, pensam que a existência dos demônios não faz parte intrínseca da Revelação, mas se deve a uma cultura que ficou no passado. No entanto, a Igreja, ainda hoje, sustenta a doutrina tradicional. <br /><br />Na arte e na religiosidade popular, Satanás e os demônios têm sido imaginados e representados de diversos modos. A imaginação é rica, exuberante e, muitas vezes, objetivamente falsa. O ensinamento oficial da Igreja, por sua vez, é sóbrio sobre o tema. Os textos do magistério eclesial falam de potências espirituais não humanas, criaturas decaídas, contrárias a Deus e à salvação dos homens, mas os pastores e os mestres cristãos sempre convidaram a todos a colocar a atenção e o coração em Deus, de cuja providência nada fica fora, nem mesmo a ação demoníaca. <br /><br />Não se quer negar <i>a priori</i> a ação nefasta dos demônios no mundo, mas hoje se sabe que muito do que se atribuía a tal ação, como doenças e, sem dúvida, muitos relatos de obsessões e possessões, são casos explicáveis naturalmente, com os recursos modernos da psicologia, da psiquiatria e da parapsicologia, ramo de saber que procura afirmar-se e oferece interessantes explicações com base em potências extraordinárias da alma humana. Tudo o que pode ser explicado naturalmente, sem recorrer a forças de outro mundo, deve ser assim explicado. É preciso sobriedade e prudência. Como quer que seja, grandes santos falam de suas próprias lutas espirituais contra poderes demoníacos. <br /><br />A fé cristã, embora reconheça a ação do mal, confia em Deus e descansa o coração nele. Como reconhecia um antigo Santo Padre, por causa da vitória de Jesus o demônio é um cão acorrentado — pode ladrar muito, mas só morde a quem se lhe chega perto.<br />Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-10602849719345586052023-01-25T23:02:00.006-03:002023-03-03T23:40:00.647-03:00Quem és tu, ó homem?<br /><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLH0i6NQiIPlbaSenI7w3Nslze8jmKBTXdjEw4Cwu7YLT02obD44Vhg1-ubkDx4xesUNZH_xxKku6CLiutC9VOrCcsi8er7YKHSdQYTJFj1jTYGq5sMpiRoNnAOyHdJuBC5UmK0Rrwj0DH5Z-h5d2hST0oEWMHikzd5LtquNOnfaqYtnRAo6eFQcvDjg/s1080/Vitruviano.webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLH0i6NQiIPlbaSenI7w3Nslze8jmKBTXdjEw4Cwu7YLT02obD44Vhg1-ubkDx4xesUNZH_xxKku6CLiutC9VOrCcsi8er7YKHSdQYTJFj1jTYGq5sMpiRoNnAOyHdJuBC5UmK0Rrwj0DH5Z-h5d2hST0oEWMHikzd5LtquNOnfaqYtnRAo6eFQcvDjg/s320/Vitruviano.webp" width="320" /></a></div> <div><br /></div>O homem conhece. Com os últimos progressos do saber científico, muitas coisas outrora ocultas têm sido desveladas ante seus olhos maravilhados. O nosso conhecimento do Universo, tanto em nível macrofísico quanto em nível microfísico, é admirável. Sabemos, como nunca, como funciona o mundo e o nosso organismo biológico, e avançamos no conhecimento de nossa psicologia. No entanto, todo o cabedal de conhecimento que temos adquirido revela também a face misteriosa do ser. O mundo material não está totalmente iluminado pelos raios de nossa ciência. Fala-se de grande proporção de matéria e energia escuras, de indeterminação quântica e de muitas outras coisas que desafiam a nossa busca do conhecimento. Há quem negue o realismo das ciências, reduzindo-as a um saber paradigmático que fala mais da construção teórica dos cientistas do que da constituição real das coisas. Como quer que seja, para além do saber científico, de cujas grandezas e limites hoje somos bastante conscientes, existe o estupor metafísico. <i>O ser é!</i> A gratuidade do que existe eleva ainda mais o senso do mistério. Leibniz formulou a grande questão, vulgarizada depois por Heidegger: <i>Por que algo existe ao invés do nada?</i> Na verdade, o nada não pode existir, de modo que é necessário que o Ser seja! Se algo existe, Algo sempre existiu! Mas nos admira a existência do ser contingente, do ser que poderia não existir. Que gratuidade é esta?</div><div><br />Se o ser em geral encerra um grande mistério para o homem, a grande questão que se lhe coloca é, sem dúvida, a da sua própria existência como espírito no mundo – <i>Geist in Welt</i>, como dizia Karl Rahner. <i>Que é o homem? </i>Dada a sua subjetividade espiritual, que não permite nunca ser totalmente objetivada, o homem não é um <i>que</i>, mas um <i>quem</i>. Assim, a pergunta mais exata é: <i>Quem é o homem?</i><br /><br />Certamente o homem poderá colher mais abundantes frutos do autoconhecimento do que do conhecimento da os objetos. Acontece, porém, que o conhecimento dos objetos lhe possibilita o autoconhecimento. O homem, de algum modo, conhece-se no conhecer os objetos. Ele pode captar-se, de alguma maneira, no captar os entes. Como dizem os tomistas, ele é capaz de <i>redire in seipsum reditione completa</i> – voltar-se para si mesmo por uma reflexão completa. Depois de conhecer as coisas, ele pode conhecer-se como conhecedor. Conhecendo um objeto, ele se apreende como sujeito. Ao voltar-se para si, toma consciência da própria subjetividade que não pode ser totalmente objetivada. Ao objetivar o conhecimento, inclusive o conhecimento de si, a subjetividade sempre se mantém irredutível como tal, pois que sempre está diante do objeto sem jamais deixar-se absorver por ele. A subjetividade é um centro originário de luz e de espontaneidade, de visão e de liberdade! Assim, o homem descobre-se como mistério inobjetável diante do mistério do ser; descobre-se como espírito!<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><br />Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-39309164426840879532023-01-24T11:33:00.008-03:002023-01-24T15:16:08.795-03:00E o mal que nos fere? <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5rhM9jGslW5qj_oOrpia7K14ZUoh__jEtmicsBbprRZpN4SOrgGlGI3q3BbH_B0yhlTTg7AX3m51I0SWWrIO7UFPv065FupYx7adXLiQhSFZPa72TCtNJfTUb1CEdggBYeLxfYZyTTO9FbWTTngTyVtFjtwzLHXO4vK4kPhrrJFxSy8ktkW2Sf39sqg/s268/Unknown.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="188" data-original-width="268" height="188" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5rhM9jGslW5qj_oOrpia7K14ZUoh__jEtmicsBbprRZpN4SOrgGlGI3q3BbH_B0yhlTTg7AX3m51I0SWWrIO7UFPv065FupYx7adXLiQhSFZPa72TCtNJfTUb1CEdggBYeLxfYZyTTO9FbWTTngTyVtFjtwzLHXO4vK4kPhrrJFxSy8ktkW2Sf39sqg/s1600/Unknown.jpeg" width="268" /></a></div><p></p><br />O sofrimento é o grande escândalo, principalmente quando atinge o frágil e o inocente. Muitos veem no mal o grande empecilho para acreditar num Deus criador bondoso. <br /><br />Santo Agostinho (354-430) iluminou o enigma do mal do ponto de vista metafísico. Valendo-se do pensamento neoplatônico, viu que o mal não pode ser algo substancial, mas é a carência do bem (<i>privatio boni</i>). Do ponto de vista metafísico, tudo o que existe é bom, até mesmo o mais ínfimo dos entes, pois existir, ainda que na última escala do ser, é infinitamente superior ao nada. Existência e bondade são inseparáveis. A existência de um princípio do mal seria contraditória. O que chamamos de mal é uma privação no ser. Assim, em Deus, sumo Ser, não pode haver nenhuma carência; ele é o sumo Bem, sem nenhuma sombra de maldade. O mal é metafisicamente possível nos entes finitos justamente por causa da finitude, pela qual são ameaçados pelo nada. Não no sentido de que o nada possa ameaçar, já que o nada não existe, mas porque, não sendo a Plenitude, tais entes estão sujeitos à falta em seu ser e em seu agir.<br /><br />Santo Tomás de Aquino (1225-1274) insistiu no ponto de que o mal não é qualquer carência de ser, mas a carência do ser devido. Assim, a carência do sentido da visão na pedra não é um mal, pois não compete à natureza da pedra ver, mas no homem a cegueira é, sim, um mal, pois à natureza deste convém a visão. Há o mal físico, que diz respeito à privação de alguma coisa na natureza do ente ou na sua atuação não livre, e o mal moral, que se dá quando o agir moral – isto é, o agir consciente e livre – é privado do bem que deveria ser posto pelo livre arbítrio. <br /><br />Apesar desse entendimento em nível metafísico, o problema do mal não fica resolvido. O mal nos machuca e nos faz sofrer. S. Agostinho dizia que o mal fere e prejudica (<i>malum nocet</i>). E mais: se Deus é bom e poderoso, por que permite o mal? Há, sem dúvida, um grande mistério que envolve a questão. No entanto, alguma coisa pode ser dita a respeito. <br /><br />De um ponto de vista racional-reflexivo, pode-se dizer que Deus não pode criar a não ser entes finitos, que, por sua finitude, estarão sujeitos à carência. Se Deus cria, pode-se dizer que – perdoe-nos o leitor o antropomorfismo – assume o risco de colocar na existência entes essencialmente bons, mas passíveis de se corromper e de cair na falta, à semelhança dos pais que colocam uma criança na existência, apesar dos riscos e ameaças a que está submetida a vida no mundo. Deus só pode criar entes finitos cuja natureza traz a possibilidade da privação, mas criar é tão superior aos possíveis males, que Deus continua querendo correr o risco. Pode-se dizer ainda que Deus oferece continuamente a possibilidade de o ser humano superar os males pela força espiritual que lhe doa. Deus cria o ser humano como espírito, que é capacidade de transcendência, capacidade de tocar o Ser e o Bem: ultrapassando o espaço e o tempo, nós nos colocamos numa perspectiva superior ao quadro em que os males se dão, que é o quadro espácio-temporal. Das alturas do espírito, temos condições de ver e agir de maneira nova. Há uma notável diferença entre dor e sofrimento. A dor será inevitável, mas o sofrimento poder ser diminuído ou pode até cessar se conseguimos ver a dor a partir de uma perspectiva que lhe dá sentido.<br /><br />De um ponto de vista cristão, deve-se ressaltar que Deus mesmo assumiu a natureza humana em Jesus de Nazaré para transfigurar o itinerário humano, sujeito a tantos males, com sua presença pessoal. Enfrentando de frente a morte com confiança e com espírito livre, desceu à escuridão do sepulcro, mas fez nascer do interior das trevas mais densas a luz mais potente – a ressureição! Esta não é uma simples volta à vida sujeita às limitações espácio-temporais, mas é Vida de Deus na nossa vida! Se temos de cumprir um itinerário no mundo finito, o sentido da nossa existência deságua na infinitude divina. Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-34648791096723531402023-01-24T09:55:00.005-03:002023-01-24T20:58:17.878-03:00Moral da razão e do discernimento <p></p><div class="separator" style="clear: both;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBJGIoYOeTehydkzFutq3oY59rU3ay5BMJWSvUiowl4SLvkCsxv3Gsqi5cQWP-Mu_HQt_PfiHG77IfAUsYWtp7idLkM_rrFlCBCnBIJrbyJjYGr0HXrHt-j_VrI7tKs8fCGurXMq1frgefgPEBzY2bxugP_vl3ZmV83ekxxnOaPdTrzCmzGP04tPL3Kg/s584/DDD54DB4-2FA5-4B77-AFE3-8CFE19CAB183.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBJGIoYOeTehydkzFutq3oY59rU3ay5BMJWSvUiowl4SLvkCsxv3Gsqi5cQWP-Mu_HQt_PfiHG77IfAUsYWtp7idLkM_rrFlCBCnBIJrbyJjYGr0HXrHt-j_VrI7tKs8fCGurXMq1frgefgPEBzY2bxugP_vl3ZmV83ekxxnOaPdTrzCmzGP04tPL3Kg/s320/DDD54DB4-2FA5-4B77-AFE3-8CFE19CAB183.jpeg" /></a></div><br />A teologia moral de corte nominalista é voluntarista. Deus é visto como totalmente incompreensível a ponto de não haver analogia entre sua Razão e a razão humana. Assim, o que prevalece é a Vontade divina ou sua Liberdade; no nominalismo radical a substância da lei moral acaba sendo o resultado de uma pura e simples determinação dessa Vontade, isto é, uma ação é má ou pecaminosa não porque seja ruim em si mesma, mas simplesmente porque Deus a proíbe. Nesse sentido, se Deus não tivesse proibido o adultério, mas, ao contrário, o tivesse ordenado, o ato de trair o cônjuge seria virtuoso. Aqui temos uma moral da lei e da obediência. <p></p><p>Bem outra é a visão tomista: Razão e Vontade não se separam no único Espírito incriado, e entre a Razão divina e a razão humana há analogia, de modo que a razão humana se torna o meio para conhecer a Razão divina. A lei moral não se reduz à lei positiva, mas é alcançada pela razão prática: seu princípio é intuitivo (<i>Bonum faciendum atque malum vitandum</i>) e os seus desdobramento são alcançados pela reflexão, dedução e discernimento (<i>prudentia</i>). O bem e o mal moral são tais, não porque simplesmente um é ordenado e outro é proibido pela Vontade divina, mas porque são bem e mal na ordem do ser, que é querida pela Vontade divina precisamente por ser a ordem da Razão. Nessa perspectiva, o adultério é proibido por Deus porque é contrário à ordem do ser, já que a corrompe; é irracional. Aqui temos uma moral da razão e do discernimento. A lei positiva tem o seu lugar, mas tira o seu vigor e a sua justificação da lei natural alcançada pela razão. </p>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-28631124116808831672023-01-11T10:45:00.008-03:002023-01-11T22:04:13.406-03:00O Ser é Luz e Amor<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFqSIZp98Tzv-ACF2hsy91_Mihmn8A2tIPBgW2swsBeb2BAYUnqn4zx-cO3WUFuwtj3DioQ8b0pIjCblonTAkxeiEPF3AVbhcD4fsFY1XITIZ8TghcZ7_uasig33aIhzJi3ZES0bSgKwe3IRGQLR_7QEU_EVwjwqA9wovTyLFyOEy-iBR4_b6ZU_N1sQ/s752/shutterstock_145918109-752x440.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="440" data-original-width="752" height="187" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFqSIZp98Tzv-ACF2hsy91_Mihmn8A2tIPBgW2swsBeb2BAYUnqn4zx-cO3WUFuwtj3DioQ8b0pIjCblonTAkxeiEPF3AVbhcD4fsFY1XITIZ8TghcZ7_uasig33aIhzJi3ZES0bSgKwe3IRGQLR_7QEU_EVwjwqA9wovTyLFyOEy-iBR4_b6ZU_N1sQ/s320/shutterstock_145918109-752x440.jpeg" width="320" /></a></div><div><br /></div>O ser humano traz uma luz dentro de si, que lhe permite conhecer, discernir e orientar-se. É o reflexo da Luz incriada no seu interior. Ela brilha e aquece, e quer dissipar as trevas da mente e a frieza do coração. O principal obstáculo a ser vencido pela Luz é o egoísmo. Por ele, nós nos fechamos em nosso pequeno mundo, fantasioso e inconsistente; deixamos de olhar para a Fonte, que é Deus. Fechamo-nos em nossas trevas e em nossa frieza. Sofremos porque nos afastamos da Luz e ocultamos a sua luz em nós. <br /><br />Deus é o Ser originário e incriado. É o Infinito do qual sentimos saudades. Ele nos criou para que o busquemos livremente, cada vez mais, com a ajuda indispensável da sua graça e do seu amparo, a fim de participarmos de sua Vida luminosa e amorosa – Vida feliz! Todo o universo criado é pequeno demais para preencher o espaço infinito que constitui o nosso espírito. Desejamos, consciente ou inconscientemente, a Realidade verdadeira, a plenitude do Ser. Só Deus e nossa transformação em Deus podem saciar-nos.<br /><br />O Ser originário, que é Deus, afirma-se três vezes, sem divisão nem cisão. Evidentemente, ele se afirma como Ser originário. Mas ele não é um ser originário opaco; por isso, afirma-se como Ser que se conhece (e em si conhece todos os entes criados). Ele não é nem mesmo um ser indiferente; por isso, afirma-se como Ser que se ama (e em si ama todos os entes criados). Eis a Trindade em Deus: a expressão eterna do conhecer de Deus é o Verbo ou Filho; a expressão eterna do amar de Deus é o Espírito Santo; a origem eterna das duas expressões é o Pai! Deus <b>é</b> (cf. Ex 3,14) <b>luz</b> (cf. 1Jo 1,5) e <b>amor</b> (cf. 1Jo 4,16)! Podemos dizer que o <b>é</b> está para o Pai, a <b>luz</b> para o Verbo e o <b>amor</b> para o Espírito Santo. <div><br /> O ser humano se diminui quando se fecha ao Ser originário, Uno e Trino. Esse fechamento é a queda, com todas as suas consequências de dor e sofrimento. Ao contrário, o ser humano se engrandece quando se abre ao Ser originário, Uno e Trino. Nossos problemas e dramas adquirem outros contornos, pois deixamos o Ser atuar em nós, a partir de dentro, a partir da nossa condição, seja ela qual for. Essa abertura permite que o Ser originário nos preencha com sua Imensidade, acenda em nós a sua Luz e derrame sobre nós o seu Amor. Assim, Deus nos levanta, transforma e dá-nos a sua Vida feliz, já agora!</div>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-44429195301774887182023-01-09T08:36:00.004-03:002023-01-09T08:36:38.764-03:00O dom da liturgia <p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh25TZ0UY7EzyvMD4eOB_EzFTjgJgK4inYr7r77KQZH1RxH26vUWuNpgMj0qNvoepQ0kH-JPinV0SSZQfwmogYzIUOk-Y2t2KCDI2H-3i1wQP_EJ6tEV15FMS_-pm_1BdEDlu3TY-cftICeVo4y09HyKruSOJ39cXFzgzHy0lGHsrNT5UMBpcwDqvoWgw/s640/04F0F014-BB0A-4408-A314-B77F91181A79.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="453" data-original-width="640" height="227" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh25TZ0UY7EzyvMD4eOB_EzFTjgJgK4inYr7r77KQZH1RxH26vUWuNpgMj0qNvoepQ0kH-JPinV0SSZQfwmogYzIUOk-Y2t2KCDI2H-3i1wQP_EJ6tEV15FMS_-pm_1BdEDlu3TY-cftICeVo4y09HyKruSOJ39cXFzgzHy0lGHsrNT5UMBpcwDqvoWgw/s320/04F0F014-BB0A-4408-A314-B77F91181A79.jpeg" width="320" /></a></div><p></p><p>Um dos grandes aportes do Vaticano II foi referente à liturgia. Seguindo as indicações já feitas por Pio XII, na encíclica <i>Mediator Dei</i>, o concílio se distancia de uma visão prevalentemente jurídica ou estética da liturgia e apresenta-a sob um olhar decididamente teológico. A liturgia é obra do Cristo total, cabeça e membros. Cristo sacerdote associa a Igreja ao seu culto perfeito prestado ao Pai, e a Igreja atualiza no tempo e no espaço o sacerdócio de Cristo, que se transmite aos batizados. O sacerdócio de Cristo presente nos batizados se exerce no tempo e no espaço da vida quotidiana, com suas luzes e sombras, lutas e desafios, conquistas e alegrias, mas de modo particular se exerce na liturgia. O Vaticano II chega a dizer que a liturgia, sem esgotar o ser e o agir da Igreja, representa aquilo que nela há de melhor. É o cume para onde tende toda a sua ação e, ao mesmo tempo, a fonte de sua vitalidade.</p><p>Eu diria que a liturgia é um espaço, preparado por Deus mesmo, para que possamos olhar o seu Rosto, aquele manifestado em Cristo, o exegeta do Pai. O nosso agir ético cristão está em íntima relação com a liturgia. O ser humano, para vencer as distorções dos falsos pontos de vista e do egoísmo, deve mirar sempre o Bem absoluto, cujo brilho alarga a visão e aquece o coração. E esse Bem apareceu-nos no tempo, na vida de um homem: Jesus. Quem olha para o Senhor, purifica-se e robustece-se para fazer aquilo que ele fez: doar a vida! Mas só pode doar total e livremente a vida quem já a experimenta como ganhada para sempre. Deus nos doa a vida, e a ganhamos particularmente olhando para o seu Rosto na liturgia, com Cristo, por Cristo e em Cristo.</p>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-39395828663373690482023-01-03T09:55:00.003-03:002023-01-03T09:55:37.919-03:00Vito Mancuso sobre Ratzinger <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVXJOWtoOMVvm3TFt6o0BtJsGkWuAiH-aKTJA3jdzhg2JENF5USyQalDltRKAiW7rngCi9WgNJfJkd9KTlsI0B0bVZHNUJxCw4GTouySyIzg2n27z9Thy1NJtCQKEtSo5lLrvR7HtQQclN7G2uCYxmeUMHXFvc6C1nDO7OKWIhur-l_LSnEKruaOlWeQ/s275/DC6614E7-791E-47E1-95BE-49EB25047ACC.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="183" data-original-width="275" height="183" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVXJOWtoOMVvm3TFt6o0BtJsGkWuAiH-aKTJA3jdzhg2JENF5USyQalDltRKAiW7rngCi9WgNJfJkd9KTlsI0B0bVZHNUJxCw4GTouySyIzg2n27z9Thy1NJtCQKEtSo5lLrvR7HtQQclN7G2uCYxmeUMHXFvc6C1nDO7OKWIhur-l_LSnEKruaOlWeQ/s1600/DC6614E7-791E-47E1-95BE-49EB25047ACC.jpeg" width="275" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><p>TEÓLOGO DA LUZ TEÓLOGO DA IGREJA</p><p>Arte. do prof. #VitoMancuso no #print de 2 de janeiro de 2023</p><p>-</p><p>"Luz intelectual cheia de amor": estas são as palavras de Dante (Paradiso XXX, 40) que instintivamente me vêm à cabeça quando penso na pessoa e no pensamento de Joseph Ratzinger. Ele foi antes de tudo um teólogo. Muito antes de ser bispo, cardeal, papa, papa emérito, ele era, e nunca deixou de ser, teólogo. O hábito mental teológico nunca o deixou, e acho que foi exatamente por isso que ele renunciou ao papado, porque ser teólogo é outra coisa do que ser papa, e reconciliar os dois estados é muito difícil, acho impossível; entre todos os papas da história, não existe um que foi um verdadeiro teólogo. Exceto, claro, ele.</p><p>Que tipo de teologia era a dele? Isso pode ser resumido em três adjetivos: eclesial, racional, espiritual.</p><p>-</p><p>Por "ecclesial" refiro-me ao fato de que a posição teológica a que Ratzinger pertenceu (compartilhada entre os teólogos católicos contemporâneos por Guardini, de Lubac, Congar, von Balthasar, Forte; e não partilhada por Teilhard de Chardin, Rahner, Küng, Boff, Molari ) faz da reflexão sobre a fé um ato comunitário eminente. Mesmo quando o teólogo está sozinho no seu estudo, ele não está a lidar com pensamentos pessoais mas com algo que lhe foi entregue, com um "depósito" que ele deveria preferir manter e entregar aos outros, segundo a exortação de São Paulo para Timóteo: “Guarde o seu depósito, evitando as conversas profanas e as objeções do falso conhecimento” (1Timóteo 6:20). Os teólogos de tal escola têm como caráter distintivo supremo o amor pela Igreja, e vivem intensamente a sua filiação. Santo Agostinho expressou-se desta forma: "Eu não acreditaria no Evangelho se a isso não me movesse a autoridade da Igreja Católica". A força aqui é que você experimenta uma sensação vital de pertencer a uma tradição maior a partir da qual você foi gerado e carregado, uma cadeia ininterrupta de santidade seguindo a qual através dos séculos você chega diretamente ao Senhor.</p><p>-</p><p>O limite, na minha opinião, é que a partir desta atitude teológica, uma tentativa como a de São Tomás de Aquino de colocar um filósofo pagão (Aristóteles) na base da visão do mundo, ou como a de Teilhard de Chardin de fazer a mesma coisa como cientista a respeito da evolução. A dificuldade que Ratzinger confessou ter experimentado quando jovem no estudo de Tomás ("tive dificuldade em acessar o pensamento de Tomás Aquino") certamente não foi um problema de inteligência, mas sim a sensação de estar em um mundo estranho: "A sua lógica cristalina parecia-me demasiado fechada em si mesma, demasiado impessoal e pré-confeccionada".</p><p>-</p><p>O segundo adjetivo da teologia de Ratzinger é "racional". Cito amplamente as suas obras mais conhecidas: “A fé cristã significa compreender a nossa existência como uma resposta à Palavra, ao Logos que sustenta e mantém todas as coisas. ” E novamente: “A fé cristã em Deus implica, acima de tudo, uma decisão para a preeminência do Logos sobre a matéria pura”. E finalmente: “A fé cristã em Deus é primeira e acima de tudo opção pela primazia do Logos”.</p><p>-</p><p>Estas declarações levantam a questão crucial de decidir de onde vem a nossa razão: será que ela nasceu por acaso na escuridão do universo do que é sem razão? Ou vem de um princípio racional que é a base de todas as coisas? Ratzinger não tem dúvidas: “A fé cristã é, hoje como ontem, a opção pela prioridade da razão e da racionalidade”. Então ele escreve: “No alfabeto da fé, está a declaração: No princípio era o Logos. A fé nos garante que a base de todas as coisas é a eterna razão". Vem uma atitude tão clara que pode parecer até deslumbrante para alguém: "A fé não quer oferecer ao homem alguma forma de psicoterapia: a sua "psicoterapia" é a verdade".</p><p>- </p><p>O terceiro adjetivo que caracteriza a teologia de Ratzinger é "espiritual". Para ele a expressão mais bela e concisa da fé dos primeiros cristãos vem da Primeira Carta de João: "Cremos no amor" (1 João 4,16). E ele comenta: "Cristo tinha-se tornado a descoberta do amor criador, a razão do universo foi revelada como amor". Decorre destas palavras a harmonia entre a dimensão racional e a dimensão espiritual, a partir da qual você pode entender que quando Ratzinger fala sobre "razão" ele não se refere à ferramenta analítica e calculadora da nossa mente (preciosa, é claro , mas insuficiente você tem que governar toda a existência, porque, como Tagore escreveu, "uma mente apenas lógica é como uma faca apenas lâmina"), mas ele significa a lógica da harmonia e da relação que governa todas as coisas. Filósofos gregos chamaram-lhe Logos e o Cristianismo consiste no anúncio deste Logos feito homem.</p><p>-</p><p>Para participar do Logos, porém, é preciso amá-lo com todo o coração. É por isso que Ratzinger afirma que "a conexão entre teologia e santidade não é um discurso sentimental ou pietista, mas tem a sua base na lógica das coisas. ” Vale a pena dizer: a santidade vem primeiro, depois a teologia, porque nenhum verdadeiro teólogo pode pensar sem uma vida espiritual intensa, como Agostinho por exemplo não consegue pensar sem a paixão do seu caminho para as raízes cristãs, Agostinho que Ratzinger sentiu-se tão próximo de si mesmo: "Quando eu leio os escritos de Santo Agostinho não tenho a impressão de que seja um homem que morreu há mais ou menos mil e tantos anos, mas sinto-o como um homem hoje: um amigo, um contemporâneo que me fala com a sua fé fresca e atual. "</p><p>- </p><p>As três peculiaridades do pensamento teológico de Ratzinger (eclesialidade, racionalidade, espiritualidade) chegaram inevitavelmente até o magistério papal realizado por ele sob o nome de Bento XVI, constituindo sua grandeza e limites. Grandeza, por causa da dimensão espiritual universalmente reconhecida, porque ele era sem dúvida um homem de Deus que queria conduzir continuamente Deus. Limites, por causa da eclesialidade e racionalidade que o induziram a querer colocar dentro do tradicional as inovações desenvolvidas especialmente no campo da moralidade sexual, da bioética e a luta contra as injustiças sociais pela teologia da libertação, correndo assim mais de uma vez o risco de se fechar àquilo que o Evangelho chama de "vento do espírito", que, está escrito, "sopra onde quer. ” ” (João 3,8).</p><p>-</p><p>No dia antes de ser eleito Papa, em 18 de abril de 2005, durante a homilia realizada na Basílica de São Pedro como reitor do Colégio Cardeal, Ratzinger disse: "Todos os homens querem deixar um rasto que permanece. "Mas o que resta? O dinheiro não. Nem os prédios não ficam, nem os livros. Depois de um certo tempo, mais ou menos longo, todas estas coisas desaparecem. A única coisa que fica na eternidade é a alma humana, o homem criado por Deus para a eternidade. O fruto que permanece é pelo quanto semeamos nas almas humanas - amor, conhecimento; o gesto capaz de tocar o coração; a palavra que abre a alma para a alegria do Senhor”. São palavras bonitas em que ainda se pode ver o batimento do coração dele. E acho que Joseph Ratzinger, com os seus pensamentos e a sua vida, nos mostrou como um verdadeiro mestre a primazia da alma e da espiritualidade. É por isso que me lembro da imagem fiel da "luz intelectual cheia de amor".</p>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-61445255596949377832023-01-02T14:48:00.006-03:002023-01-09T12:58:27.670-03:00Ainda sobre o legado de Bento XVI<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgA8x9WCQFR6gwfeCDOhfkxbRUDQUXbW9ffPhtcChPxp5QMXs0NZEvkdt6gaMcirSWvR-H5vQOov6vAzi_bKMAuxnIbr-1CYIJPqvQAibZqzQqIlbK35vi7uhjyq2-0sbyG_kfvdbXOsvi3r0ohrzECaiX08rT8TgiCDhWa2MYhyQ32yZF3GzcYXJ9RPA/s1080/965BAC48-8A4C-4D0C-AAB3-33C092D28E8B.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgA8x9WCQFR6gwfeCDOhfkxbRUDQUXbW9ffPhtcChPxp5QMXs0NZEvkdt6gaMcirSWvR-H5vQOov6vAzi_bKMAuxnIbr-1CYIJPqvQAibZqzQqIlbK35vi7uhjyq2-0sbyG_kfvdbXOsvi3r0ohrzECaiX08rT8TgiCDhWa2MYhyQ32yZF3GzcYXJ9RPA/s320/965BAC48-8A4C-4D0C-AAB3-33C092D28E8B.png" width="320" /></a></div><div><br /></div> A Realidade divina (<i>Res divina</i>) é muito maior do que nossa linguagem possa expressar. Mesmo tendo as Escrituras e a tradição, tocamos de esguio o Mistério de Deus, que é recebido muito menos restritamente no silêncio contemplativo e no amor experimentado e vivido. <br /><br />Embora a nossa linguagem seja deficiente, é necessária e tem o seu valor e validade. Por isso a teologia é necessária. Cada teólogo tem seu estilo e procura realçar um aspecto do Mistério. Ninguém precisa concordar com tudo o que o teólogo diz, mas é interessante prestar atenção na perspectiva da qual ele procura apontar para o Mistério. <br /><br />J. Ratzinger é considerado justamente um dos maiores teólogos do catolicismo. Para muitos críticos que pouco ou nada leram de seus densos textos e para uma impresa mais interessada em superficialidades, o que mais aparece de sua obra são questões não centrais. o Vaticano II lembrou-nos de que há uma hierarquia de verdades. O centro da fé cristã é ocupado pela Graça incriada, que se mostrou na história em Jesus de Nazaré e que muda nossa vida e nosso existir no mundo e com os outros. As questões morais (aborto, moral sexual, eutanásia…) e institucionais da Igreja (ordenação de mulheres, descentralização do poder, que deve ser visto sempre como serviço…) só têm sentido porque giram em torno da Graça. Nem todos terão a mesmíssima visão acerca de muitas coisas dos temas mais periféricos da fé. <br /><br />Pra mim, o valor de Ratzinger está em ter sido um homem de profunda reflexão, de pensamento desperto, que, a seu modo, apontou para o Centro, a Graça. E apontou com uma energia de alma e de reflexão como poucos na história. É um dos grandes nomes da atualidade que promoveu o diálogo entre fé e razão e procurou fazer ver a grande harmonia de fundo que existe entre ambas. Quem lê o livro recém publicado (ODDIFREDI, P. *<b>In cammino alla ricerca della verità</b>*, Mondatori, 2022) em que dialoga com o matemático ateu Piergiorgio Odifreddi, vê como Ratzinger foi uma alma aberta, capaz de entender as razões do outro, mas também extremamente lúcido e perspicaz no apresentar as suas próprias. O livro recolhe um diálogo que durou alguns anos, e mostra o contrário do que se propaga por aí sem muita consistência: faz ver um Ratzinger de fé iluminada, longe de qualquer dogmatismo. Os argumentos mais cáusticos contra a fé cristã são considerados e superados por ele, não por um gesto de autoridade, mas pela argumentação, concorde-se ou não com ela.<div><br /></div><div><div>Um dos pontos nodais do pensamento de J. Ratzinger é a prioridade do <i>Lógos</i>. O <i>lógos</i> que habita no homem vem da matéria irracional ou a matéria vem do <i>Lógos</i> e é banhada por sua luz? O que é primordial, originário? O <i>Lógos</i> ou a matéria? </div><div><br /></div><div>Para Ratzinger esta é a grande questão. O cristianismo, em essência, é a opção pelo primado do <i>Lógos</i>. Ratzinger vê certa contradição em dizer que o primado cabe à matéria, pois só se pode fazer isso valendo-se do <i>lógos</i>, o que faz emergir de novo a sua originalidade radical.</div></div>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-25133566754410578952023-01-01T12:50:00.013-03:002023-01-01T13:39:52.711-03:00Discípulo de S. Tomás <br /><br /> <br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjM_vfxUcPHZb9G9xx8JIX9lL2BrgL5pG070p4JG1B-GWf358tP7bFQB7w2EZi-5-vxqsYhbrAhr9FpX1mfQnJyAkzaAe3Jya0VDODF75jsz28ynGVeu2uFt-XFVEwjknTmTRApRtlTLu7Bk1sLI3uKJIte6O2voC_ucCPzePmEHeCSJAKE468oRWw-8w/s350/CC85F2E6-9A4A-41CB-9252-BFA2E28D8D3A.jpeg"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjM_vfxUcPHZb9G9xx8JIX9lL2BrgL5pG070p4JG1B-GWf358tP7bFQB7w2EZi-5-vxqsYhbrAhr9FpX1mfQnJyAkzaAe3Jya0VDODF75jsz28ynGVeu2uFt-XFVEwjknTmTRApRtlTLu7Bk1sLI3uKJIte6O2voC_ucCPzePmEHeCSJAKE468oRWw-8w/s320/CC85F2E6-9A4A-41CB-9252-BFA2E28D8D3A.jpeg" /></a><br /><br />Eu me considero discípulo de S. Tomás porque sigo as grandes teses do seu pensamento filosófico: a realização plena do Ser (<i>Esse</i>), perfeição máxima, em uma única e incomunicável subsistência (Deus), a distinção entre essência e ato de ser nos entes finitos, o primado absoluto do intelecto sobre a vontade, a mútua pertença entre ser e intelecto…<br /><br />Tomás é meu mestre também porque me ensinou a dar valor à argumentação e a procurar distinguir o que é discurso racional e o que é discurso de fé. Aprecio muito o rigor com que Tomás procurou tratar as coisas, sem ceder a um discurso talvez impressionante e esteticamente bonito, mas logicamente inconsistente ou vazio. Tomás me ensinou que o belo é tal por estar em consonância com o verdadeiro, não simplesmente porque emociona. Ainda neste tópico, Tomás me ensinou que os conceitos humanos são analógicos quando falamos (mais em termos de negação do que afirmação) do Ser subsistente, e estão mais próximos da equivocidade do que da univocidade. Ainda assim é preciso pensar e argumentar, com a consciência de que o discurso está em constante tensão para a <i>Res </i>sempre maior. Nada de agnosticismo. Nada de sentimentalismo. Nada de racionalismo. <div><br />Como quer que seja, sei que, como discípulo de S. Tomás, não devo ser escravo de sua letra. As relações entre razão e fé, cujos princípios estão lançados pelo mestre, precisam ser repensadas diante de: a nova exegese bíblica (nova compreensão de inspiração e da historicidade dos textos), as mudanças profundas da explicação científica da natureza e do cosmo (dinamismo em vez de estaticismo), a maior consciência da imersão do homem no tempo e na história, o pluralismo religioso e cultural…<br /><br />A filosofia de S. Tomás, obra de gênio por causa, sobretudo, do inovador conceito intensivo de ato de ser (<i>actus essendi</i>), precisa, contudo, ser desenvolvida a partir dos ganhos do idealismo (a reflexão sobre as condições transcendentais do ser na inteligência), a hermenêutica (o caráter perspectivo e histórico do conhecimento) e da filosofia da linguagem (a linguagem como casa do ser). Sobre os ganhos do idealismo, deve-se dizer, como viu Joseph Maréchal e sua escola, que em Tomás temos bases a serem desenvolvidas que nos mostram como a natureza e o dinamismo do conhecimento humano sempre pressupõem, implícito no explícito, o Absoluto, que é o Ser e a Inteligência sempre em ato, alfa e ômega do espírito finito.</div>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-16702821601253086402023-01-01T05:23:00.008-03:002023-01-01T05:32:02.515-03:00Absoluto e vias <br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgenmvzIw9HIRq9WBfoC-G3Mn50d9crf-UjwHjlYuRGLZynM_OiPJnhcarrI9Q_1Vuc9CZsGYdndSymKQcPCOTNCBzsEirHHjwzLndxyZwysP5aMtaArhq7Uqd8b3QthRer126JPzD-A25wBui_8l2nVmoFomomFXtTKYi27z5HLJjRnFmyGpI6mlDx1w/s350/EC9A78D3-04A9-4775-8540-4E09C1A3F53F.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="336" data-original-width="350" height="307" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgenmvzIw9HIRq9WBfoC-G3Mn50d9crf-UjwHjlYuRGLZynM_OiPJnhcarrI9Q_1Vuc9CZsGYdndSymKQcPCOTNCBzsEirHHjwzLndxyZwysP5aMtaArhq7Uqd8b3QthRer126JPzD-A25wBui_8l2nVmoFomomFXtTKYi27z5HLJjRnFmyGpI6mlDx1w/s320/EC9A78D3-04A9-4775-8540-4E09C1A3F53F.jpeg" width="320" /></a></div><div><br /></div><div> Parece haver três grandes meios para a aproximação do Absoluto ou para deixar que ele <b>emerja em nós como Graça</b>: <br /><br />a)<b> O caminho do serviço da caridade</b>: pelo amor desinteressado devotado ao outro, especialmente ao necessitado (pobre, doente, prisioneiro…), o Amor se mostra cada vez pujante em nós. <br /><br />b)<b> O caminho da devoção</b>: a busca afetiva, estética, pessoal, comunitária, litúrgica… A atenção voltada para o Eterno propicia o seu nascimento em nós. <br /><br />c) <b>O caminho do discernimento intelectual</b>. É a via preferida por quem tem pendor intelectual. Pela reflexão se alcança a certeza intelectual do Absoluto transcendente. Tal certeza se torna uma luz capaz de iluminar todas as dimensões da personalidade. No cristianismo, um Tomás de Aquino seguiu esta via. No hinduísmo, Shankara a considerava a única via que de fato é capaz de despertar definitivamente an alma, sendo as duas anteriores vias ainda incompletas. Note-se que a via do discernimento intelectual não reduz o Absoluto aos conceitos humanos, mas pelo trabalho da inteligência se chega à certeza da Realidade inefável. Com o intelecto discursivo se vai além do intelecto discursivo. É de se notar que no cristianismo se fala da visão (intelectual) como fundamento definitivo da vida bem-aventurada. <br /><br />Essas vias não são excludentes, mas complementares. Uma implica em certa medida as demais. A via do discernimento intelectual, por exemplo, feita com a potência integral do nosso ser, ao libertar a alma da dependência existencial do finito, enche-a da Plenitude, da Luz e do Amor, o que a leva ao serviço desinteressado e à devoção. </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br />Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-17000925623137489142022-12-31T10:32:00.013-03:002023-01-02T19:26:52.901-03:00O grande legado de Bento XVI<br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_f9aJ2mXaoI1OXPxy7MOmmpsmcK8OfSu8Ot4ntyygFwN2uorM2kQa6wRNp74KPGJLzzHk6_qML7_cWg4VRG1UjUPFBn11OZ9kX5ltdp2cRR3e9c2PwlMgY3eKYLTF4O4UNojrPTCRm_UBsVmAbzwSHmN4Q1B3eAPknftkcz8eYdT9P9G1ltDFmFAw1g/s362/9FE17636-0AFA-49AD-B521-0996C13A872D.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="362" data-original-width="250" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_f9aJ2mXaoI1OXPxy7MOmmpsmcK8OfSu8Ot4ntyygFwN2uorM2kQa6wRNp74KPGJLzzHk6_qML7_cWg4VRG1UjUPFBn11OZ9kX5ltdp2cRR3e9c2PwlMgY3eKYLTF4O4UNojrPTCRm_UBsVmAbzwSHmN4Q1B3eAPknftkcz8eYdT9P9G1ltDFmFAw1g/s320/9FE17636-0AFA-49AD-B521-0996C13A872D.jpeg" width="221" /></a></div><br /><div><br /></div><div> Bento XVI teve como grande orientação para o pensamento e para a vida o <b>primado de Deus</b>, tema realçado de modo particular pela espiritualidade da escola daquele que certamente lhe inspirou o nome: Bento de Núrsia.<br /><br />Procurar o primado de Deus num mundo que, sob diversos aspectos, quer-se pós-cristão e pós-teísta é um grande desafio. Realçar as raízes que nossa vida tem no Eterno para uma mentalidade que vive submersa no tempo é uma empreitada difícil. Chamar a atenção para as coisas da alma e para do encontro íntimo com o Verbo de Deus num tempo em que só se quer o espetáculo e a exibição é colocar-se num caminho de incompreensão. <br /><br />Sem negar — muito ao contrário! — que a Igreja tem uma missão temporal, social e até política (sem que ela mesma deva tomar o governo político), Bento XVI enfatizou a sede de infinito que caracteriza a alma humana e procurou apontar para a Fonte de Água Viva que é Deus. Nesse sentido, esforçou-se por defender a fé da Igreja diante do que considerava obnubilar o seu caráter transcendente. Defendeu a sacralidade da liturgia diante de tendências consideradas redutivistas. Quando o <i>establishment</i> realçava a relatividade das coisas humanas a ponto de, em muitos casos, abrir caminho para o relativismo e o niilismo, Bento XVI insistia na marca do Definitivo que está impressa no núcleo do coração humano. Se somos finitos e se nosso conhecimento é relativo, nem tudo, porém, deve desaguar nas falsas equiparações ou no vazio. Nossa finitude é atravessada pela positividade do Infinito de Deus, de um Deus tão próximo que quis mostrar-se visível aos nossos olhos carnais e fazer história conosco como verdadeiro homem, em Jesus de Nazaré. <br /><br />Ratzinger não foi muito bem compreendido por muitos porque, de certa maneira, nadava contra a correnteza. Mas foi justamente assim que nos deu sua parcela de contribuição e deixou sua grande marca na Igreja e no mundo. Nossas questões temporais têm muito a ganhar se abrimos, de par em par, nossa alma para o Eterno. Não é preciso estar de acordo com todas as posições de Ratzinger para reconhecer a importância e a clarividência do núcleo do seu pensamento. </div><div><br />Eis o legado de Bento XVI, pastor e teólogo: o anúncio vivo, com todos os os recursos argumentativos da razão e da fé, de que sem Deus, sem o Infinito, a vida humana fica estreita. Com Deus, ao contrário, tudo muda; sem tirar-nos nada do que faz a vida humanamente boa, Ele nos dá muito mais: abre-nos o horizonte de sua Vida, Luz eterna e Amor indestrutível.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /></div>Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5333617476550403963.post-75564310977799630672022-12-29T14:01:00.005-03:002023-01-09T12:59:37.597-03:00Bem-aventurados os pobres<div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR_8KueU_t3CkAwQ7C4-Lp6rtyEnSxsXW4yXlX15X3yy5Ba14gTzk3k7PKR2kgK5gF_e8Fr05NmVu1xt-AZOsq-VHSyl1NBVj9_uaRdOglqXNh6-WYACXZfRKsCtNf2aHjtszM-teGqAlPKa-IBp5MTm588-QGHAnEnOgu9wa9ZAWoGAIlCrjpFDLNnw/s274/8F3C35DC-569E-44FF-911F-93F14109CCCA.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="184" data-original-width="274" height="184" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR_8KueU_t3CkAwQ7C4-Lp6rtyEnSxsXW4yXlX15X3yy5Ba14gTzk3k7PKR2kgK5gF_e8Fr05NmVu1xt-AZOsq-VHSyl1NBVj9_uaRdOglqXNh6-WYACXZfRKsCtNf2aHjtszM-teGqAlPKa-IBp5MTm588-QGHAnEnOgu9wa9ZAWoGAIlCrjpFDLNnw/s1600/8F3C35DC-569E-44FF-911F-93F14109CCCA.jpeg" width="274" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Que o Evangelho seja uma mensagem e um poder de salvação para todos, especialmente para os pobres, está claro pra mim.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">Chamo a atenção para o “especialmente para os pobres”. </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">As bem-aventuranças em Lucas, provavelmente a versão mais próxima ou mesmo idêntica ao posicionamento histórico de Jesus, têm como destinatários os pobres (em sentido literal), os que choram, os que passam fome… Maria é apresentada por Lucas entoando o seu belíssimo Magnificat, hino inspirado no cântico de Ana, em que louva a Deus porque “enche de bens os famintos e despede os ricos de mãos vazias”. </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">Jesus, tal como nos chegou pelo Novo Testamento, é taxativo ao dizer ou se serve a Deus ou se serve ao dinheiro. Diz que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino. Faz questão de identificar-se com os últimos da comunidade, considerando feito a ele o que se faz aos desvalidos. Em sua prática, sempre se posicionou pelos últimos, sem excluir, no entanto, os demais. </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">E. Bloch acusou a Igreja de alargar o buraco da agulha até fazer passar por ele os maiores ricaços, sem grandes dificuldades. A questão que fica é: até que medida nós podemos “adocicar” as palavras fortes da Escritura sobre a pobreza e a riqueza? Sobre o bens materiais e o Reino? Sobre a injustiça e o amor fraterno? </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">Os primeiros cristãos descritos (talvez idealmente) por Lucas viviam partilhando os seus bens. Os monges, quando a Igreja se uniu ao Império, compreenderam que deviam fugir do espetáculo mundano. Em todas as épocas, na Igreja houve serviço aos pobres. Mas assistência aos pobres nem sempre coincide com a libertação dos pobres para a qual o núcleo do Evangelho parece apontar. </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">A pobreza evangélica foi vista por certa tradição exegética como destinada a apenas uma elite espiritual (os religiosos). Mas o fato é que Jesus fala pra todos. Que significa ser pobre de espírito (bem-aventurança de Mateus)? Que é a pobreza evangélica? Não seria o testemunho de que os bens podem ser melhor partilhados a fim de que todos possam ter dignidade? </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">O fato é que hoje a Igreja repensa o que recebeu e os contornos da sua própria história. Realça a implicação social do Evangelho, que é sobretudo para os pobres. A pobreza evangélica não é certamente o mero desapego dos bens. </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">A cada cristão cabe a pergunta: a quem estou servindo? Até onde posso levar a posse de bens? Como os pobres são evangelizados? Como uma sociedade injusta, do ponto de vista da economia e da distribuição de bens, pode receber o Evangelho? </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">Atenção! Há de se distinguir a vida pessoal e particular e a vida empresarial. Hoje uma empresa precisa de capital e é capaz de gerar empregos e benefícios sociais. O que devemos pensar é como as empresas contribuem para o bem comum, não simplesmente para o bem de uma elite, às vezes muito restrita. E até quanto cada um em particular, fora da vida empresarial, precisa possuir? Qual é o limite além do qual estaria ferindo o Evangelho, que pede a todos o serviço de Deus, não o do dinheiro? Cada um use o discernimento, a luz da razão e a da fé!</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><b>Observação</b>: Está claro pra mim também que o Evangelho não se reduz a uma mensagem ou um poder social, pois que diz respeito ao destino eterno do homem. No entanto, querer desvinculá-lo do compromisso social é mutilá-lo. </div></div><br />Padre Elíliohttp://www.blogger.com/profile/00529265738987293558noreply@blogger.com0